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A arte de Etsu Egami, o berço de uma beleza inédita

Publicado em: 21 Setembro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

Etsu Egami explora as barreiras da comunicação através de retratos semi-abstratos com cores prismáticas. Esta artista japonesa contemporânea sublima os mal-entendidos culturais em revelações poéticas, criando uma linguagem pictórica onde a incompreensão se torna fonte de criação e riqueza nas relações humanas.

Ouçam-me bem, bando de snobs: chegou o momento de olhar além das vossas certezas. No panorama contemporâneo saturado de conceptualismos ocos e de provocações gratuitas, uma artista japonesa de trinta e um anos perturba as nossas perceções com a despreocupação tranquila dos verdadeiros visionários. Etsu Egami, nascida em 1994 em Chiba, encarna essa terceira geração de artistas nipónicos do pós-guerra que, libertada do peso histórico e dos questionamentos identitários dos seus antecessores, explora com uma audácia desconcertante os meandros da condição humana universal. Através dos seus retratos semi-abstratos com cores prismáticas, ela revela aquilo que a comunicação tem de mais frágil e essencial.

O percurso cosmopolita de Egami, dos Estados Unidos à Europa e da China à Alemanha, molda uma prática artística que faz da incompreensão linguística e cultural o seu terreno criativo mais fértil. Diplomada na Academia Central de Belas-Artes de Pequim, onde estudou sob a orientação de Liu Xiaodong, e depois na Universidade de Artes e Design de Karlsruhe, ela desenvolve uma abordagem plástica que sublima os mal-entendidos em revelações poéticas. Esta itinerância geográfica e intelectual alimenta uma obra onde as barreiras linguísticas se tornam paradoxalmente o veículo de uma comunicação mais autêntica.

O arco-íris como dialética cromática da alteridade

As telas de Etsu Egami interrogam pela sua construção cromática singular: faixas horizontais translúcidas, com cores saturadas mas nuançadas, que evocam um arco-íris terrestre, manchado pelo contacto com a nossa realidade imperfeita. Esta metáfora do espectro luminoso não é fortuita na artista, que declara: “O arco-íris contém cada nuance purificada que brilha magnificamente” [1]. Esta simbologia ultrapassa a simples estética para se erguer como uma verdadeira filosofia da coexistência.

Na tradição japonesa, o arco-íris remete para a ponte flutuante do paraíso (Ame-no-ukihashi) mencionada no Tango no Kuni Fudoki, que segundo a lenda desabou para formar as terras a oeste de Quioto. Esta referência mitológica ressoa com o trabalho de Egami, onde a queda da ponte celestial simboliza talvez a necessária desilusão que precede toda verdadeira compreensão. As cores das suas telas nunca se misturam, coexistem em linhas paralelas, metáfora visual dessa diversidade humana que recusa a uniformização.

A artista também se inspira na simbologia universal do arco-íris como ponte entre o terreno e o transcendente. Na mitologia nórdica, o Bifröst liga Midgard a Asgard; no budismo tibetano, o “corpo arco-íris” designa a etapa última antes do despertar. Estas referências permitem a Egami situar o seu trabalho numa dimensão espiritual que transcende os particularismos culturais. Os seus “arco-íris sujos” traduzem a imperfeição assumida da nossa condição, mas também a esperança persistente de uma elevação possível.

A caligrafia como arquitetura secreta da pintura

A influência da caligrafia na obra de Egami constitui um dos aspetos mais subtis e, no entanto, fundamentais da sua prática. Longe de ser anedótico, este envolvimento caligráfico estrutura a sua gestualidade pictórica a um nível profundo. Durante uma conferência no Museum of Fine Arts de Boston, um conservador comentou-lhe: “As suas obras não são nem animação nem ukiyo-e, mas têm uma sensação oriental. É porque sinto um elemento de caligrafia nelas” [2].

Esta observação revela a dimensão oculta do trabalho de Egami. Formada desde a infância na caligrafia pelo seu pai, a artista JY interioriza esta disciplina não como técnica de escrita, mas como uma extensão do corpo. “O pincel é elástico, e o feltro sob o papel também o é. Quando aprendia a escrever, a força nas minhas mãos e as ideias no meu coração eram frequentemente absorvidas e resistiam mutuamente”, explica ela. Esta dialética entre intenção e resistência material informa a sua gestualidade pictórica.

A caligrafia oriental postula a unidade fundamental entre a escrita e a pintura (shuhua tongyuan). Em Egami, esta tradição milenar encontra uma atualidade contemporânea surpreendente. Os seus retratos não procuram a semelhança física, mas captam o que Xie He denominava no século VI “qi yun sheng dong”, a ressonância espiritual e a vitalidade. Cada pincelada torna-se assinatura existencial, rasto de um sopro vital que anima a tela.

A rítmica das suas composições evoca a alternância inspiração-expiração do calígrafo. As bandas horizontais funcionam como pausas respiratórias, enquanto os traços sinuosos encarnam o ímpeto criador. Esta abordagem somática da pintura coloca o corpo da artista no centro do processo criativo, numa tradição onde a arte se torna exercício espiritual tanto quanto expressão estética.

A influência caligráfica transparece também na sua conceção do vazio. Na tradição chinesa, o vazio (xu) não é ausência, mas potencialidade pura. Os espaços brancos entre as cores de Egami funcionam segundo este princípio: não separam os elementos, mas colocam-nos em ressonância. Esta mestria do vazio revela uma compreensão profunda da estética oriental, onde o não dito muitas vezes carrega mais sentido que o explícito.

O retrato como sismógrafo do incomunicável

A série dos filósofos marca uma viragem na evolução artística de Egami. Inspirada pela sua leitura de “Os Analectos e o Ábaco” de Shibusawa Eiichi, ela empreende retratar os grandes pensadores da Escola das Cem Pensamentos chinesa. Laozi, Confúcio, mas também Freud, Dostoiévski, Kafka, Nietzsche, tantas figuras que moldaram o pensamento humano e que a artista ressuscita através da sua gestualidade cromática.

Estes retratos filosóficos revelam uma abordagem revolucionária do género. Egami não se prende à semelhança física; pinta a essência intelectual dos seus modelos. “Não limitei a minha conceção convencional do retrato. Tentei visualizar as ideias da Escola das Cem Pensamentos à minha maneira”, explica ela [3]. Esta libertação do cárcere mimético permite uma abordagem sinestésica onde os conceitos se tornam cores, as filosofias se transmudem em ritmos visuais.

O retrato de Freud ilustra este método: os olhos, o nariz e o queixo permanecem identificáveis, mas linhas em espiral invadem a testa. A imagem evoca menos a aparência física do psicanalista que a experiência de leitura de “A Interpretação dos Sonhos”. Pelo contrário, o Laozi de Egami escapa a qualquer reconhecimento facial, resolvendo-se em bandas horizontais vibrantes e alguns traços azuis impercetíveis, figuração perfeita do mestre taoista que pregava o desapego do ego.

Esta abordagem ressoa com a tradição do retrato intelectual que atravessa a arte ocidental desde Arcimboldo. Mas onde o maneirista italiano compõe seus rostos com objetos simbólicos, Egami procede por dissolução cromática. Seus filósofos nascem da cor pura, metamorfose pictórica que traduz a transformação interior operada pela leitura de suas obras.

A obra como laboratório da incompreensão criadora

A exposição “Star Time” apresentada em Ginza Six em 2021 revela outra faceta da arte de Egami. Dedicada às figuras literárias da época Meiji ao Showa, Osamu Dazai e Natsume Soseki, esta série prolonga sua reflexão sobre a transmissão cultural e o legado intelectual. Estes retratos de escritores inserem-se na continuidade de sua abordagem filosófica, ao mesmo tempo que revelam uma proximidade particular com a tradição literária japonesa.

O período de isolamento pandémico favoreceu esta imersão nos textos fundadores. Egami descobre então as conexões secretas entre literatura e pintura, entre pensamento e sensação. Esta série constitui o prelúdio para os seus retratos de filósofos, revelando uma artista que constrói sua iconografia pessoal a partir de um diálogo constante com as obras do espírito.

O projeto fundador “This is not a Mis-hearing game”, iniciado em 2016 e ainda em curso, ilustra o método experimental de Egami. Ela faz escutar um som a centenas de participantes de nacionalidades diferentes, pedindo-lhes que transcrevam imediatamente o que percebem. Esses mal-entendidos recolhidos tornam-se material artístico, revelando os mecanismos secretos da comunicação humana.

Esta abordagem etnográfica da arte coloca Egami na linha dos artistas-antropólogos contemporâneos. Mas, ao contrário das práticas conceptuais que expõem cruas suas dados, ela transfigura esses materiais em pintura. Os rostos dos participantes, fotografados e depois pintados, tornam-se arquivos sensíveis da incompreensão fértil que caracteriza as nossas trocas humanas.

Julie Champion, conservadora do Centro Pompidou, capta perfeitamente esta dimensão: “O que é belo nas suas obras é que ela vê todas essas especificidades como uma fonte, não só de incompreensões, mas também de criação e de riqueza nas relações entre as pessoas” [4]. Essa alquimia transforma o obstáculo em oportunidade, o mal-entendido em revelação.

Rumo a uma estética da impermanência contemporânea

As referências ao Hōjōki de Kamo no Chōmei na exposição de Singapura em 2023 revelam uma dimensão meditativa frequentemente oculta da obra de Egami. Este texto budista do século XIII, escrito desde uma cabana de um metro quadrado, medita sobre a impermanência e as catástrofes naturais. “A água corre constantemente, e contudo nunca é a mesma água”, esta imagem fluvial ressoa com os retratos fluidos de Egami, onde os rostos se formam e se dissolvem conforme o ângulo de visão.

A artista atualiza essa sabedoria milenar na nossa época de aceleração tecnológica e distanciamento social. Suas telas captam a essência fugaz dos encontros humanos, esses momentos de “ichigo ichie” (uma vez, um encontro) que nunca se reproduzirão idênticos. Num mundo dominado pela reprodutibilidade digital, esta celebração do único ganha uma ressonância particular.

A impermanência em Egami não gera melancolia, mas maravilhamento. Suas cores vibram com uma alegria assumida, um otimismo lúcido que reconhece a fragilidade sem cair no pessimismo. Essa postura ética tanto quanto estética faz dela uma artista profundamente contemporânea, capaz de enfrentar as incertezas do nosso tempo com as armas da beleza.

O sucesso fulgurante de Egami na cena internacional, classificação na Forbes 30 Under 30 Asia e exposições nas instituições mais prestigiadas, é prova de uma recepção crítica que ultrapassa os meios asiáticos. As suas obras integram as coleções do Garage Museum de Moscovo, do CAFA Art Museum de Pequim e da E-Land Foundation de Seul. Esta difusão geográfica valida a sua ambição universalista.

Mas a artista mantém uma vigilância salutar face às tentações do mercado. Lamentando a especulação que envolve as suas obras, ela impõe às suas galerias um acordo de não revenda de cinco anos. “As minhas obras de arte são como os meus filhos, por isso espero que as obras possam permanecer com as pessoas por muito mais tempo”, declara ela. Esta posição ética revela uma artista consciente das suas responsabilidades, recusando ver o seu trabalho reduzido apenas ao seu valor comercial.

O horizonte cosmopolita: uma pintura-mundo

A obra de Etsu Egami floresce no entremeio, esse espaço liminar onde as certezas vacilam e surgem as revelações mais profundas. Nem totalmente japonesa nem completamente ocidental, a sua pintura encarna essa globalização cultural que caracteriza a nossa época. Prova que é possível beber nas tradições milenares enquanto se forja uma linguagem plástica resolutamente contemporânea.

Os seus retratos-paisagem, esses rostos que se transformam em horizontes conforme o ângulo de visão, sintetizam magistralmente essa abordagem. Revelam que a verdadeira arte reside talvez nesta capacidade de manter abertas todas as possibilidades interpretativas, de preservar o enigma em vez de o resolver.

Na nossa época de polarizações extremas e certezas dogmáticas, Etsu Egami propõe um caminho intermédio que faz da incerteza uma riqueza. As suas telas lembram-nos que a beleza nasce muitas vezes do incompreendido assumido, que a verdadeira comunicação começa talvez onde as palavras cessam. Neste aspeto, ela junta-se à mais alta tradição da arte: revelar o invisível, dar forma ao indizível, transformar o obstáculo em trampolim para uma compreensão superior.

O futuro dir-nos-á se esta geração de artistas cosmopolitas saberá cumprir as suas promessas. Mas já, no atelier de Chiba onde ela prossegue incansavelmente as suas pesquisas cromáticas, Etsu Egami desenha os contornos de uma arte verdadeiramente universal. Uma arte que faz das nossas diferenças irreductíveis não um obstáculo, mas o terreno fértil de uma beleza inédita. E é talvez aí, nesta alquimia quotidiana do incompreendido criador, que reside o segredo do seu génio nascente.


  1. Tang Contemporary Art, “Etsu Egami: RAINBOW”, catálogo de exposição, 2022
  2. Whitestone Gallery, “The Universal Philosophy Enticed by Etsu Egami”, 2023
  3. Ibid.
  4. Tang Contemporary Art, “In a Moment of Misunderstanding, All the Masks Fall”, comunicado de imprensa, 2021
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Referência(s)

Etsu EGAMI (1994)
Nome próprio: Etsu
Apelido: EGAMI
Outro(s) nome(s):

  • 江上越 (Japonês)

Género: Feminino
Nacionalidade(s):

  • Japão

Idade: 31 anos (2025)

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