Ouçam-me bem, bando de snobs. Albert Willem não é nem o salvador da pintura contemporânea nem o seu carrasco, mas algo bem mais interessante: um contador de histórias irreverente que transforma as nossas pequenas misérias quotidianas em espetáculos coloridos. Este belga, autodidata assumido, pinta com a espontaneidade de uma criança de doze anos e o olhar aguçado de um sociólogo amador. As suas telas estão repletas de personagens com traços simplificados, envolvidos em situações onde a ironia disputa com o grotesco: discussões entre convidados durante um casamento, danças desenfreadas num funeral, congas intermináveis que serpenteiam pela tela como metáforas da nossa condição humana.
Willem pertence a essa geração de artistas que perceberam que a arte contemporânea por vezes se levau demasiado a sério. As suas pinturas a acrílico, com cores vivas e francas, rejeitam deliberadamente qualquer busca da perfeição técnica. Esta abordagem recorda curiosamente as teorias de Henri Bergson sobre o riso [1]. O filósofo francês explicava que o cómico nasce “do mecânico sobreposto ao vivo”, uma fórmula que parece feita à medida para descrever o universo de Willem. Os seus personagens, com movimentos bruscos e expressões congeladas, evoluem em situações onde as convenções sociais se despedaçam.
A influência bergsoniana ultrapassa a mera mecânica do riso. Willem parece ter captado intuitivamente que o humor pode servir de revelador social. As suas multidões compactas, herança de Bruegel, o Velho, que ele admira abertamente, nunca são neutras. Exibem os nossos automatismos comportamentais, os nossos reflexos gregários, essa tendência da humanidade a comportar-se de modo previsível mesmo nas circunstâncias mais extraordinárias. Quando Bergson afirma que “rimos sempre que uma pessoa nos dá a impressão de uma coisa”, Willem traduz esta observação em imagens. Os seus pequenos bonecos com traço depurado tornam-se arquétipos, “coisas” que revelam os nossos próprios mecanismos sociais.
Esta dimensão sociológica nunca é pesada em Willem, ao contrário de tantos artistas contemporâneos que atordoam o espetador com referências teóricas. O artista belga procede por acumulação, por saturação visual. As suas composições fervilham de detalhes anecdóticos: viaturas policiais perdidas na confusão, painéis publicitários incongruentes, personagens secundários que vivem o seu próprio drama à margem da ação principal. Este método evoca os trabalhos de Georg Simmel sobre sociologia urbana [2]. O sociólogo alemão descrevia a modernidade como uma experiência de estimulação permanente, em que o indivíduo deve filtrar constantemente uma massa de informações para sobreviver psicologicamente à intensidade da vida urbana.
Willem transpõe esta análise nos seus “caos urbanos”. As suas telas como “The Boxing Match” ou “The Funeral” funcionam como laboratórios de observação social. Cada personagem ali leva a sua própria existência, indiferente ao drama central, criando essa cacofonia visual que caracteriza as nossas sociedades modernas. O artista não julga, constata. Não denuncia, mostra. Esta neutralidade benigna aproxima as suas obras do espírito de Simmel, que recusava hierarquizar os fenómenos sociais, preferindo analisá-los na sua complexidade contraditória.
A técnica rudimentar de Willem, longe de ser uma falha, torna-se uma escolha estética coerente. As suas personagens com membros desarticulados e rostos esquemáticos escapam à armadilha do realismo para melhor captar a essência das situações que atravessam. Esta simplificação gráfica permite uma leitura imediata, quase instintiva, das suas composições. Compreende-se instantaneamente que uma luta irrompe, que uma festa degenera, que uma cerimónia se transforma em caos, sem necessidade de decifrar as subtilezas psicológicas de cada protagonista.
Esta economia de meios revela uma inteligência artística certa. Willem compreendeu que a nossa época, saturada de imagens, exige códigos visuais simplificados para captar a atenção. As suas cores saturadas e contrastes brutais funcionam como sinais no ruído ambiente da cultura contemporânea. O artista não procura rivalizar com a sofisticação técnica dos seus pares, inventa a sua própria linguagem plástica, assumindo plenamente o seu estatuto de outsider.
O humor em Willem nunca é gratuito. Serve como uma chave de leitura para decifrar as absurdidades do nosso tempo. Os seus “combates de boxe” onde todos lutam exceto os boxeadores, os seus “enterros” transformados em pistas de dança revelam os disfuncionamentos dos nossos rituais sociais. O artista pratica uma forma de antropologia visual, documentando com malícia os comportamentos tribais do homem do século XXI.
Esta abordagem encontra um eco particular na nossa época marcada pelas redes sociais e pela hiperconectividade. Willem descobriu inclusive os seus primeiros colecionadores no Instagram, plataforma que privilegia o impacto visual imediato em detrimento da contemplação prolongada. As suas obras funcionam perfeitamente neste ambiente digital: captam o olhar, provocam o sorriso, partilham-se facilmente. Mas, ao contrário de tantas produções destinadas às redes sociais, resistem a um exame aprofundado.
O sucesso comercial fulgurante de Willem interroga tanto quanto fascina. As suas telas, estimadas entre 11.000 e 17.000 euros, vendem-se regularmente por dez vezes o valor estimado, atingindo até 215.000 euros em 2023 pela pintura “The mountain air provided a pleasant atmosphere” (2020). Este fenómeno revela a existência de uma procura por uma arte imediatamente acessível, que rompe com o hermetismo conceptual dominante. Os colecionadores, nomeadamente asiáticos, parecem ter encontrado em Willem um antídoto à solenidade da arte contemporânea institucional.
Esta popularidade súbita não deve ocultar a coerência do projeto artístico de Willem. O artista desenvolve há vários anos um universo reconhecível, povoado por figuras recorrentes e situações-tipo que formam progressivamente uma mitologia pessoal. A sua série “Everything”, composta por cem pinturas representando objetos e cenas da sua vida quotidiana, testemunha uma ambição totalizante que ultrapassa a anedota humorística.
Willem reivindica uma filiação com Pieter Bruegel, o Velho, cuja visão panorâmica adapta às realidades contemporâneas. Tal como o seu ilustre predecessor, sobressai na arte da composição coral, onde cada elemento contribui para um conjunto maior. Mas onde Bruegel moralizava subtilmente, Willem limita-se a observar com benevolência. O seu olhar nunca condena, diverte-se com as contradições humanas sem pretender resolvê-las.
Esta posição de observador distante confere às suas obras uma dimensão documental inesperada. Daqui a cem anos, os historiadores talvez encontrem nelas pistas valiosas sobre a nossa época: os nossos códigos vestimentares, os nossos passatempos, as nossas angústias coletivas. Willem fotografa o espírito dos tempos com os meios disponíveis, criando involuntariamente um arquivo visual do nosso presente.
O artista reivindica também esta dimensão testemunhal. “Eu pinto o século XXI”, declara simplesmente [3]. Esta ambição documental, assumida sem pretensão teórica, inscreve o seu trabalho numa tradição realista que atravessa a história da arte. De Chardin a Hopper, passando pelos impressionistas, são muitos os artistas que escolheram testemunhar a sua época em vez de a transfigurar.
A técnica de Willem, deliberadamente expedita, serve esta urgência documental. O artista termina as suas telas em no máximo quarenta e oito horas, privilegiando a espontaneidade ao invés da perfeição. Esta rapidez na execução preserva a frescura do olhar, evitando que a reflexão dilua a observação inicial. Willem pinta como outros tomam notas, fixando o instante antes que ele se evapore.
Este método de trabalho revela também uma forma de resistência à indústria artística contemporânea. Ao recusar o perfeccionismo técnico, Willem escapa aos critérios estéticos dominantes. Não procura seduzir os comissários de exposição nem satisfazer as expectativas da crítica. Esta independência permite-lhe preservar a autenticidade da sua visão, qualidade rara num meio frequentemente moldado pelas lógicas comerciais.
O percurso atípico de Willem, que redescobriu a pintura aos 36 anos, ilustra as transformações do mundo artístico contemporâneo. Numa época em que os cursos académicos padronizam as práticas, a sua autodidata reivindicada é uma exceção. O artista escapou às influências professorais para forjar a sua própria estética, bebendo referências tanto na cultura popular como na história da arte.
Esta formação heterodoxa explica talvez a singularidade do seu estilo. Willem mistura sem complexos as influências mais diversas: Bruegel para a composição, Lowry para a estilização das personagens, Ensor para o espírito carnavalesco. Esta síntese eclética, que poderia parecer confusa num artista formatado, produz nele uma coerência surpreendente.
A emergência de Willem coincide com um movimento mais amplo de regresso à figuração narrativa na arte contemporânea. Após décadas de domínio conceptual, uma nova geração de artistas redescobre os prazeres da representação. Willem insere-se nesta tendência sem, no entanto, reivindicar qualquer missão de restauração. Pinta simplesmente o que vê, com os meios que domina.
Esta modéstia assumida constitui talvez a sua principal força. Num meio artístico frequentemente enredado nas suas próprias teorias, Willem propõe uma arte diretamente legível, imediatamente comovente. As suas telas funcionam em vários níveis: espetáculo colorido para uns, sátira social para outros, testemunho antropológico para terceiros. Esta polissemia sem pretensão permite a cada um projetar as suas próprias interpretações.
Willem personifica uma certa ideia da arte democrática, acessível ao maior número sem, no entanto, cair na facilidade. As suas obras falam ao amante de arte como ao neófito, ao colecionador como ao simples transeunte. Esta universalidade da mensagem, rara na arte contemporânea, explica provavelmente o seu sucesso público e comercial.
O artista belga consegue o feito de reconciliar entretenimento e exigência artística. As suas telas entretêm sem demagogia, interrogam sem pedantismo, emocionam sem pathos. Esta justa medida, difícil de alcançar, testemunha uma maturidade artística real apesar do carácter recente da sua prática.
Albert Willem lembra-nos que a arte ainda pode surpreender, divertir, emocionar sem renunciar à sua dimensão crítica. Num panorama artístico frequentemente previsível, ele traz uma lufada de ar fresco, um olhar novo sobre realidades familiares. A sua obra prova que ainda é possível inventar uma linguagem plástica original a partir dos dados mais simples: um pincel, tinta e, sobretudo, um olho aguçado sobre o espetáculo do mundo.
- Henri Bergson, O Riso. Ensaio sobre o significado do cômico, Paris, Félix Alcan, 1900.
- Georg Simmel, “As grandes cidades e a vida do espírito” (1903), em Filosofia da modernidade, Paris, Payot, 1989.
- Albert Willem, citado em Annie Armstrong, “Conheça Albert Willem, o Pintor Belga Autodidata cujos Quadros Humorísticos Estão Repentinamente a Arrecadar Seis Dígitos em Leilão”, Artnet News, 16 de novembro de 2022.
















