Ouçam-me bem, bando de snobs, estou farto deste circo asséptico em torno da arte contemporânea! Se visitaram uma grande cidade nos últimos anos, certamente cruzaram com uma dessas cabeças desmesuradas de Jaume Plensa. Sabem, esses rostos oblongos de jovens raparigas de olhos fechados, surgindo do chão como aparições oníricas, brancas e lisas como ovos cósmicos. Estão por toda parte: Chicago, Nova Iorque, Montreal, Jerusalém, Rio, Calgary, Antibes… Como os Starbucks ou as lojas Zara, é impossível escapar. A globalização escultórica encontrou o seu campeão catalão.
Mas o que se esconde por detrás desta invasão pacífica de rostos meditativos? Porque é que o mundo inteiro se agarra a estas esculturas monumentais que desafiam a nossa perceção? E como é que Plensa passou de artista de galeria a estrela internacional da arte pública? Passei anos a observar a evolução do seu trabalho, e tenho de admitir: sob a aparente simplicidade formal das suas criações esconde-se uma profundidade conceptual que merece ser explorada.
Como crítico, sempre fui desconfiado em relação aos artistas que conhecem um sucesso comercial tão estrondoso. Quando todos se maravilham, eu procuro a falha. Quando os presidentes de câmara e os bilionários se acotovelam para encomendar uma obra, eu sinto o conformismo. Mas com Plensa, é diferente. O seu trabalho possui aquela rara qualidade de conseguir satisfazer as multidões ao mesmo tempo que mantém uma verdadeira integridade artística.
O que primeiro impressiona em Plensa é a sua capacidade de transformar o espaço público num lugar de contemplação coletiva. Num mundo saturado de ecrãs e notificações, as suas esculturas convidam-nos a abrandar, a respirar, a reconectar-nos com o nosso silêncio interior. Tomem a “Crown Fountain” em Chicago (2004), essa instalação interativa onde mil rostos de cidadãos comuns aparecem em duas torres de vidro de 15 metros, expelindo periodicamente água como gárgulas high-tech. O génio de Plensa foi ter transformado um espaço urbano anónimo numa ágora contemporânea, onde as crianças brincam na água enquanto os adultos contemplam esses rostos monumentais. A arte pública deixa de ser um mero ornamento urbano para se tornar o catalisador de uma verdadeira experiência comunitária.
Esta dimensão social e política da obra de Plensa leva-nos a explorar a sua relação com a arquitetura, primeiro tema que desejo aprofundar. Porque se a arquitetura domina tradicionalmente o espaço urbano, Plensa consegue criar um contraponto poético a essa monumentalidade. Como ele próprio explica: “As obras de arte são como um pequeno David face a um Golias arquitetónico gigantesco” [1]. No nosso mundo contemporâneo, os verdadeiros monumentos tornaram-se arquitetónicos; são os arranha-céus, os centros comerciais, os aeroportos que definem a paisagem urbana. Neste contexto, o artista já não tem que comemorar, isso cabe aos arquitetos, mas sim humanizar o espaço, devolver-lhe uma escala humana.
Em Calgary, a sua obra “Wonderland” (2012) dialoga brilhantemente com a imensa torre The Bow concebida por Norman Foster. Frente a este gigante de vidro e aço, Plensa instalou uma cabeça de estrutura metálica de 12 metros que os visitantes podem atravessar. “Não estava nem um pouco interessado na relação com a escala do edifício”, conta o artista. “Queria uma relação com as pessoas” [2]. Esta escultura torna-se assim um refúgio poético que protege “as pequenas formigas que nos tornámos à volta destes edifícios gigantes que nos esmagam” [3]. A arte retoma a sua função primordial: oferecer às pessoas as ferramentas para se sentirem novamente humanas num ambiente que as ultrapassa.
A arquitetura contemporânea perdeu sua função essencial de abraçar o humano, de criar espaços à nossa medida. Os edifícios de vidro intercambiáveis que compõem os nossos skylines tornaram-se máquinas de lucro, símbolos de poder corporativo em vez de lugares de vida. Perante esta desumanização, as esculturas de Plensa surgem como atos de resistência suave, reintroduzindo o íntimo no espaço público. Quando ele instala “Julia” (2018) na Plaza de Colón em Madrid, o artista afirma ter “introduzido o conceito de ternura” neste lugar inóspito. Uma noção que poderia parecer absurda no espaço público, mas que transforma radicalmente a nossa experiência da cidade.
Esta tensão entre monumentalidade e intimidade está presente em toda a obra de Plensa. As suas esculturas monumentais não procuram esmagar-nos pelo seu tamanho, mas criar espaços de recolhimento no coração do caos urbano. Contrariamente a Richard Serra, cujas estruturas de aço dominam e desorientam o espectador, as criações de Plensa envolvem-nos, convidam-nos à contemplação. Como sublinha o historiador da arte Peter Murray, “Plensa é um artista muito interessante porque está firmemente ancorado no campo conceptual, mas a fabricação das obras é também muito importante” [4]. Ele não é nem um puro conceitualista nem um simples formalista, mas um artista que compreende o poder do material para transmitir ideias.
Tomemos agora um desvio para o segundo tema que quero explorar: a literatura, que irriga profundamente a obra de Plensa. O artista não esconde o seu amor pelas palavras e pelos textos. O seu pai era um grande leitor, e ele próprio define-se como um amante da poesia. “Shakespeare é a melhor definição da escultura”, afirma citando o solilóquio “Sleep no more” de Macbeth. “Vocês trabalham sempre com elementos físicos. Vocês tocam, tocam sempre. Mas não podem descrevê-lo” [5]. Esta impossibilidade de descrever a experiência escultórica junta-se à procura poética de dizer o indizível.
As letras e as palavras estão omnipresentes na obra de Plensa. As suas figuras humanas feitas de alfabetos entrelaçados como “Nomade” (2010) em Antibes ou “Source” (2017) em Montreal são verdadeiros corpos-texto, invólucros carnais constituídos por sinais linguísticos. Para Plensa, as letras são como células biológicas que precisam das outras para comunicar e criar palavras, inventar línguas e moldar culturas. Não é por acaso que ele usa alfabetos de múltiplas línguas (hebraico, latim, grego, chinês, árabe, russo, japonês, cirílico, hindu) nas suas esculturas. Estes alfabetos tornam-se os tijolos de uma linguagem universal, transcendendo as barreiras culturais.
Em “Glückauf?” (2004), Plensa usa o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ele considera “um dos mais belos poemas de todos os tempos” [6]. As letras metálicas suspensas colidem para produzir uma música aleatória, transformando estas palavras fundadoras numa sinfonia frágil e móvel. A instalação só está completa quando o espectador nela se envolve, faz ressoar as letras, torna-se um intérprete ativo deste “poema universal”. A literatura deixa de ser apenas um texto para ler, tornando-se uma experiência sensorial completa, tátil e sonora.
Esta fusão entre literatura e escultura evoca o conceito de “livro total” sonhado por Stéphane Mallarmé, onde a dimensão física do texto, a sua disposição, a sua tipografia tornam-se tão importantes quanto o seu conteúdo semântico. Mallarmé via o livro como um “instrumento espiritual”, capaz de transformar o leitor através de uma experiência simultaneamente intelectual e sensorial. As esculturas-texto de Plensa funcionam de forma semelhante: convidam-nos a habitar fisicamente a linguagem, a entrar literalmente nas palavras. “As palavras são os tijolos com os quais o pensamento é construído”, explica o artista [7].
Esta materialização da literatura alcança o seu apogeu nas instalações onde Plensa cria “abrigo poético” nos quais o visitante pode entrar. Em Ogijima, uma pequena ilha japonesa, o seu “Ogijima’s Soul” (2010) é um pavilhão coberto de alfabetos de todo o mundo onde os habitantes se reúnem todas as noites. A estrutura, refletida na água, forma simbolicamente uma ostra, homenagem ao mar como ponte entre todas as culturas. A literatura já não está confinada nos livros, mas torna-se arquitetura, espaço habitável, local de reunião comunitária.
A figura do poeta americano William Blake assombra também a obra de Plensa. A sua instalação “Rumor” (1998) inspira-se diretamente nos versos do “Casamento do Céu e do Inferno” de Blake: “A cisterna contém, a fonte transborda” e “Um pensamento preenche a imensidão”. Uma gota de água cai regularmente numa placa de bronze, materializando sonoramente esses versos. Blake, poeta-gravador que integrava texto e imagem nos seus “livros iluminados”, partilha com Plensa esta vontade de criar uma obra total que envolve todos os sentidos. Ambos procuram tornar visível o invisível, dar forma às ideias, criar pontes entre o material e o espiritual.
Esta dimensão literária encontra-se até nos retratos monumentais que deram fama mundial a Plensa. Estas cabeças alongadas de olhos fechados são como páginas em branco onde cada um pode projetar os seus próprios sonhos e pensamentos. Elas encarnam o que o artista chama “a poesia do silêncio”, um estado meditativo onde o ruído do mundo desvanece para dar lugar à nossa voz interior. Para “Echo” (2011), instalada no Madison Square Park em Nova Iorque, Plensa inspirou-se diretamente na ninfa da mitologia grega, condenada por Zeus a repetir as palavras dos outros. “Muitas vezes falamos e falamos”, explica o artista, “mas não temos a certeza se falamos com as nossas próprias palavras ou se simplesmente repetimos mensagens que estão no ar” [8].
É aqui que reside toda a ambivalência da obra de Plensa. Por um lado, as suas esculturas encarnam uma forma de universalismo humanista, celebrando o que nos une para além das diferenças culturais. Por outro lado, interpelam a nossa capacidade de pensar por nós próprios num mundo saturado de informação. Ainda somos capazes de ouvir a nossa própria voz? Quando instala “Water’s Soul” (2021) em frente a Manhattan, esta gigantesca cabeça branca com o dedo pousado nos lábios, não pede à cidade que se cale, mas convida-nos a fazer silêncio para ouvir melhor “o som da água”, esta natureza que esquecemos em favor da modernidade urbana.
Poderíamos facilmente rejeitar estas obras como simples totens New Age, esculturas Instagram-friendly destinadas a ser fotografadas pelos turistas. Mas isso seria perder o seu verdadeiro poder. Na nossa cultura de hipervisibilidade e ruído constante, estes rostos de olhos fechados recordam-nos a importância da retirada, da introspeção. Face à aceleração tecnológica e à vigilância generalizada, fechar os olhos torna-se um ato político, uma forma de resistência passiva.
O trabalho de Plensa levanta também questões essenciais sobre a função da arte pública hoje em dia. Como criar obras que falem a todos sem cair na facilidade ou no consensual? Como transformar o espaço urbano num lugar de experiência estética partilhada? Na época em que tanta arte pública parece medíocre ou decorativa, Plensa consegue este feito: criar obras acessíveis que mantêm o seu poder conceptual.
Certamente, pode-se criticar a repetição de algumas fórmulas. Estas cabeças de raparigas parecem por vezes demasiado comportadas, demasiado polidas para realmente abalar a nossa percepção. Também se pode questionar a escolha sistemática de sujeitos femininos pré-adolescentes, que levanta questões na nossa época hiper-consciente das problemáticas de género e representação. Plensa justifica esta escolha invocando “uma tradição mediterrânica na qual as raparigas e as mulheres são portadoras de memórias” [9], mas esta explicação parece por vezes um pouco curta face aos desafios contemporâneos.
No entanto, é preciso reconhecer a Plensa esta qualidade rara: ele encontrou uma linguagem escultórica imediatamente identificável mantendo uma verdadeira profundidade conceptual. As suas obras funcionam em vários níveis: seduzem visualmente e ao mesmo tempo abrem espaços para a reflexão filosófica sobre a nossa relação com a linguagem, o espaço público, connosco próprios.
O paradoxo de Plensa é ter-se tornado um artista global celebrando precisamente aquilo que escapa à globalização: a interioridade, o silêncio, a contemplação. As suas cabeças monumentais são como contrapesos à aceleração do mundo, ilhas de lentidão no fluxo contínuo de imagens e informações. Elas lembram-nos que a verdadeira globalização não é a das mercadorias ou das tecnologias, mas a dos sonhos e aspirações humanas.
Continuo convencido de que Plensa é um dos poucos escultores contemporâneos que encontrou um equilíbrio entre acessibilidade e complexidade, entre beleza formal e compromisso conceptual. Num mundo saturado de arte cínica e autorreferencial, as suas obras ousam falar de esperança, comunhão, transcendência. E se alguns vêem nisso ingenuidade, eu vejo antes coragem: a coragem de criar uma arte que sinceramente procura reunir-nos em vez de dividir-nos.
Então sim, bando de snobs, afirmo-o: Jaume Plensa é um dos escultores mais importantes do nosso tempo, não apesar do seu sucesso público, mas graças à sua capacidade de fazer desse sucesso um veículo de sentido e beleza. Num cenário artístico muitas vezes elitista e hermético, as suas obras lembram-nos que a arte ainda pode reunir-nos, comover-nos coletivamente, fazer-nos erguer os olhos para algo que nos transcende. E talvez isso seja, afinal, o maior feito: criar uma arte verdadeiramente democrática sem nunca sacrificar a sua visão singular.
- Entrevista com Jaume Plensa, Barcelona Metropolis, 2017.
- Palavras recolhidas por Ted C. Fishman, “Na Ribalta dos Sonhos Esquecidos: Uma Visita a Jaume Plensa”, New City, 2023.
- Entrevista com Jaume Plensa, Barcelona Metropolis, 2017.
- Peter Murray, diretor executivo do Yorkshire Sculpture Park, citado em “Monumentos: A Poesia dos Sonhos”, The New York Times, 2011.
- Jaume Plensa, citado em “Monumentos: A Poesia dos Sonhos”, The New York Times, 2011.
- Entrevista com Jaume Plensa, Bonart, 2023.
- Jaume Plensa, citado em “Descubra Jaume Plensa Através de 6 Obras Icónicas”, Artika Books, 2020.
- Jaume Plensa, citado em “Monumentos: A Poesia dos Sonhos”, The New York Times, 2011.
- Palavras recolhidas por Ted C. Fishman, “Na Ribalta dos Sonhos Esquecidos: Uma Visita a Jaume Plensa”, New City, 2023.
















