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Bianca Bondi : Quando a natureza retoma os seus direitos

Publicado em: 17 Novembro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 13 minutos

Bianca Bondi elabora instalações imersivas onde os materiais orgânicos se metamorfoseiam diante dos nossos olhos. Lagos salgados, plantas endémicas, móveis carbonizados compõem paisagens domésticas assombradas pela ausência humana. Esta artista sul-africana e italiana convoca a história antiga para questionar a nossa relação com o tempo e a habitação.

Ouçam-me bem, bando de snobs : Bianca Bondi não é daquelas que vos deixa indiferentes. Esta artista sul-africana e italiana, nascida em 1986, desenvolve há mais de uma década um universo onde a matéria viva dialoga com o invisível, onde os armários carbonizados convivem com os cristais de sal, onde a arquitetura da memória se mistura aos vestígios das civilizações antigas. Residente na Villa Médicis em 2024 e finalista do Prémio Marcel-Duchamp 2025, Bondi impõe-se como uma figura incontornável da arte contemporânea, não apesar, mas precisamente graças à insolência tranquila da sua prática. Porque onde outros procurariam domesticar a natureza, ela devolve-lhe os seus direitos; onde alguns gostariam de congelar o tempo, ela celebra o seu inevitável decurso.

A arquitetura como teatro da ausência

O trabalho de Bondi desenvolve-se antes de mais numa meditação sobre o habitat, sobre essas estruturas que construímos para nos proteger do mundo e que acabam por transportar os estigmas da nossa passagem efémera. A sua instalação Silent House, apresentada no Museu de Arte Moderna de Paris, encarna esta reflexão de forma impressionante: uma casa inteira vazia dos seus ocupantes mas saturada da sua presença espectral. Esta casa não é simplesmente um espaço doméstico abandonado; é a cartografia sensível de uma intimidade perdida, um levantamento topográfico do que permanece após a partida. Os móveis desgastados, a banheira de pé, a estrutura metálica de cama enferrujada compõem uma geografia da desolação que não tem nada de miserabilista. Pelo contrário, estes objetos irradiam uma dignidade paradoxal, a dos testemunhos silenciosos que viram passar corpos e almas.

A artista não se limita a dispor móveis num espaço de exposição. Ela organiza uma verdadeira dramaturgia arquitectónica onde cada elemento desempenha um papel preciso na narrativa da ausência. O armário carbonizado, fixado verticalmente à parede, deixa de ser um simples móvel de arrumação para se tornar um portal para um além indeterminado, relicário calcinado de uma memória que se recusa a extinguir-se. Este gesto de verticalização transforma a utilização horizontal da domesticidade numa elevação quase religiosa, sugerindo que a arquitetura nunca é apenas funcional mas sempre simbólica. Bondi afirma ela própria: “Sempre adorei olhar para os altares, esses espaços pensados para algo maior do que nós, para os deuses” [1]. Esta declaração ilumina toda a sua prática: cada instalação torna-se um altar secular dedicado às forças misteriosas que animam a matéria.

A arquitetura na Bondi nunca é estática. É um processo, metamorfose e decomposição. As salinas que ela integra nas suas instalações funcionam como relógios químicos que marcam a passagem do tempo não pelo movimento dos ponteiros, mas pela lenta cristalização do sal nas superfícies. O sal, material recorrente na sua obra, possui esta dupla propriedade de ser simultaneamente agente de conservação e vetor de corrosão. Ele preserva e destrói ao mesmo tempo, à imagem da memória humana que deforma aquilo que pretende salvar. Em Silent House, o sal cobre progressivamente os objetos com uma película esbranquiçada, como se a própria casa secretasse a sua própria matéria funerária, o seu próprio sudário mineral.

Esta atenção dada aos armários, às vitrinas, aos móveis revela uma obsessão pelas arquiteturas do íntimo, esses microespaços de arrumação onde se concentra a nossa relação com os objetos. Bondi coleciona móveis antigos, particularmente esses armários farmacêuticos dos quais já não se sabe se continham especiarias ou medicamentos, remédios ou venenos. Esta indecisão semiótica agrada-lhe: ela confunde as fronteiras entre cuidado e perigo, entre cozinha e laboratório, entre domesticidade e ciência. Os armários tornam-se então câmaras de eco onde ressoam todas as histórias possíveis dos objetos que abrigaram. A sua aura, para retomar um conceito que Bondi manipula habilmente, não provém da sua beleza formal mas da sua capacidade de terem sido testemunhas mudas de gestos repetidos, de mãos que procuravam um frasco na penumbra.

A casa segundo Bondi nunca está fechada em si mesma. Ela transborda, estende-se, contamina o espaço de exposição. As instalações criam paisagens interiores onde o visitante já não sabe bem se entra num quarto, num jardim ou num santuário. Esta confusão de géneros é deliberada: visa reconstituir a experiência primordial da habitação antes que a arquitetura se codifique em peças distintas e funções separadas. Quando Bondi instala três toneladas de sal no chão, não cria um simples efeito visual; ela transforma o piso numa praia mineral, num deserto doméstico onde o pé afunda como na neve química. O solo torna-se instável, inquietante, e esta instabilidade física é acompanhada por uma instabilidade temporal: estaremos antes ou depois da catástrofe? Num espaço em ruínas ou em gestação?

O arquiteto italiano Carlo Scarpa dizia que “a arquitetura é a arte de construir ruínas”. Bondi parece levar este lema à letra: ela constrói ruínas contemporâneas, espaços que já trazem em si as marcas da sua futura decomposição. Mas estas ruínas não são melancólicas. Elas vibram com uma energia particular, a das metamorfoses em curso, dos processos químicos que transformam lentamente os materiais. A humidade infiltra-se, o cobre cobre-se de verdete, as plantas secam e depois regeneram-se. A casa vive, no sentido mais literal do termo, e esta vida autónoma dos materiais escapa parcialmente ao controlo da artista. Bondi reconhece-o voluntariamente: “Os materiais vivem a sua própria vida. Gosto de dizer que estabeleço as condições onde tenho uma ideia do que vai acontecer, mas depois os materiais fazem o seu próprio caminho” [2].

As camadas da história e os rituais esquecidos

Se a arquitetura doméstica fornece a Bondi o enquadramento espacial das suas instalações, é a história antiga que lhe oferece a profundidade temporal necessária para a elaboração das suas mitologias pessoais. A artista não se limita a fazer referência ao passado; ela convoca-o, reanima-o, faz-no dialogar com o presente numa temporalidade não linear onde o Egito faraónico coexiste com a Roma imperial e a África do Sul pós-apartheid. Esta polifonia histórica nunca é gratuita: responde a uma necessidade de situar a prática artística numa genealogia longa que ultrapassa as modas contemporâneas e se inscreve na duração das civilizações.

A residência na Villa Médici intensificou esta meditação sobre a história. Roma, com as suas camadas arqueológicas e testemunhos arquitetónicos, oferecia um terreno ideal para uma artista preocupada com os ciclos de vida e morte. Bondi aí desenvolveu um projeto de “reativação da natureza” no Bosco, essa floresta de sobreiros misteriosa da Academia de França em Roma. O conceito de rewilding, emprestado da biologia da conservação, assume nela uma dimensão simbólica: não se trata apenas de devolver a natureza a si mesma, mas de reconectar as práticas artísticas contemporâneas com rituais ancestrais que foram progressivamente esquecidos ou reprimidos. As colmeias abandonadas que reativou ao instalar nelas um retábulo do século XIX revestido de feromonas e essências antigas testemunham essa vontade de criar pontes entre épocas, entre práticas espirituais e ecologia.

As ânforas romanas que integra nas suas instalações não são meras referências clássicas. Funcionam como recipientes simbólicos que atravessaram os milénios transportando alternadamente vinho, azeite, mel, perfumes. Estes vasos são testemunho de uma civilização que atribuía uma importância considerável às substâncias, aos fluidos, às essências. Bondi reativa essa atenção dada às matérias líquidas ao criar as suas próprias soluções coloridas que evoluem no tempo. O azul torna-se lilás, o lilás inclina-se para púrpura, num cromatismo lento que evoca tanto os tingimentos antigos como as reações químicas de laboratório. Estes recipientes de cor não são simples elementos decorativos: são relógios biológicos que marcam a passagem do tempo à escala molecular.

O Egito antigo constitui outra referência maior no trabalho de Bondi, particularmente através da utilização da amaranto. Esta planta, que ela aprecia “pelo seu papel nas cerimónias fúnebres do Egito antigo e pelas suas qualidades estéticas”, encarna essa continuidade entre práticas rituais e sensibilidade contemporânea. Os amarantos caem e correm como lágrimas, criando uma poesia vegetal da melancolia que lembra que a beleza se encontra muitas vezes na decadência e no declínio. Ao escolher plantas carregadas de simbolismo histórico, Bondi rejeita a neutralidade asséptica de algumas práticas artísticas contemporâneas para assumir plenamente a dimensão espiritual e cultual do seu trabalho.

O sal, novamente ele, possui uma dimensão histórica e antropológica considerável. Utilizado para a conservação de alimentos desde a Antiguidade, presente em todas as religiões e práticas espirituais como agente de purificação e proteção, o sal atravessa as civilizações como um fio condutor. Bondi explora essa ubiquidade simbólica associando-a às suas propriedades químicas contemporâneas: o cloreto de sódio como conservante mas também como agente corrosivo que altera e transforma. Nas suas instalações, o sal nunca é inocente; carrega em si toda a história dos corpos que preservou, das feridas que desinfetou, das alianças que selou. Quando cobre um esqueleto de baleia em resina de cristais salinos, ela não está apenas a ilustrar um processo natural; ela reativa um rito funerário arcaico onde o mar recupera o que lhe pertence.

A história em Bondi nunca é académica nem distante. Ela encarna-se em gestos concretos: queimar um armário para o purificar, cobrir um crucifixo com cera de abelha para o transformar num relicário pagão, plantar vegetais endémicos para ancorar a obra no território. Estes gestos pertencem a um repertório antropológico universal que se encontra em todas as culturas: o fogo como agente de transformação e regeneração, a cera como matéria sagrada produzida pelas abelhas, as plantas como mediadoras entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Ao mobilizar estes elementos, Bondi não faz folclore nem exotismo: ela reativa conhecimentos ancestrais que foram marginalizados pela racionalidade moderna mas que continuam a ressoar ao nível mais profundo do nosso psiquismo coletivo.

A prática da magia Wicca que ela reivindica desde a infância não é anedótica na sua abordagem. Ela explica: “Acredito que foi a minha prática da magia que me permitiu descobrir a arte, que se tornou depois uma extensão da magia e assumiu o relevo. Mas hoje, sinto a necessidade de trazer a magia de volta para a arte” [3]. Esta declaração poderia parecer ingénua ou provocadora se não fosse sustentada por uma prática rigorosa e um conhecimento aprofundado dos materiais. Bondi não brinca à bruxa: ela aplica à arte contemporânea metodologias provenientes de tradições espirituais que conferem agência aos objetos e às substâncias. Esta abordagem aproxima-a paradoxalmente de algumas teorias filosóficas recentes, nomeadamente as desenvolvidas por Bruno Latour em torno dos “objetos atuantes”, mesmo que Bondi chegue a estas conclusões por um caminho radicalmente diferente, o da experiência sensível em vez da especulação teórica [4].

A história segundo Bondi nunca é, portanto, um cenário nem um reservatório de referências eruditas. É uma matéria viva, porosa, que continua a agir sobre o presente. As civilizações antigas não desapareceram: persistem nos nossos gestos quotidianos, na nossa relação com os objetos, nos nossos rituais inconscientes. Ao fazer dialogar ânforas romanas com armários farmacêuticos do século XIX e plantas contemporâneas, Bondi recusa a linearidade do progresso para propor uma visão cíclica e estratificada do tempo onde passado e presente coexistem e se contaminam mutuamente.

Rumo a uma poética da instabilidade

O que impressiona em Bondi, para além da beleza inegável das suas instalações, é a recusa do domínio total. Num mundo artístico frequentemente obcecado pelo controlo e pela perfeição técnica, ela assume a imprevisibilidade dos processos que inicia. Essa humildade perante os materiais, essa aceitação de que a obra possui uma vida autónoma que escapa parcialmente ao seu criador, constitui talvez a sua contribuição mais radical para a arte contemporânea. Ela herda certamente da Arte Povera italiana essa atenção dada aos materiais pobres e essa vontade de deixar a matéria expressar-se por si mesma, mas acrescenta-lhe uma dimensão temporal e espiritual que lhe é própria. Onde os artistas da Arte Povera trabalhavam frequentemente com materiais inertes, Bondi privilegia as substâncias vivas, orgânicas, voláteis que se transformam diante dos nossos olhos.

Essa instabilidade constitutiva da sua obra questiona a nossa relação com a permanência e a conservação. Num sistema artístico que tradicionalmente valoriza a obra como objeto estável destinado a atravessar os séculos, Bondi propõe peças que mudam, degradam-se, regeneram-se. Elas existem menos como objetos fixos do que como processos em curso, como estados transitórios de uma matéria em perpétua metamorfose. Esta abordagem levanta obviamente questões pragmáticas para colecionadores e instituições, mas reflete também uma visão filosófica profunda sobre a própria natureza da existência: tudo é fluxo, tudo é transformação, e querer fixar a vida em formas permanentes é uma ilusão mortífera.

A atenção que Bondi dedica às plantas endémicas testemunha uma consciência ecológica que não se limita ao discurso, mas se encarna na prática. Ao usar sistematicamente vegetais locais nas suas instalações, ela inscreve o seu trabalho no território onde se desenvolve e recusa o universalismo abstrato de algumas práticas artísticas contemporâneas. Cada instalação torna-se assim uma celebração da biodiversidade local, uma homenagem aos ecossistemas específicos que constituem a verdadeira riqueza do mundo face à uniformização globalizada. Esta abordagem ressoa particularmente hoje, numa época em que a crise ecológica nos obriga a repensar os nossos modos de habitar e produzir.

Bondi situa-se na encruzilhada de várias tradições e influências. O seu percurso biográfico, nascida em Joanesburgo, formada na África do Sul e depois em França, residente em Itália, faz dela uma artista transcultural que recusa pertenças únicas. Essa multiplicidade identitária reflete-se na sua obra que convoca simultaneamente tradições africanas, europeias e universais sem nunca se reduzir a uma delas. Ela encarna essa geração de artistas para quem as fronteiras nacionais se tornaram porosas e que constroem o seu vocabulário plástico a partir de empréstimos assumidos e apropriados.

A sua nomeação para o Prémio Marcel-Duchamp, ao lado de Eva Nielsen, Lionel Sabatté e Xie Lei, consagra uma trajetória ascendente notável. Mas além do reconhecimento institucional, o que importa em Bondi é a coerência de uma visão que se afirma há mais de uma década com uma constância rara. Da cozinha coberta de sal apresentada na Bienal de Lyon em 2019 a Silent House exposta no Museu de Arte Moderna de Paris em 2025, encontram-se as mesmas obsessões: a arquitetura doméstica como palco da ausência, os materiais orgânicos como agentes de transformação, a história antiga como reservatório simbólico, a espiritualidade como modo de conhecimento do mundo.

Alguns poderiam acusar Bondi de uma forma de esoterismo que beira o obscurantismo. Seria não compreender a rigorosidade da sua abordagem e a precisão do seu trabalho com os materiais. Se ela se afasta progressivamente das colaborações com os cientistas, é precisamente porque a terminologia científica e a metodologia experimental não correspondem à sua maneira intuitiva de perceber os processos químicos. Mas essa intuição não é ignorância: procede de um conhecimento sensível acumulado ao longo dos anos, de uma familiaridade íntima com os comportamentos do sal, da cera, das plantas. Poder-se-ia falar aqui de uma ciência vernacular, de um saber-fazer artesanal que não passa pelos protocolos académicos, mas que não deixa de ser rigoroso na sua aplicação.

A questão do reencantamento do mundo, central em Bondi, não é fruto de uma nostalgia regressiva de uma idade de ouro mítica em que a humanidade vivia em harmonia com a natureza. Trata-se antes de reconhecer que a racionalidade instrumental moderna, apesar de todos os seus benefícios indiscutíveis, empobreceu a nossa relação sensível com o mundo ao reduzir os objetos ao seu simples valor de uso. Reencantar os objetos do quotidiano é devolver-lhes essa espessura simbólica, essa capacidade de transportar sentido para além da sua função imediata. Um armário nunca é apenas um armário: é também o recipiente das roupas que tocaram a nossa pele, dos cheiros que aí se acumularam, dos segredos que nele foram escondidos. Bondi recorda-nos essa evidência que tendemos a esquecer.

No final deste percurso pela obra de Bianca Bondi, impõe-se uma evidência: estamos perante uma artista de grande relevo cujo trabalho continuará a desenrolar-se e a surpreender-nos nos anos vindouros. A sua instalação Silent House não é um ponto final mas uma etapa numa pesquisa que não para de se aprofundar. Esta casa silenciosa fala, contudo, com eloquência da nossa condição contemporânea: habitamos lugares que nos sobreviverão, manipulamos objetos que levarão o rasto da nossa passagem, pertencemos a uma cadeia histórica que nos precede e nos supera infinitamente. Perante esta consciência aguda da nossa finitude, Bondi não propõe nem consolações fáceis nem desespero complacente. Convida-nos simplesmente a observar com atenção as transformações lentas que nos rodeiam, a aceitar a instabilidade como condição fundamental da existência e a celebrar a beleza paradoxal que emana dos processos de transformação e degradação. Talvez seja isso, afinal, o sentido profundo do seu trabalho: ensinar-nos a contemplar a ruína não como um fim, mas como uma promessa, a da regeneração possível a partir dos destroços. Num mundo que corre em direção à sua própria destruição com uma pressa inquietante, esta lição de humildade e de resiliência ressoa com uma urgência muito particular.


  1. Centre Pompidou, “Quando a magia encontra a arte; o universo fascinante de Bianca Bondi”, Pompidou+, 2025.
  2. Art Basel, “Prémio Marcel Duchamp 2025: Bianca Bondi”, setembro de 2025.
  3. Idem.
  4. CRAC Occitanie, “Exposições Alexandra Bircken & Bianca Bondi”, Sète, 2022.
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Referência(s)

Bianca BONDI (1986)
Nome próprio: Bianca
Apelido: BONDI
Género: Feminino
Nacionalidade(s):

  • África do Sul
  • Itália

Idade: 39 anos (2025)

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