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Quinta-feira 20 Novembro

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Bilal Hamdad : Anatomia do Paris contemporâneo

Publicado em: 20 Novembro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 10 minutos

Bilal Hamdad capta a metrópole parisiense contemporânea através de grandes pinturas a óleo construídas a partir de fotografias. Suas telas revelam as manifestações discretas do cotidiano urbano: saídas de metrô, transeuntes anônimos, espaços de trânsito. Ele interroga as relações entre o visível e o invisível, praticando uma arqueologia visual do presente.

Ouçam-me bem, bando de snobs: enquanto vocês se extasiam diante das últimas instalações conceptuais onde três batatas dialogam com um néon intermitente, um homem pinta. Ele pinta mesmo, com óleo, tela, tempo e silêncio. Bilal Hamdad, nascido em Sidi Bel Abbès em 1987, não lhes pede nem sua bênção nem sua indulgência. Ele se contenta em capturar este Paris que vocês atravessam sem ver, esses rostos que cruzam sem olhar, esses momentos que apagam logo após vivê-los. Seu pincel não é uma ferramenta de reprodução, mas um bisturi que disseca o invisível presente das nossas metrópoles.

A pintura de Hamdad incomoda porque recusa as facilidades do discurso convencional. Gostariam de trancafiá-lo na jaula cômoda do “hiper-realismo”, essa categoria para tudo que dispensa o pensamento. Ele é muito mais do que isso. Olhem realmente suas telas: os corpos se dissolvem na sombra, os rostos tornam-se espectros atrás dos vidros, a matéria pictórica pulsa e vibra longe de toda imitação servil. Hamdad não copia o real, ele o recompõe a partir de dezenas de fotografias para extrair uma verdade que o olho apressado não saberia perceber. Suas grandes composições, dois metros, às vezes mais, obrigam-nos a abrandar, a permanecer, a aceitar o desconforto da contemplação.

A hermenêutica urbana

A abordagem de Hamdad encontra um eco singular no pensamento do sociólogo alemão Siegfried Kracauer, figura intelectual maior da República de Weimar. Kracauer desenvolveu o que chamou de uma hermenêutica da superfície, método de análise que considera que “o lugar que uma época ocupa no processo histórico se determina de forma mais pertinente a partir da análise das suas manifestações discretas de superfície, do que a partir dos julgamentos que ela faz sobre si mesma” [1]. Esta abordagem, radicalmente oposta às grandes sínteses teóricas abstratas, privilegia a observação minuciosa dos detalhes aparentemente insignificantes da vida urbana. O cinema, a arquitetura, os deslocamentos no metrô, as posturas corporais: tudo torna-se material de compreensão sociológica.

Hamdad procede exatamente assim. Suas pinturas não buscam ilustrar conceitos pré-estabelecidos sobre a solidão ou alienação contemporânea. O próprio artista esclarece: ele nunca define um tema antes de começar uma tela, parte de um desejo de pintar em vez de um discurso. Suas telas constituem um arquivo visual das manifestações de superfície da nossa época: a máscara sanitária, o telemóvel, o pictograma wifi, o vendedor de milho ambulante diante de Barbès-Rochechouart. Esses elementos não são símbolos acrescentados artificialmente, mas as marcas autênticas de um momento histórico preciso. Como Kracauer escrutinava os halls de hotéis berlinenses ou os espetáculos de variedades para deleitar as estruturas profundas da modernidade capitalista, Hamdad ausculta as plataformas do metrô e as saídas das escadas rolantes para revelar as configurações contemporâneas da existência urbana.

A estação Arts et Métiers em Le Mirage, com as suas paredes de cobre que evocam o Nautilus, torna-se assim mais do que um mero cenário. Ela encarna esses não-lugares teorizados pelo antropólogo Marc Augé, espaços intercambiáveis da sobremodernidade onde o indivíduo permanece anónimo. Mas Hamdad vai mais longe: pelo jogo dos reflexos nas superfícies metálicas, ele multiplica os ângulos de visão, revelando o que a observação direta oculta. A transeunte revela-se de perfil, mascarada, absorvida pelo seu ecrã. Esta multiplicação do visível pelo próprio visível constitui uma mise en abyme do método sociológico de Kracauer. As superfícies refletoras não mentem; expõem o que o olhar habituado já não se dá ao trabalho de notar.

O método de Hamdad partilha com o de Kracauer uma atenção obsessiva aos ritmos e aos gestos do quotidiano metropolitano. Em Escale II ou L’Attente, as personagens são captadas nesses momentos de suspensão temporal característicos da experiência urbana: espera-se, transita-se, existe-se no entre-dois. Esses instantes ocos, que a filosofia clássica consideraria indignos de atenção, tornam-se em Hamdad reveladores sociais de primeira importância. Eles expõem as relações do indivíduo com o espaço público, as estratégias de recuo ou de presença, os micro-comportamentos que estruturam a vida coletiva sem jamais serem objeto de uma consciência explícita.

Rive droite, esta vasta frescura da saída do metro Barbès-Rochechouart, leva esta lógica ao seu paroxismo. Hamdad aí desenvolve uma verdadeira amostragem sociológica da metrópole contemporânea: o vendedor africano, os transeuntes apressados, os agentes de colete amarelo, o casal que se segura pela mão. Cada detalhe conta, cada presença fala. A placa comemorativa evocando o atentado do coronel Fabien contra o ocupante nazi permanece manchada por grafitis, como se a memória coletiva tivesse abdicado perante a urgência do presente. Esta justaposição do memorial e do atual, do histórico e do banal, constitui precisamente aquilo que Kracauer chamava a análise das “manifestações discretas de superfície”. A época revela-se tanto naquilo que negligencia quanto naquilo que celebra.

A poética do fugitivo

A obra de Hamdad convoca igualmente, por uma necessidade interna antes que por capricho cultural, o universo poético de Charles Baudelaire. O poeta das Fleurs du mal foi o primeiro a teorizar a modernidade como experiência do transitório, do fugitivo, do contingente. O seu soneto “À une passante”, frequentemente citado a propósito de Hamdad, condensa esta estética do instante: “Um relâmpago… depois a noite! Beleza fugaz / Cujas vistas de súbito me fizeram renascer / Não te verei mais que na eternidade?” [2]. Este encontro abortado, esta presença que surge e desaparece, estrutura tanto a poesia de Baudelaire como a pintura de Hamdad.

Le Mirage constitui o exemplo mais marcante. A mulher de costas no metro, revelada pelos seus reflexos, encarna perfeitamente esta “beleza fugaz” baudelairiana. Ela existe para o espetador apenas neste instante suspenso, este curto-circuito temporal onde o visível se duplica e se esconde simultaneamente. Nunca mais será vista, e contudo permanece fixa na tela, eternizada na sua própria fuga. Esta dialética baudelairiana do fugitivo e do eterno atravessa toda a obra de Hamdad. As suas personagens estão sempre em trânsito, nunca verdadeiramente presentes, já noutro lugar na sua cabeça ou no seu ecrã. Habitam este tempo especificamente moderno que Baudelaire foi o primeiro a nomear: um presente sem densidade, dilacerado entre a rememoração e a antecipação.

A noção baudelairiana do “pintor da vida moderna” esclarece também a abordagem de Hamdad. Baudelaire celebrava Constantin Guys pela sua capacidade de captar “o efémero, o fugidio, o contingente, metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável”. Hamdad procede exatamente assim nas suas grandes composições urbanas. Ele capta o efémero, esse transeunte, essa luz, esse gesto, mas o carrega com uma densidade pictórica que o faz transitar para uma temporalidade distinta, aquela da obra de arte. As tendas Quechua dos sem-abrigo, os coletes azuis do Samu social, os uniformes da polícia: tantos detalhes contingentes que, sob o pincel de Hamdad, adquirem uma gravidade quase arqueológica. Estes objetos testemunham, constituem os fósseis ainda quentes de uma época que se observa sem se compreender.

A melancolia de Baudelaire impregna também as telas de Hamdad, essa “melancolia gloriosa” que o poeta associava à modernidade. Patrick Modiano, cuja citação abre o catálogo da exposição Solitudes croisées, prolonga esse afeto baudelairiano no Paris contemporâneo: “Existiam em Paris zonas intermédias, no man’s land onde se estava na orla de tudo, em trânsito, ou mesmo em suspenso” [3]. Estas zonas, Hamdad pinta-as incansavelmente. São os seus territórios de eleição: os parques de estacionamento, os corredores de metro, os passeios desertos de Saint-Rémy-de-Provence. Espaços de passagem que se tornam, sob o seu olhar, locais de uma estranha poesia urbana, ao mesmo tempo familiares e inquietantes.

A multidão solitária, tema central da modernidade baudelairiana, encontra em Hamdad uma tradução pictórica impressionante. Em Rive droite, cada personagem está sozinho na multidão, encerrado na sua bolha perceptiva. Eles coexistem sem se ver, roçam-se sem se tocarem realmente. Esta proximidade sem contacto, esta copresença sem relação, define a experiência metropolitana desde Baudelaire. Hamdad não acrescenta nenhum pathos supérfluo, nenhum comentário moral. Mostra, simplesmente, e este mostrar basta para revelar a arquitetura afetiva do nosso tempo. Os rostos baixos, os olhares desviados, a absorção nos ecrãs: tantas estratégias de retirada que transformam o espaço público num arquipélago de solidões justapostas.

A pintura como ato político

Seria conveniente mas falso reduzir a obra de Hamdad a uma constatação desiludida sobre a alienação contemporânea. A sua pintura carrega uma carga política que não expressa diretamente, que rejeita o militante ruidoso para preferir a eficácia discreta do mostrar. Quando Hamdad pinta as tendas dos migrantes em arquiteturas desativadas, quando representa os sem-abrigo encolhidos nos seus sacos-cama, quando apreende os trabalhadores precários e os vendedores ambulantes, realiza um gesto político maior: torna visível o que a sociedade prefere não ver. Como escreve Virginie Despentes numa citação mencionada pelo catálogo, estamos “vacinizados como muitos citadinos, habituados à miséria dos outros, mas sempre um pouco envergonhados por desviar o olhar”. A pintura de Hamdad impede-nos de desviar o olhar.

Esta dimensão política insere-se numa filiação reivindicada com Gustave Courbet. Rive droite retoma explicitamente a estrutura de L’Atelier du peintre, transpondo a alegoria realista do século XIX para o Paris cosmopolita do século XXI. Tal como Courbet mostrava “a sociedade na sua cúpula, nos seus baixos e no seu meio”, Hamdad desdobra uma cartografia social da metrópole contemporânea. O nu de Courbet torna-se um anúncio publicitário, a paisagem campestre transforma-se num plano de metro, mas o princípio mantém-se: a pintura como lugar de reunião simbólica de todas as camadas sociais. Hamdad atualiza assim o projeto realista de Courbet, mostrando que a grande pintura ainda pode dizer o mundo sem recorrer às facilidades da abstração ou às piruetas conceptuais.

As escolhas formais de Hamdad participam também desta postura política. Os seus grandes formatos, utiliza intencionalmente as dimensões da pintura histórica, afirmam a importância dos seus temas. Um sem-abrigo, uma saída de metro, um vendedor de milho merecem esses dois metros de tela que o academismo reservava aos heróis e aos deuses. Este gesto de escala constitui ele próprio um ato de resistência contra a hierarquia dos temas que persiste secretamente no mundo da arte. Hamdad proclama pelos seus formatos que estas existências anónimas possuem uma dignidade pictórica equivalente à dos poderosos. Há ali algo profundamente democrático, no sentido mais nobre do termo.

A pintura como exercício do olhar

A obra de Bilal Hamdad impõe-se hoje como uma das mais necessárias da cena artística francesa. Não pela virtuosidade técnica, embora esta seja inegável, nem pela originalidade formal, embora ela exista. Impõe-se porque realiza o que só a pintura pode realizar: ensina-nos a olhar o que vemos. Entre Kracauer e Baudelaire, entre sociologia da superfície e poética do fugaz, Hamdad constrói uma arqueologia visual do presente. As suas telas funcionam como retardadores temporais, obstáculos salutares opostos à velocidade que nos cega.

A sua exposição museal intitulada “Paname”, organizada com o apoio da galeria Templon, atualmente para ver no Petit Palais até 8 de fevereiro de 2026, marca um reconhecimento institucional merecido. Frente aos Courbet e aos Lhermitte, as suas telas não ficam pálidas. Elas dialogam de igual para igual com os mestres, provando que a grande pintura figurativa não está morta, não está sequer doente. Exige simplesmente pintores capazes de a suportar, artistas que aceitam a lentidão do meio, a exigência do olhar, a recusa dos atalhos conceptuais. Hamdad está entre esses. Pinta porque não pode deixar de pintar, porque a pintura continua a ser a ferramenta mais precisa para captar as nuances infinitas do visível.

Para além das etiquetas comodas, hiper-realismo, realismo social, pintura urbana, a obra de Hamdad põe uma questão simples mas vertiginosa: que vemos quando olhamos? As suas telas sugerem que quase não vemos nada, que o nosso olhar desliza sobre as superfícies sem nunca ali realmente parar. O pintor, ele, olha. Ele olha com obstinação, com método, também com amor. Ele olha para esta cidade que habitamos sem estar nela, para estes rostos que cruzamos sem os encontrar, para estes instantes que vivemos sem os viver verdadeiramente. E ao mostrar-nos o resultado desse olhar paciente, oferece-nos a possibilidade de finalmente ver, talvez, um pouco do que constitui a nossa condição contemporânea.

O futuro dirá se Hamdad se juntará ao panteão dos grandes pintores da modernidade urbana, ao lado de um Hopper ou de um Hammershøi. Por enquanto, ele pinta. Ele pinta este Paris de 2025, esta metrópole saturada e solitária, violenta e frágil, cosmopolita e segregada. Ele pinta sem nostalgia por um passado mitificado, sem cinismo face ao presente, sem ilusão sobre o futuro. Ele pinta porque pintar, hoje, constitui em si um ato de resistência contra o império das imagens descartáveis e dos discursos vazios. Numa mundo que privilegia a velocidade e o esquecimento, Hamdad escolhe a lentidão e a memória. Seu pincel grava na matéria pictórica fragmentos de existência que, sem ele, se dissolveriam no fluxo indiferenciado do tempo. Isso é, talvez, o gesto essencial da arte: arrancar ao esquecimento alguns fragmentos de verdade, e oferecê-los àqueles que ainda aceitam olhar verdadeiramente.


  1. Siegfried Kracauer, citado no catálogo da exposição Solitudes croisées, 2022, texto de Hélianthe Bourdeaux-Maurin
  2. Charles Baudelaire, “À uma passante”, Les Fleurs du mal, 1857
  3. Patrick Modiano, Dans le café de la jeunesse perdue, citado no catálogo da exposição Solitudes croisées, 2022
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Referência(s)

Bilal HAMDAD (1987)
Nome próprio: Bilal
Apelido: HAMDAD
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Argélia
  • França

Idade: 38 anos (2025)

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