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Cao Jun: Navegador entre dois mundos

Publicado em: 12 Abril 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

As obras de Cao Jun são uma imersão vertiginosa num universo onde a tinta tradicional chinesa se metamorfoseia em nebulosas cósmicas, criando um diálogo impressionante entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, entre o Oriente ancestral e o Ocidente contemporâneo.

Ouçam-me bem, bando de snobs, quando a arte chinesa contemporânea nos é servida como um menu de degustação num restaurante estrelado, cuidadosamente dosada, politicamente aceitável e esteticamente previsível, geralmente é sinal de que devemos desconfiar. Mas Cao Jun, este artista nascido em 1966 em Jiangyan, na província de Jiangsu, é de um calibre completamente diferente. Ele destrói as nossas expectativas com uma audácia que me faz arrepiar os pelos dos antebraços.

Olhem para as suas telas da série “Universo” e tentem não se sentirem sugados para um vórtice cósmico de azuis profundos e dourado flamejante. Cao Jun não é do tipo que vos convida educadamente a contemplar uma paisagem. Não, ele atira-vos para lá de cabeça, sem bóia salva-vidas. Não é um convite, é uma convocação.

A ironia requintada neste trabalho reside na forma como consegue casar a técnica ancestral da tinta chinesa com uma visão quase alucinatória do espaço-tempo que teria feito Stephen Hawking exultar. Estas salpicaduras de tinta parecem conter o ADN do próprio universo. De nebulosas a buracos negros, de galáxias espirais a explosões de estrelas, Cao Jun pinta o cosmos não como uma realidade observada, mas como uma experiência psicadélica vivida.

Não é surpreendente que a sua série “Universo” tenha ganho a medalha de ouro no Salon du Carrousel do Louvre em 2013. Os franceses sempre souberam reconhecer quando alguém choca as convenções com inteligência em vez de com provocação gratuita. E é exatamente isso que Cao Jun faz.

Mas curiosamente, essas explosões cósmicas evocam-me tanto o infinitamente grande quanto o infinitamente pequeno. A abstração em Cao Jun remete-nos à filosofia taoísta e a essa ideia fundamental expressa por Lao Tseu de que “o muito pequeno e o muito grande se encontram” [1]. Nas suas pinturas como “Turning Around the Universe” ou “Opening and Closing”, Cao Jun dá forma visual ao máximo taoísta segundo o qual “o Tao é grande, o céu é grande, a terra é grande e o homem também é grande”, quatro grandezas que se refletem umas nas outras.

Essa abordagem faz-me pensar no conceito de “correspondências” de Baudelaire, quando ele escrevia em Les Fleurs du Mal que “os perfumes, as cores e os sons correspondem-se” [2]. Cao Jun estabelece correspondências semelhantes entre os microcosmos e os macrocosmos, entre o tangível e o etéreo. Os escorrimentos de tinta nas suas telas podem evocar tanto uma vista aérea de delta fluvial quanto uma fotografia tirada pelo telescópio Hubble.

A trajetória deste artista é tão fascinante quanto a sua obra. Licenciado em engenharia mineira pela Universidade de Ciências e Tecnologias do Shandong em 1989, ele abandonou progressivamente essa carreira promissora para se dedicar à arte. Este percurso não convencional é provavelmente o que confere ao seu trabalho essa qualidade de observação científica conjugada com uma liberdade de expressão artística desenfreada.

Veja como ele manipula a tinta na sua série de flores de lótus. Essas composições não são apenas belas representações botânicas. Cao Jun disseca a flor de lótus como um biólogo analisaria um espécime, mas com a sensibilidade de um poeta. Não é Lineu a catalogar espécies, é Rimbaud a explorar as vogais. Acho particularmente impressionante a forma como ele justapõe a precisão quase fotográfica dos detalhes com salpicos de tinta que parecem vir de outro mundo, como se a realidade objetiva se dissolvesse diante dos nossos olhos.

Em 2002, Cao Jun emigrou para a Nova Zelândia e fundou uma galeria em Auckland. Esse desarraigamento geográfico coincide com uma viragem na sua abordagem artística. A influência ocidental começa a impregnar o seu trabalho, não como uma concessão a um novo mercado, mas como uma exploração sincera de novas possibilidades expressivas.

É aí que o seu trabalho se torna verdadeiramente fascinante para mim. Ele começa a transcender as categorias fáceis de “arte oriental” ou “arte ocidental”. Não está nem na pura continuação da tradição chinesa, nem na imitação servil dos códigos ocidentais. Também não está numa fusão superficial que diluiria as duas tradições. Não, Cao Jun cria uma linguagem visual que lhe é exclusivamente própria.

A sua abordagem lembra-me o que o filósofo François Jullien escreve sobre as diferenças fundamentais entre o pensamento chinês e ocidental. Jullien observa que, enquanto o pensamento ocidental procura apreender a essência das coisas, o pensamento chinês interessa-se mais pelas transformações contínuas [3]. Nas obras de Cao Jun, essa perspetiva é evidente: as suas composições não fixam uma realidade estável mas capturam estados transitórios, mutações, passagens.

Veja a sua série “Novo estilo Song”, onde se inspira na pintura da dinastia Song (960-1279) insuflando-lhe uma sensibilidade contemporânea. Não é uma simples reprodução nostálgica, mas uma reinterpretação vital que faz dialogar os séculos. As paisagens de montanha tradicionais metamorfoseiam-se em visões semi-abstratas onde o próprio tempo parece suspenso. “Os tempos antigos e novos coexistem”, como escreve o crítico de arte chinês Shang Hui sobre o seu trabalho [4].

O que acho particularmente estimulante é a forma como Cao Jun utiliza a cor. Enquanto a tradição chinesa privilegia frequentemente as variações subtis de preto, Cao Jun não hesita em usar azuis elétricos, vermelhos sangue e dourados flamejantes. Este cromatismo audacioso não é gratuito, mas serve a sua visão cósmica. O seu azul assinatura, literalmente chamado “azul Cao Jun”, tornou-se a sua marca registrada, a ponto de ser comercializado por uma empresa ocidental de materiais artísticos. É um azul que evoca tanto as profundezas oceânicas quanto as vastidões celestes.

Esta paleta lembra as experiências de Vassily Kandinsky, que procurava explorar as propriedades espirituais e emocionais das cores [5]. Cao Jun partilha esta convicção de que a cor não é simplesmente decorativa, mas possui uma dimensão metafísica. O seu azul não é apenas azul, é uma porta para outras dimensões da consciência.

Nas suas obras mais recentes, Cao Jun integra materiais como folha de ouro, criando superfícies que mudam conforme o ângulo de visão e a luz. Estas obras tornam-se quase interativas, convidando o espectador a movimentar-se para captar todas as suas nuances. Esta qualidade cinética acrescenta uma dimensão temporal ao seu trabalho, uma quarta dimensão que transcende a superfície bidimensional.

Mas não se engane, Cao Jun não é apenas um técnico virtuoso ou um malabarista de estilos. Por trás da beleza formal esconde-se uma profunda interrogação sobre o nosso lugar no universo. As suas paisagens cósmicas confrontam-nos com a nossa insignificância face à imensidão do cosmos, ao mesmo tempo que nos recordam que somos feitos da mesma matéria das estrelas.

Esta tensão entre o infinito e o finito, entre o efémero e o eterno, atravessa toda a sua obra. Isso lembra-me do que o filósofo Emil Cioran escreveu em “A Queda no Tempo”: “Oscilamos entre um abismo e outro, entre dois infinitos igualmente hostis” [6]. Os redemoinhos de tinta e cor de Cao Jun parecem visualizar essa oscilação vertiginosa.

Mas atenção, se falo de filosofia e cosmologia, não é para intelectualizar excessivamente um trabalho que funciona antes de tudo a nível visceral. Cao Jun não é um ilustrador de ideias abstratas. As suas obras atingem primeiro o estômago antes de chegar ao cérebro. São sensuais, táteis, quase carnais na sua materialidade.

Talvez aí resida o seu maior feito: reconciliar o sensível e o inteligível, o corpo e o espírito, num mesmo gesto artístico. Num mundo da arte contemporânea onde frequentemente temos a impressão de ter que escolher entre uma beleza vazia de sentido e uma conceptualidade árida, Cao Jun lembra-nos que é possível pensar com os sentidos e sentir com o intelecto.

A sua formação inicial em engenharia deu-lhe uma compreensão íntima dos materiais, da sua composição química e das suas propriedades físicas. Aborda a pintura com a precisão de um cientista e a liberdade de um poeta. Esta dualidade é particularmente evidente na sua maneira de manipular pigmentos minerais, dos quais explora as reações imprevisíveis com a água e a tinta.

Podemos ver nesta abordagem uma metáfora da sua posição na encruzilhada das culturas. Nem completamente chinês na sua prática, nem ocidentalizado na sua visão, Cao Jun ocupa este espaço fecundo do entre-dois, onde as aparentes contradições se dissolvem para dar lugar a uma nova síntese.

Este posicionamento faz-me pensar na noção de “terceiro espaço” teorizada por Homi Bhabha, esse espaço liminar que não é nem um nem outro, mas algo novo e híbrido [7]. As obras de Cao Jun encarnam perfeitamente este “terceiro espaço” cultural e estético, onde as tradições dialogam sem se diluir.

O seu percurso geográfico, da China para a Nova Zelândia e depois para os Estados Unidos, reflete essa trajetória artística. É um artista nómada, não apenas fisicamente mas também intelectual e espiritualmente. Ele atravessa as fronteiras como as suas tintas passam pelo papel, com fluidez e determinação.

Em 2018, o McMullen Museum of Art, em Boston, dedicou uma exposição importante ao seu trabalho, intitulada “Cao Jun: Hinos à Natureza”. Este título é revelador. Apesar de toda a sua sofisticação técnica e conceptual, a arte de Cao Jun permanece fundamentalmente um hino à natureza, não à natureza domesticada e pitoresca dos postais, mas à natureza na sua dimensão cósmica, misteriosa e por vezes aterradora.

Esta exposição, curada pelo filósofo John Sallis e pela historiadora de arte Nancy Netzer, destacou a dimensão filosófica do seu trabalho. Como escreve Sallis, “as obras de Cao Jun são uma meditação visual sobre a relação entre o humano e o cosmos” [8]. Esta meditação não é abstrata, mas incorporada na própria matéria da pintura.

Num mundo da arte contemporânea frequentemente cínico e autorreferencial, a obra de Cao Jun oferece uma lufada de ar fresco, ou melhor, um mergulho nas profundezas oceânicas e celestes. Ele lembra-nos que a arte ainda pode maravilhar-nos, desorientar-nos e reconectar-nos a algo maior do que nós.

Então, da próxima vez que encontrar uma obra de Cao Jun, não se limite a admirá-la educadamente como um belo objeto decorativo. Deixe-se submergir pelas suas ondas de tinta, perca-se nos seus azuis cósmicos e, talvez, só talvez, sinta esse arrepio metafísico que só a grande arte pode provocar.


  1. Lao Tsé, “Tao Te King”, tradução de Liou Kia-hway, Gallimard, 1967.
  2. Charles Baudelaire, “As Flores do Mal”, poema “Correspondências”, 1857.
  3. François Jullien, “Processo ou criação. Uma introdução ao pensamento dos intelectuais chineses”, Seuil, 1989.
  4. Shang Hui, “Cao Jun: À procura do sentido filosófico profundo na criação da pintura a tinta”, Jornal da Cultura Chinesa, 2024.
  5. Vassily Kandinsky, “Do espiritual na arte e na pintura em particular”, Denoël, 1954.
  6. Emil Cioran, “A Queda no tempo”, Gallimard, 1964.
  7. Homi K. Bhabha, “Os lugares da cultura. Uma teoria pós-colonial”, Payot, 2007.
  8. John Sallis, “Cao Jun: Hinos à Natureza”, catálogo da exposição, Museu McMullen de Arte, Boston College, 2018.
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Referência(s)

CAO Jun (1966)
Nome próprio: Jun
Apelido: CAO
Outro(s) nome(s):

  • 曹俊 (Chinês simplificado)

Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • China

Idade: 59 anos (2025)

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