Ouçam-me bem, bando de snobs, Chantal Joffe (nascida em 1969) não é a artista de salão que pinta retratos bonitos para decorar os vossos interiores assépticos. Esta americana que se tornou britânica, residente em Londres, cria obras que vos darão um estalo com a força de uma verdade que prefeririam ignorar. As suas telas monumentais, algumas chegando aos 3 metros de altura, são como espelhos deformantes da nossa sociedade, refletindo uma realidade que a maioria de nós é demasiado cobarde para enfrentar.
A primeira coisa a compreender: Joffe não está aqui para satisfazer o vosso apetite por arte “agradável”. Ela pinta mulheres, sim, mas não como esses retratos polidos que adornam as vossas revistas de moda. As suas pinceladas são brutais, sem concessões, como se arrancasse a própria carne dos seus sujeitos para expor a sua alma. É como se Lucian Freud tivesse fundido com Alice Neel, mas de forma mais radical, mais visceral. Os seus retratos de mulheres são atos de resistência contra o que John Berger chamava o “male gaze”, sabe, aquela forma como a história da arte sempre representou as mulheres como objetos de desejo masculino.
Quando Joffe pinta uma mulher, seja a sua mãe Daryll, a sua filha Esme, ou ela própria, elemina as convenções com a precisão de um franco-atirador. As suas figuras femininas não posam, elas existem. Não procuram agradar, afirmam a sua presença. É como se Simone de Beauvoir tivesse trocado a pena por um pincel: cada quadro é uma declaração de independência, um manifesto que proclama “não se nasce mulher, torna-se mulher”.
Pegue os seus retratos de mãe e filha. É aqui que Joffe se torna realmente interessante, meus caros amigos snobs. Ela pintou a sua mãe durante mais de trinta anos, criando uma crónica visual do envelhecimento que faz os vossos selfies do Instagram parecerem tão profundos quanto uma poça de água. Estes retratos são como capítulos de um romance de Virginia Woolf: cada pincelada conta a história de uma relação em constante evolução, marcada pelo tempo que passa inexoravelmente.
E falemos dos seus autorretratos! Em 2018, ela pintou-se todos os dias durante um ano. Não aqueles autorretratos narcisistas que vocês postam nas redes sociais com quinze filtros diferentes. Não, estas obras são como confissões brutais, diários expostos aos olhos de todos. É Robert Lowell em pintura, poesia confessional traduzida em óleo sobre tela. Cada tela é uma viagem às profundezas da psique, uma exploração sem concessões do que significa ser uma mulher artista num mundo que ainda prefere as suas criadoras sábias e dóceis.
Todos esses autorretratos de 2018 formam um corpus particularmente poderoso. Olhar para si mesma sem piedade durante um ano, documentando cada humor, cada mudança, isso é grande arte. É como se Roland Barthes tivesse decidido fazer a sua “Chambre claire” em pintura, mas mais visceral, mais urgente.
A maneira como ela trata a carne é revolucionária. Ela não procura lamber as feridas, procura revelar. Os seus corpos são territórios de verdade, não fantasias fabricadas. Quando pinta uma adolescente de minissaia, não o faz para satisfazer o olhar masculino, mas para capturar aquele período preciso da vida em que se oscila entre vulnerabilidade e desafio. É Julia Kristeva a encontrar Jenny Saville num combate de boxe pictórico.
A sua técnica? Tão brutal quanto eficaz. Ela pinta com uma urgência que faz os vossos artistas preferidos parecerem tão dinâmicos quanto uma natureza-morta. As suas pinceladas são como golpes de faca, cada traço é uma decisão, uma afirmação. Ela usa a pintura como Sylvia Plath usava as palavras: para dissecar a realidade até ao osso.
As suas grandes telas confrontam-vos com uma intensidade que faz com que as vossas instalações de vídeo preferidas pareçam ninões para crianças. Quando estão diante de um Joffe de 3 metros de altura, não podem escapar. Ela obriga-vos a olhar, a ver realmente. É como estar preso numa conversa com alguém que se recusa a fingir, que insiste em dizer a verdade, toda a verdade.
E não me faleis da maneira como ela trata a cor. Ela usa rosas e azuis como armas, transformando tons que poderiam ser suaves em algo quase violento. É Rothko que decidiu pintar pessoas, mas mantendo toda a intensidade emocional dos seus campos de cor.
O seu trabalho sobre as adolescentes é particularmente revelador. Ela captura esse período crucial com uma acuidade que dói nos dentes. Estas jovens não são as criaturas etéreas que a história da arte nos habituou a ver. São reais, desajeitadas, poderosas na sua própria vulnerabilidade. É como se Louise Bourgeois tivesse decidido fazer pintura figurativa.
O que é fascinante na sua obra é a sua maneira de tratar o tempo. Ela não pinta momentos, pinta durações, relações que evoluem, identidades em mutação constante. É Henri Bergson a ganhar vida na tela, a duração pura traduzida em pigmentos e óleo. Cada retrato é como uma camada geológica, revelando as camadas do tempo que passa.
Os críticos que a comparam a Lucian Freud só veem uma parte da história. Sim, existe aquela mesma atenção obsessiva ao detalhe da carne, mas Joffe vai mais além. Ela não se limita a pintar o que vê, ela pinta o que sabe. É como se combinasse a abordagem fenomenológica de Merleau-Ponty com a brutalidade emocional de uma Frida Kahlo.
A sua utilização da fotografia como fonte é também fascinante. Ela não copia as fotos, ela as disseca, as reinterpreta. É Walter Benjamin encontrando Francis Bacon: a reprodução mecânica transformada em algo profundamente, visceralmente humano.
E não pense um segundo que os seus retratos de família são simples exercícios de nostalgia. Cada quadro da sua mãe, da sua filha, é uma exploração das dinâmicas de poder, dos laços que nos unem e que por vezes nos sufocam. É Michel Foucault a dedicar-se à pintura figurativa.
A forma como ela trata o espaço é totalmente inédita. As suas figuras parecem muitas vezes flutuar num vazio que na verdade não é vazio, um espaço carregado de emoção e tensão. É Gaston Bachelard a ganhar vida na tela, o espaço íntimo a tornar-se um campo de batalha emocional.
Chantal Joffe navega incessantemente entre o pessoal e o político. Cada retrato é uma declaração, cada pincelada é um ato de resistência contra as normas estabelecidas. Ela faz o que Judith Butler teoriza: performa o género através da pintura, mas de uma forma que desconstrói em vez de reforçar estereótipos.
Chantal Joffe é a artista que precisamos neste momento. Num mundo obcecado pelas aparências, ela força-nos a olhar para além da superfície. Ela pinta a verdade, mesmo quando essa verdade é desconfortável. E se isso o deixa desconfortável, tanto melhor. A arte não está aqui para o embalar na sua zona de conforto.
















