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Chao Ge : Memórias mongóis e tempo suspenso

Publicado em: 8 Setembro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 7 minutos

Chao Ge explora as profundezas da alma contemporânea através de uma pintura contemplativa que busca nas fontes da herança mongol. Os seus retratos e paisagens revelam uma humanidade em busca de sentido, suspendendo o tempo para captar a eternidade no instante presente e oferecer uma meditação sobre a nossa condição moderna.

Ouçam-me bem, bando de snobs. Há mais de quarenta anos que Chao Ge percorre os territórios da arte contemporânea chinesa com a obstinação silenciosa de um nômade que conhece o seu destino. Nascido na Mongólia Interior em 1957, este homem soube construir uma obra que não se parece com nenhuma outra, uma pintura que recusa as facilidades da época enquanto fala com uma acuidade perturbante do nosso tempo. Onde tantos artistas contemporâneos se perdem nos meandros da provocação ou da moda, Chao Ge escolheu o caminho da profundidade, aquele que conduz às fontes perenes da arte.

A alma de um construtor

Quando observamos as telas de Chao Ge, impõe-se uma evidência: estamos diante de um arquiteto da alma moderna. As suas personagens, fixas numa contemplação eterna, habitam espaços mentais construídos com o rigor de um construtor de catedrais. Esta dimensão arquitetônica da sua obra tem raízes numa tradição milenar que remonta aos mestres construtores da arte românica e gótica. Como eles, Chao Ge compreende que a verdadeira arte não se contenta em decorar: ela estrutura, ordena, eleva.

Nos seus retratos dos anos 1990, particularmente em “O Homem sensível” (1990), o artista procede por purificação estrutural. Cada linha do rosto, cada sombra projetada participa de um conjunto arquitetônico onde nada é deixado ao acaso. Esta abordagem construtiva lembra o espírito dos mestres de obras da Idade Média que, segundo Viollet-le-Duc, “nunca compunham um edifício sem terem meditado todas as partes na sua relação com o conjunto” [1]. Em Chao Ge, o rosto humano torna-se catedral, e cada emoção inscreve-se na pedra da tela como um capitel esculpido.

O artista mongol não se contenta com essa analogia superficial. Ele leva adiante a lógica arquitetônica desenvolvendo aquilo que ele mesmo chama de “pintura que respira”, recusando a superfície brilhante da tinta a óleo tradicional em favor de uma técnica próxima ao afresco [2]. Esta pesquisa técnica testemunha uma vontade de permanência que se enraíza na arte monumental. As suas telas aspiram à duração dos muros pintados de Giotto ou de Piero della Francesca, esses mestres que sabiam que a verdadeira arte deve sobreviver às gerações.

A organização espacial em Chao Ge obedece também a princípios arquitetônicos rigorosos. As suas composições articulam-se em torno de linhas de força que estruturam o espaço pictórico como as abóbadas de uma nave ordenam o espaço sagrado. Nas suas paisagens mongóis, os horizontes desdobram-se segundo uma geometria oculta que evoca as proporções douradas dos construtores antigos. Este domínio do espaço revela um artista consciente de que a pintura, como a arquitetura, deve criar lugares habitáveis para o espírito.

Mas é na sua compreensão do tempo que Chao Ge revela a sua dimensão de arquiteto mais claramente. As suas obras pós-2000, nomeadamente “Juin” (2004) ou “Personnage solennel” (2003), testemunham uma vontade de construir imagens que escapam ao desgaste temporal. À semelhança das catedrais que atravessam os séculos levando testemunho da fé dos seus construtores, as telas de Chao Ge aspiram a levar testemunho de uma humanidade contemplativa que recusa a frenética contemporaneidade. Esta dimensão arquitetónica da sua obra não é apenas uma metáfora: constitui a espinha dorsal de uma estética que coloca a construção no coração da criação artística.

A psicanálise do olhar contemporâneo

A arte de Chao Ge revela também uma dimensão psicanalítica que o distingue radicalmente dos seus contemporâneos. Através dos seus retratos, o artista desenvolve uma verdadeira arqueologia do inconsciente moderno, explorando os territórios secretos da psique contemporânea com a paciência de um analista. Esta abordagem tem os seus fundamentos nas descobertas freudianas sobre a estrutura do aparelho psíquico, mas ultrapassa-as para oferecer uma cartografia inédita da alma contemporânea.

Em “L’Homme sensible”, Chao Ge implementa uma técnica pictórica que evoca diretamente os mecanismos da análise. O rosto da personagem parece emergir das profundezas da tela como uma memória reprimida que sobe à consciência. Esta emergência progressiva da forma recorda o processo analítico onde os conteúdos inconscientes afloram lentamente à palavra. O artista domina perfeitamente esta temporalidade particular do inconsciente, onde passado e presente se misturam numa duração que já não obedece às leis do tempo cronológico.

A própria técnica pictórica torna-se uma ferramenta de investigação psicanalítica. Chao Ge procede por sobreposição de camadas coloridas que se acumulam como as camadas de memória no aparelho psíquico. Cada nova passagem de pincel revela ou oculta elementos da camada precedente, criando esses efeitos de profundidade temporal tão característicos das suas telas maduras. Este método evoca diretamente a noção freudiana de depois-coup, esse processo pelo qual os eventos passados ganham sentido retroativamente à luz do presente.

O artista desenvolve também uma notável intuição dos mecanismos de transferência e contra-transferência que regem a relação analítica. As suas personagens nunca olham diretamente para o espectador, mas incluem-no num jogo complexo de olhares desviados que evoca a dinâmica da cura. O espectador vê-se colocado numa posição de analista perante estes rostos que parecem suportar o peso de um segredo inconfessável [3]. Esta encenação do olhar transforma o ato de olhar numa experiência analítica onde cada um projeta os seus próprios questionamentos.

A dimensão temporal da obra de Chao Ge revela também uma profunda compreensão dos mecanismos psicanalíticos. As suas telas parecem suspender o tempo, criando esses momentos de eternidade subjetiva bem conhecidos pelos praticantes da análise. Neste paragem do tempo, as personagens de Chao Ge acedem a essa palavra interior que Lacan chamava “lalangue”, essa linguagem anterior à linguagem que carrega a marca das nossas primeiras experiências. As suas paisagens mongóis funcionam segundo a mesma lógica: não representam um lugar geográfico preciso, mas sim um espaço psíquico onde o indivíduo pode reencontrar as suas origens perdidas.

Esta abordagem psicanalítica culmina nas obras do período 2000-2010, onde Chao Ge desenvolve uma verdadeira estética da sublimção. Os seus personagens parecem ter atravessado o teste da análise para aceder a uma nova serenidade. Eles ainda carregam as marcas das suas feridas antigas, mas essas cicatrizes tornaram-se fontes de beleza. O artista mostra-nos assim que a verdadeira arte nasce sempre desta alquimia misteriosa pela qual o sofrimento se transforma em criação, o sintoma em obra de arte.

A eternidade nômade

A obra de Chao Ge contém uma contradição fecunda que lhe confere toda a riqueza: como conciliar a herança nómada mongol com a aspiração ao eterno? Esta tensão atravessa toda a sua produção e confere-lhe uma dimensão filosófica excecional. O artista desenvolve uma estética da “eternidade nómada” que recusa as certezas sedentárias para abraçar uma verdade móvel, sempre em evolução.

As suas paisagens mongóis dos anos 1990-2000 testemunham essa busca do absoluto no movimento. “Sol sobre Kerulen” (1994) ou “Lago Eji Nuur” revelam espaços que parecem escapar às leis habituais da geografia. Esses territórios pintados não correspondem a nenhuma cartografia precisa: constituem antes “lugares da alma” onde o indivíduo contemporâneo pode reencontrar a sua dimensão espiritual perdida. Esta geografia imaginária enraíza-se na tradição nómada mongol que concebe o espaço não como propriedade, mas como território de percurso.

A evolução estilística de Chao Ge revela essa mesma lógica nómada aplicada à criação artística. Recusando instalar-se numa maneira, o artista nunca deixou de deslocar as suas pesquisas estéticas. Do expressionismo psicológico dos anos 1990 à serenidade contemplativa das obras recentes, ele traça um percurso artístico que evoca as migrações ancestrais do seu povo. Esta mobilidade criadora testemunha uma conceção profundamente mongol da identidade: ser a si mesmo é aceitar tornar-se outro, é recusar fronteiras fixas para abraçar o horizonte.

A temporalidade particular das suas telas revela também essa estética nómada. Em Chao Ge, o tempo não se acumula linearmente como na arte ocidental tradicional: ele desenvolve-se segundo uma lógica cíclica que evoca os ritmos sazonais da estepa. Os seus personagens parecem habitar um presente eterno que contém ao mesmo tempo o passado e o futuro. Esta conceção temporal lembra a filosofia mongol tradicional que concebe a história não como progresso, mas como eterno retorno das mesmas forças fundamentais.

Esta estética nómada encontra sua expressão mais acabada nas obras da maturidade, onde Chao Ge consegue essa síntese notável entre tradição e modernidade. Os seus retratos, nomeadamente “Estrelas” (2006) ou “Luz” (2007), revelam rostos que trazem tanto a impressão milenar da estepa como a inquietação do homem contemporâneo. Essas sínteses não são fruto de sincretismo fácil: testemunham uma capacidade rara de pensar juntos temporalidades diferentes.

Chao Ge ensina-nos assim que a verdadeira eternidade não reside na imobilidade, mas nessa capacidade de se renovar constantemente enquanto preserva o essencial. As suas telas carregam essa lição nómada: só sobrevive quem aceita mover-se, só perdura quem consente na metamorfose. Num mundo contemporâneo obcecado pela velocidade e pela imediaticidade, Chao Ge propõe uma alternativa preciosa: a lentidão nómada, essa maneira de avançar que toma o tempo para olhar o horizonte [4].


  1. Eugène Viollet-le-Duc, Dicionário razoado da arquitetura francesa do século XI ao XVI, Tomo IV, Paris, Bance, 1860
  2. 殷双喜, “Análise da Arte de Chao Ge” (Revue des Beaux-Arts), 2010
  3. Entrevista com Chao Ge, “A arte deve expressar as emoções mais nobres da humanidade”, Art China, janeiro 2024
  4. Catálogo da exposição A Renascença dos Clássicos : Chao Ge, Museu Vittoriano, Roma, 2006
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Referência(s)

CHAO Ge (1957)
Nome próprio: Ge
Apelido: CHAO
Outro(s) nome(s):

  • 朝戈 (Chinês simplificado)

Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • China

Idade: 68 anos (2025)

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