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Chen Fei: Entre tradição e subversão pictórica

Publicado em: 3 Fevereiro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 6 minutos

Nas suas naturezas-mortas monumentais, Chen Fei transforma o quotidiano chinês em comentário mordaz sobre a nossa sociedade de consumo. As suas composições meticulosas, onde garrafas de molho de soja coabitam com esqueletos de animais, revelam um artista que domina a arte da subversão elegante.

Ouçam-me bem, bando de snobs. O nosso amigo Chen Fei, nascido em 1983 na província de Shanxi, não é do tipo que gosta de fazer conceptualismos sofisticados para sussurrar teorias complicadas ao ouvido. Não, este graduado na Academia de Cinema de Pequim prefere dar-vos um tapa com imagens que magoam os olhos e a mente. E isso é para melhor. Num mundo da arte contemporânea onde a mediocridade muitas vezes se cobre com os trajes da complexidade, eis finalmente um artista que assume plenamente a sua vontade de chocar, de desestabilizar e, acima de tudo, de nos fazer refletir sobre as nossas próprias contradições.

Comecemos pela sua técnica, essa famosa abordagem “super flat” que maneja como uma katana bem afiada. A sua planura reivindicada não é uma facilidade, mas uma escolha filosófica que ressoa estranhamente com as teorias de Gilles Deleuze sobre a superfície como lugar do evento. Quando Deleuze nos falava da superfície como “fronteira entre as coisas e as proposições”, Chen Fei faz dela o terreno de jogo onde se confrontam tradição e modernidade, Oriente e Ocidente, arte elevada e cultura popular. Os seus quadros são campos de batalha onde as referências colidem com a violência de um filme de kung-fu.

Tomemos “Natural History” (2016), essa composição onde uma mulher em roupa desportiva está no meio de um bestiário improvável. O artista dinamita alegremente os códigos da pintura clássica, criando uma espécie de gabinete de curiosidades pós-moderno onde uma tatuagem convive com um pinguim com a naturalidade de uma conversa no WeChat. A precisão clínica do seu traço apenas acentua o absurdo da cena, como se Albrecht Dürer tivesse mudado para a ilustração de manga após uma noite demasiado regada.

Mas Chen Fei não se limita a ser um iconoclasta de serviço. A sua série de naturezas-mortas, apresentada no Museu Yuz de Xangai em 2021, revela uma ambição mais profunda. Estas composições horizontais, que à primeira vista parecem inscrever-se na tradição das vanidades holandesas do século XVII, são na realidade comentários cáusticos sobre a nossa relação com o consumo e o acúmulo. Os objetos empilham-se com uma precisão maníaca: yuzu convivem com pãezinhos de feijão vermelho, garrafas de molho de soja dialogam com esqueletos de animais. Este acúmulo ecoa o pensamento de Walter Benjamin sobre a coleção como forma de resistência à padronização do mundo moderno.

Em “Painting of Wealth” e “For Breadth and Immensity” (2019), ele leva esta lógica ao absurdo, criando festins gargantuescos onde a comida se torna uma linguagem visual para falar do excesso e do vazio que caracterizam a nossa época. Os lichias brilham como joias, as bolinhas de massa empilham-se como monumentos à glória do consumo excessivo. É Arcimboldo a fazer as suas compras no Alibaba.

A sua série “My Morandi” (2019) é particularmente saborosa na forma como desvia a estética do mestre italiano. As garrafas de molho de soja meio vazias e os frascos de vinagre de arroz substituem os vasos depurados de Morandi, criando um diálogo transcultural que faz ranger os puristas e sorrir os iniciados. É aqui que Chen Fei brilha: na sua capacidade de criar pontes inesperadas entre as culturas, ao mesmo tempo que dinamita as hierarquias estabelecidas no mundo da arte.

O artista não pára por aí. Em “Remaining Value” (2019), ele coloca a famosa caixa de “Merda d’artista” de Piero Manzoni ao lado de diferentes tipos de fertilizantes agrícolas. O comentário é tão subtil como um murro no estômago: a arte conceptual ocidental é colocada ao mesmo nível do estrume, numa equalização de valores que ecoa as teorias de Pierre Bourdieu sobre a distinção social e o juízo estético.

Esta primeira parte da sua obra, centrada na desconstrução dos códigos pictóricos e na subversão das hierarquias culturais, encontra o seu apogeu em obras como “Big Model” (2017). Nesta tela monumental, um nu masculino chinês tatuado adopta a pose do David de Michelangelo diante de um papel de parede florido turquesa. A história da arte ocidental é aqui digerida, regurgitada e transformada em algo resolutamente contemporâneo e chinês.

O segundo tema que atravessa a sua obra é o da identidade fragmentada num mundo globalizado. Chen Fei representa-se com uma autodepreciação feroz que o faz o cobaia perfeita para explorar as contradições da China contemporânea. Em “Cousin” (2019), ele aparece de boxers Supreme e ténis Converse, consultando o seu telefone Huawei. A cena é um concentrado de tensões geopolíticas e culturais: as marcas ocidentais vestem (ligeiramente) um corpo oriental, enquanto a tecnologia chinesa serve de interface com o mundo.

Esta exploração da identidade encontra um eco particular na sua obsessão passionada pelos sofubi, essas figuras em vinil macio japonesas que coleciona por milhares. Esta coleção, que ocupa uma divisão inteira da sua casa, não é apenas um capricho de colecionador: torna-se um material artístico por si só, aparecendo nas suas naturezas mortas como tantos totens de uma nova espiritualidade consumista.

Em “National Conditions” (2017), ele aprofunda ainda mais esta reflexão sobre a identidade cultural. A cena representa uma família chinesa numa sala americana dos anos 60, com uma criança afro-americana aproximando-se da mãe, enquanto um busto do artista observa a cena. É um quadro que poderia ter sido pintado por Edward Hopper sob ácido, uma visão alucinada do sonho americano vista através do prisma da China contemporânea.

A sua obra mais recente, “The Road to Success” (2024), apresentada no Centro Pompidou, sintetiza magistralmente estas preocupações. A escada dos anos 90 que convive com o escadas rolantes moderno torna-se uma metáfora visual das transformações da sociedade chinesa, mas também uma reflexão sobre a ilusão do progresso. O artista põe-se em cena como um “criador de marca”, levando a autodepreciação ao ponto de se tornar ele próprio num produto no grande supermercado da arte contemporânea.

O que torna a obra de Chen Fei tão impactante é que ele maneja a ironia sem nunca cair no cinismo fácil. Quando representa cenas da vida quotidiana, como na sua série sobre os mercados da manhã, ele não faz julgamento moral: apresenta-nos antes um espelho distorcido das nossas próprias contradições. A sua formação cinematográfica transpira em cada tela, não apenas na sua composição meticulosa mas também na sua capacidade de sugerir narrações mais vastas.

Os críticos ocidentais gostam de ver no seu trabalho uma crítica à sociedade de consumo chinesa. É uma leitura fácil, demasiado fácil. O que Chen Fei nos mostra é que a distinção entre autenticidade e artifício, entre tradição e modernidade, entre Este e Oeste, já não faz muito sentido num mundo onde um artista pode colecionar figuras japonesas enquanto cita Michelangelo, onde uma garrafa de molho de soja pode tornar-se tão icónica quanto um vaso de Morandi.

Sua arte é, afinal, uma celebração da impureza, no sentido nobre do termo. Ele recusa categorizações fáceis, divisões claras entre arte erudita e arte popular. Sua obra é um testemunho vivo do que pode ser a arte contemporânea chinesa quando assume plenamente sua híbrida: nem totalmente ocidental, nem estritamente oriental, mas resolutamente contemporânea e pessoal. Em um mundo da arte onde tantos artistas se levam demasiado a sério, Chen Fei nos lembra que a irreverência pode ser a forma mais alta de sinceridade artística.

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Referência(s)

CHEN Fei (1983)
Nome próprio: Fei
Apelido: CHEN
Outro(s) nome(s):

  • 陈飞 (Chinês simplificado)

Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • China

Idade: 42 anos (2025)

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