English | Português

Terça-feira 18 Novembro

ArtCritic favicon

Chen Jia : Dançar com o pincel

Publicado em: 9 Novembro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

Chen Jia pratica a caligrafia e a pintura de paisagem segundo as disciplinas tradicionais chinesas. Formado pela cópia meticulosa dos mestres antigos, ele conjuga na sua obra o poder expressivo das paisagens monumentais e o rigor teórico. As suas composições manifestam essa qualidade rara em que o movimento habita a imobilidade.

Ouçam-me bem, bando de snobs : a obra de Chen Jia merece muito mais do que um olhar distraído. Este artista chinês, formado nas disciplinas seculares da caligrafia e da pintura de paisagem, encarna uma continuidade exigente. Nascido na região montanhosa do leste do Sichuan, entre as formações imponentes dos montes Daba, cresceu onde a própria geografia se torna pedagogia. A sua formação segue um percurso clássico : desde a infância, dedica-se à cópia minuciosa dos mestres antigos. Esta abordagem do “linmo” constitui um método de investigação aprofundada. Ao reproduzir as composições monumentais de Fan Kuan, Chen Jia penetra no espírito mesmo do mestre Song.

A obra pictórica recente de Chen Jia testemunha uma maturidade notável. As suas paisagens monumentais na técnica Xieyi, que utiliza traços minimalistas para captar a essência do sujeito, manifestam um poder expressivo onde a tinta corre com uma liberdade dominada. O crítico Xia Chao nota que algumas composições atingem “um território de espessura arcaica”, uma qualidade rara num artista da sua geração. Para além da sua produção plástica, Chen Jia afirma-se como teórico. O seu ensaio histórico sobre a caligrafia chinesa demonstra uma erudição considerável.

A caligrafia como dança congelada

Para compreender plenamente a dimensão da obra de Chen Jia, convém evocar as reflexões de Zong Baihua, cujo livro “Promenade esthétique” permanece uma referência incontornável. Zong Baihua propõe uma leitura singularmente esclarecedora ao afirmar que a pintura chinesa, o teatro e particularmente a caligrafia partilham uma característica comum : todos são atravessados pelo espírito da dança [1]. Esta intuição permite apreender a arte de Chen Jia sob um ângulo que revela toda a sua profundidade coreográfica.

A caligrafia, tal como a pratica Chen Jia, não é uma simples inscrição de sinais. É movimento encarnado, gesto que se desenrola no espaço e inscreve na matéria o ritmo mesmo da vida. Zong Baihua escreve que a caligrafia chinesa é “acompanhada pelo ritmo musical da dança”. Quando Chen Jia maneja o seu pincel carregado de tinta, não está apenas a escrever : está a dançar com a sua ferramenta. Cada gesto do pulso, cada inflexão do braço participa numa coreografia invisível de que só permanece o traço preto no branco imaculado do papel. Esta dimensão coreográfica da escrita chinesa encontra a sua origem na própria estrutura da língua.

Os caracteres chineses, ao contrário dos alfabetos fonéticos ocidentais, preservam uma dimensão icónica. São “ações desenhadas”, onde o movimento que presidiu à sua criação permanece perceptível. Quando Chen Jia traça um carácter complexo, o olhar atento pode reconstruir o balé do pincel, as suas hesitações calculadas, as suas acelerações dominadas. A caligrafia torna-se assim uma dança petrificada, um movimento capturado no instante do seu cumprimento. A analogia entre caligrafia e dança aprofunda-se ainda mais quando se considera a noção de espaço. A dança cria um “espaço espiritual e vazio” que se desdobra pelo movimento do dançarino.

De forma semelhante, a caligrafia chinesa não se limita a preencher a página: ela cria um espaço dinâmico onde o branco nunca é um simples fundo, mas um elemento ativo da composição. Chen Jia, nas suas obras caligráficas como nas suas pinturas, domina admiravelmente esta arte do vazio. Os espaços não entintados não são ausências, mas presenças silenciosas, momentos de repouso na coreografia geral da obra. Esta concepção do espaço encontra um eco particular nas artes visuais chinesas. Zong Baihua nota que até a arquitetura chinesa, com os seus telhados e beirais curvados, expressa uma “atitude de dança”. As pinturas de paisagens monumentais de Chen Jia participam desta mesma estética do movimento suspenso.

A aproximação entre caligrafia e dança também ilumina a questão do tempo na arte de Chen Jia. A dança é uma arte do tempo, que se desenrola na duração. A caligrafia, embora produza um objeto permanente, mantém essa dimensão temporal. A execução de um caráter inscreve-se num tempo irreversível. O calígrafo não pode voltar atrás: cada gesto é definitivo. Essa irreversibilidade confere à caligrafia a sua tensão dramática. Chen Jia, quando traça as suas grandes obras, joga com essa temporalidade perigosa. Cada obra torna-se uma performance única, um instante de dança capturado para a eternidade.

A respiração constitui outro ponto de convergência entre dança e caligrafia. O bailarino ritma o seu movimento pela sua respiração, que se torna visível na fluidez dos seus gestos. O calígrafo chinês coordena também o seu traço com o seu sopro. Chen Jia, formado nas disciplinas tradicionais, conhece esta técnica do “qi”, o sopro vital, que anima tanto o corpo do bailarino como a mão do calígrafo. Nas suas obras mais elaboradas, percebe-se essa respiração: os traços potentes alternam com passagens mais leves, criando um ritmo respiratório que confere à totalidade a sua organicidade.

A arte de Chen Jia manifesta essa qualidade que Zong Baihua considera como a essência mesma da arte chinesa: a capacidade de expressar o movimento na imobilidade, de sugerir o fluxo temporal na permanência do objeto. As suas montanhas parecem prestes a mover-se, os seus caracteres caligráficos vibram com uma energia contida. Esta tensão dinâmica coloca a sua obra na linhagem dos grandes mestres que compreenderam que a arte chinesa nunca é estática.

A escrita do caráter e a forja do caráter

A segunda dimensão essencial para compreender a obra de Chen Jia reside na concepção tradicional chinesa que estabelece uma ligação orgânica entre a prática da caligrafia e o aperfeiçoamento moral do indivíduo. Esta ideia, em particular defendida pelo teórico Liu Xizai na sua obra “Yigai”, postula que a caligrafia é a expressão visível do carácter profundo de quem escreve [2]. Liu Xizai, crítico literário e calígrafo do século XIX, formulou uma frase que se tornou famosa: “A escrita assemelha-se ao seu saber, ao seu talento, às suas aspirações. Em suma, assemelha-se à pessoa na sua totalidade”.

Esta afirmação constitui um princípio fundamental da estética caligráfica chinesa. Sugere que cada traço traçado revela algo da interioridade do calígrafo. Chen Jia, nutrido pelas fontes desta tradição, não poderia ignorar esta exigência ética. Quando se dedica à cópia dos antigos mestres, não procura apenas adquirir as suas técnicas: tenta impregnar-se da sua virtude. A caligrafia torna-se assim um exercício espiritual, uma ascese comparável às práticas meditativas.

Esta concepção ética da caligrafia está enraizada na filosofia confuciana, que valoriza a harmonia entre o interior e o exterior. Um homem cultivado deve assegurar que as suas ações exteriores reflitam fielmente as suas disposições interiores. A caligrafia, arte visível por excelência, torna-se assim um teste de sinceridade. O traço revela implacavelmente toda afetção, toda pretensão. Liu Xizai insiste neste ponto quando afirma que “a intenção é a natureza primeira, o fundamento da caligrafia”.

Para Chen Jia, esta exigência moral não constitui um fardo, mas uma fonte de profundidade. Ele é obrigado a manter-se num estado de vigilância interior, a cultivar as qualidades que deseja ver transparecer na sua arte. A força dos seus traços poderosos só pode nascer de uma força interior autêntica. O equilíbrio das suas composições só pode emergir de um equilíbrio psíquico real. Esta dimensão ética esclarece a importância dada pela tradição chinesa à biografia dos artistas. As histórias da arte chinesa contam a vida dos criadores, as suas virtudes, as suas provas. Pois não se pode compreender verdadeiramente uma obra sem conhecer o homem que a produziu.

O percurso de Chen Jia, a sua perseverança no estudo, a sua modéstia apesar dos reconhecimentos obtidos, o seu apego aos valores tradicionais: tudo isto não é acessório à sua arte, mas constitui a sua própria substância. A prática intensiva da caligrafia por Chen Jia faz parte de uma disciplina de vida global. Estrutura a sua relação com o tempo, exige dele uma regularidade. Leva-o à paciência, uma virtude rara no nosso tempo de imediatismo. Ensina-lhe a humildade diante da grandeza dos antigos, ao mesmo tempo que lhe dá a confiança necessária para estabelecer a sua própria voz.

Liu Xizai avança também a ideia de que a caligrafia deve manifestar uma “harmonia do meio”, conceito emprestado ao pensamento confuciano. Trata-se de um equilíbrio dinâmico entre forças contrárias: força e suavidade, rigor e liberdade. Chen Jia, nas suas melhores obras, atinge precisamente esse equilíbrio. As suas paisagens monumentais conjugam potência expressiva e refinamento técnico. As suas caligrafias unem respeito pelas normas clássicas e vigor pessoal. Ele não é nem um imitador servil, nem um iconoclasta gratuito. Esta exigência de coerência entre a arte e a vida causa-nos desconforto. A nossa época separou, de facto, o juízo estético do julgamento ético, tornando suspeita toda pretensão de ler o valor moral de um artista na sua obra. Contudo, a perspetiva tradicional chinesa mantém esta correlação como ideal regulador.

Um caminho intermédio

Chen Jia trabalha num contexto complexo. A arte chinesa contemporânea encontra-se dividida entre a pressão da tradição milenar, a atração dos modelos ocidentais e as exigências do mercado globalizado. Neste panorama confuso, alguns rompem com o passado, procurando uma originalidade efémera. Outros refugiam-se numa repetição acadêmica das formas antigas. Chen Jia traça o seu próprio caminho. Ele não rejeita a tradição: prolonga-a. Não rejeita a modernidade: integra-a à sua maneira.

Suas grandes composições de paisagens, com sua energia bruta, não são exercícios ultrapassados. Elas falam à nossa época. Em um mundo saturado de imagens digitais superficiais, a materialidade da tinta, a irreversibilidade do gesto, a profundidade histórica da forma: tudo isso adquire um novo valor. O crítico Xia Chao observa que Chen Jia manifesta uma “atitude de pesquisa executada com perseverança”, qualidade que contrasta com “o ar agitado de alguns jovens de hoje”. Chen Jia não busca sucesso rápido. Ele se enquadra na duração, aceita a lentidão da maturação. Em uma cultura do instantâneo, essa paciência torna-se quase subversiva.

A obra de Chen Jia lembra que certos valores tradicionais mantêm sua pertinência. O rigor da formação, a importância da transmissão, o respeito pelos mestres antigos: tantos princípios que talvez constituam antídotos necessários às derivações contemporâneas. Chen Jia demonstra que é possível ser um artista autenticamente contemporâneo ao mesmo tempo em que se enraíza em uma tradição milenar. Suas obras não são reconstruções históricas: são vivas e atuais. Elas provam que a grande tradição pictórica chinesa não é um patrimônio morto, mas um organismo vivo capaz de se renovar.

O artista também nos convida a reconsiderar nossa relação com o tempo. Em uma época obcecada pela novidade, ele lembra o valor da repetição e do aprofundamento. Seus anos passados copiando os antigos mestres não foram tempo perdido: constituem o húmus fértil de onde emergiu sua própria criatividade. Esta lição vale além do domínio artístico: questiona nosso culto à inovação permanente e nosso desprezo pelo que perdura.

A obra de Chen Jia nos confronta com nossas próprias contradições. Ela expõe a inconsistência de nossas pretensões à originalidade radical. Sugere que uma verdadeira criação sempre supõe um enraizamento, um diálogo com aqueles que nos precederam. Lembra que somos menos os autores soberanos de nossas obras do que os elos de uma cadeia que nos ultrapassa, e que essa humilde posição, longe de limitar nosso poder criador, constitui sua condição. Na linha vigorosa de Chen Jia ressoa o eco de mil anos de história, e é precisamente essa profundidade temporal que confere ao seu gesto seu pleno significado. Eis uma lição que nossa época amnésica faria bem em meditar.


  1. Zong Baihua, Promenade esthétique, Shanghai Renmin Chubanshe, 1981.
  2. Liu Xizai, Yigai, século XIX.
Was this helpful?
0/400

Referência(s)

CHEN Jia (1985)
Nome próprio: Jia
Apelido: CHEN
Outro(s) nome(s):

  • 陈甲 (Chinês simplificado)

Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • China

Idade: 40 anos (2025)

Segue-me