Ouçam-me bem, bando de snobs que passam os vossos fins de semana em galerias assépticas a beber champanhe morno. Vou falar-vos de Chen Wenji (nascido em 1954), e não é para embelezar as vossas conversas mundanas.
Enquanto alguns se maravilham com instalações de vídeo que piscam como árvores de Natal em promoção, Chen Wenji, ele, conduz há mais de quatro décadas uma revolução silenciosa que faria tremer as vossas pequenas certezas se se dessem ao trabalho de olhar verdadeiramente. Não com os vossos olhos de consumidores de arte apressados, mas com essa parte do cérebro que ainda não está anestesiada pelas tendências do momento.
Primeira lição: a desconstrução metódica do real. Chen Wenji não é daqueles artistas que se contentam em reproduzir a realidade como fotocopiadoras humanas. A sua abordagem está mais próxima da de Edmund Husserl quando falava da redução fenomenológica, sabem, essa suspensão do mundo para melhor captar a sua essência. Veja as suas naturezas mortas do início dos anos 1990, como “The Red Scarf”. Vê aí uma simples cadeira de rattan com um lenço vermelho? Olhe melhor. É uma dissecação cirúrgica da nossa relação com os objetos do quotidiano, uma meditação visual sobre como as coisas mais banais podem tornar-se veículos de significado quando as arrancamos do seu contexto habitual.
E não venha dizer-me que é “apenas” realismo. Seria como dizer que Kafka fazia “apenas” histórias de insetos. Chen Wenji usa a técnica realista como Nietzsche usava o aforismo, não para descrever o mundo, mas para o fazer explodir por dentro. Cada dobra do tecido, cada arranhão na madeira é um golpe de martelo filosófico que estilhaça os nossos pressupostos sobre o que uma pintura deveria ser.
O segundo tema que atravessa a sua obra é aquilo que eu chamaria a geometricização do vazio. A partir dos anos 2000, Chen Wenji lançou-se numa exploração radical da abstração geométrica que faz Mondrian tardio parecer um pintor de domingo. Mas atenção, não é a abstração gratuita daqueles artistas que alinham formas como se dispõem móveis da Ikea. Não, é uma abstração que dialoga com a tradição chinesa do vazio, que ecoa as reflexões de François Jullien sobre a noção de insipidez na estética oriental.
As suas obras recentes, com as suas superfícies monocromáticas atravessadas por linhas mal perceptíveis, são como koans zen traduzidos em pintura. Confrontam-nos com aquilo que Maurice Merleau-Ponty chamava “o invisível do visível”, esse espaço entre as coisas que dá sentido a todo o resto. É um minimalismo que nada tem a ver com as poses nova-iorquinas dos anos 60, mas que bebe antes numa tradição milenar de meditação sobre a natureza do real.
E sabem o que é realmente fascinante? É a forma como Chen Wenji consegue manter uma coerência absoluta enquanto evolui constantemente. Desde os seus primeiros trabalhos de gravura na Central Academy of Fine Arts nos anos 70 até às suas explorações atuais do espaço e da cor, ele nunca deixou de perseguir o mesmo trilho, como um mineiro que se aprofunda cada vez mais na mesma veia aurífera.
Olhem para “Supreme Series” dos anos 90, essas chaminés de fábricas, estes mastros de bandeira, estes candeeiros solitários. Poder-se-ia ver aí uma simples crítica à industrialização, como fariam aqueles críticos que pensam que a arte deve sempre “dizer algo” sobre a sociedade. Mas Chen Wenji vai muito além. Transforma esses objetos naquilo que Walter Benjamin chamava “imagens dialéticas”, pontos de colisão entre o passado e o presente, o pessoal e o coletivo.
O seu trabalho com a luz não deixa de lembrar as pesquisas de James Turrell, mas onde o artista americano cria ambientes imersivos, Chen Wenji captura a luz na própria matéria da pintura. É como se Vermeer tivesse decidido pintar não o efeito da luz sobre os objetos, mas a própria substância da luminosidade.
Já posso ouvir alguns de vocês murmurarem que o seu trabalho recente é “demasiado minimalista”, “pouco engajado”. Como se a arte tivesse de ser um comentário social para ter valor! Chen Wenji lembra-nos que a verdadeira radicalidade na arte não consiste em fazer barulho, mas em criar espaços de silêncio onde o pensamento pode finalmente respirar.
O seu uso da cor, ou melhor, a sua redução progressiva da paleta, é particularmente revelador. Numa época em que alguns artistas usam as cores como influenciadores do Instagram usam filtros, Chen Wenji traz-nos de volta ao essencial. Os seus cinzentos não são os cinzentos da tristeza ou da neutralidade, mas os da meditação profunda, como a tinta que seca no papel de arroz na caligrafia tradicional.
Há algo profundamente subversivo na maneira como ele rejeita os efeitos fáceis, os gestos expressionistas, os acenos pós-modernos. Numa época em que a arte contemporânea se parece cada vez mais com um parque de diversões, Chen Wenji mantém uma exigência que o faz um verdadeiro herdeiro de Cézanne, não no estilo, mas nesta busca obstinada pela verdade pictórica.
O seu percurso é particularmente interessante quando se considera o contexto da arte contemporânea chinesa. Enquanto muitos dos seus contemporâneos sucumbiram às seduções do mercado, produzindo obras que lisonjeiam as expectativas ocidentais de uma arte chinesa “exótica” ou “política”, Chen Wenji manteve uma integridade rara. Permaneceu fiel à sua visão enquanto evoluía constantemente, como aquelas árvores que crescem em espiral sem nunca perder a sua fixação.
A transformação da sua relação com o espaço é particularmente fascinante. Das suas primeiras naturezas-mortas, onde o espaço ainda era teatral, quase cénico, passou para uma conceção do espaço como própria substância da pintura. As suas obras recentes já não representam o espaço, criam-no, modulam-no, fazem-no vibrar como uma membrana sensível.
O que mais me agrada em Chen Wenji é que ele permanece contemporâneo sem correr atrás da contemporaneidade. Não tenta ser do seu tempo, cria o seu próprio tempo, o seu próprio espaço. É o que Giorgio Agamben chamava o “contemporâneo inaudito”, aquele que é plenamente do seu tempo precisamente porque sabe distanciar-se dele.
O seu trabalho lembra-nos que a arte não precisa de ser espetacular para ser profunda. Oferece-nos momentos de contemplação pura, espaços onde o tempo parece suspender-se. É uma arte que exige, e recompensa, a paciência, como aqueles vinhos que só revelam a sua complexidade após uma longa aeração.
Sei que alguns de vocês preferem a arte que faz a capa das revistas, que gera buzz nas redes sociais. Mas enquanto vocês correm atrás das últimas tendências, Chen Wenji continua calmamente a sua exploração dos fundamentos da pintura. Lembra-nos que a arte não é uma corrida contra o tempo, mas um mergulho em profundidade.
A maneira como ele trata a materialidade da pintura é particularmente instrutiva. Enquanto muitos artistas contemporâneos tratam a pintura como um mero meio para atingir os seus fins conceptuais, Chen Wenji faz dela o próprio sujeito da sua exploração. Cada quadro é uma meditação sobre a natureza da pintura em si, sobre a sua capacidade de criar não imagens, mas experiências visuais puras.
O seu trabalho lembra-nos que a verdadeira vanguarda não está na provocação fácil ou na corrida à novidade, mas no aprofundamento paciente das questões fundamentais da arte. A arte mais avançada é aquela que assume plenamente o peso da sua tradição, ultrapassando-a a partir do seu interior.
Chen Wenji mostra-nos que é possível criar uma arte que esteja ao mesmo tempo profundamente enraizada e radicalmente nova, que fale ao presente enquanto se inscreve numa tradição milenar. Ele lembra-nos que a verdadeira inovação na arte não consiste em apagar o passado, mas em o reinventar constantemente à luz do presente.
A sua arte não foi feita para ser consumida rapidamente entre dois vernissages; foi feita para ser vivida, meditada, absorvida lentamente, como esses textos filosóficos que só revelam o seu significado após várias leituras. Chen Wenji continua a ser um exemplo raro de integridade artística e profundidade intelectual. A sua obra lembra-nos que a arte ainda pode ser um espaço de pensamento e contemplação, um lugar onde o tempo para e onde o espírito pode finalmente respirar livremente.
















