Ouçam-me bem, bando de snobs! Temos de falar seriamente sobre Christopher Wool, nascido em 1955 em Chicago, este artista que transformou a negação numa forma de afirmação tão radical que se torna quase sublime. Aqui está um tipo que percebeu que a arte não é uma questão de beleza, mas de verdade, mesmo que essa verdade nos sacuda como uma ameixeira em plena tempestade.
Nos anos 1980, enquanto Nova Iorque ainda era este terreno de jogo perigoso onde seringas usadas cobriam as calçadas do East Village, Wool apropriou-se da estética urbana com uma inteligência que roça a insolência. Ele capturou a essência dessa cidade em preto e branco, como se a cor fosse um luxo supérfluo num mundo que se desintegrava. Esta abordagem lembra o pensamento de Walter Benjamin sobre a reprodução mecânica da arte. Wool pegou no conceito benjaminiano da perda da aura e virou-o do avesso: utilizando rolos decorativos de pintor, estênceis industriais e técnicas de impressão, criou uma nova forma de aura, a da própria reprodução. É brilhante e perverso ao mesmo tempo, como um truque de mágica que revelaria seus próprios segredos enquanto permanece misterioso.
As suas pinturas textuais tornaram-se lendárias, não por serem belas (definitivamente não são), mas por serem profundamente verdadeiras. Quando escreve “TRBL” ou “DRNK” em letras maiúsculas pretas sobre fundo branco, não está apenas a eliminar as vogais, está a eliminar também o nosso conforto visual. Ele obriga-nos a trabalhar, a decifrar, a participar. É aqui que entra a filosofia de Ludwig Wittgenstein: a linguagem como forma de vida, como atividade e não como mero veículo de sentido. Wool transforma palavras em imagens e imagens em enigmas. Ele joga com o limite entre o legível e o visível, criando uma tensão que faz ranger os dentes dos apreciadores da arte tradicional.
Mas o que torna Wool realmente fascinante é que ele faz do apagamento um ato de criação. Nas suas obras abstratas mais recentes, aplica tinta para a apagar melhor com panos embebidos em solvente. É como se Patrick Hernandez tivesse começado a pintar: “Falha outra vez. Tanto faz. Falhar outra vez. Falhar melhor”. Cada passagem do pano torna-se um ato de revelação em vez de destruição. As marcas que ficam são como cicatrizes de uma batalha entre o artista e a sua tela, entre a intenção e o acaso. É uma abordagem que lembra estranhamente as experiências de Gerhard Richter com os seus quadros abstratos, mas onde Richter procura uma forma de transcendência no acidente, Wool procura uma forma de autenticidade na negação.
O uso que Wool faz da serigrafia é particularmente revelador. Desde os anos 1990, esta técnica tornou-se uma ferramenta central na sua prática. Mas ao contrário de Andy Warhol, que usava a serigrafia para multiplicar as imagens e criar uma espécie de hipnose visual, Wool usa-a para criar camadas de distância, estratos de afastamento entre a imagem original e a sua reprodução. Ele aplica imagens serigrafadas na tela, depois apaga-as parcialmente, criando assim uma dialética complexa entre presença e ausência, entre o que é mostrado e o que é escondido.
A sua série de fotografias nocturnas tiradas nas ruas entre o Lower East Side e Chinatown é igualmente reveladora da sua abordagem. Estas imagens em preto e branco, iniciadas nos anos 1990 e concluídas em 2002, não são simples documentos urbanos. São meditações visuais sobre a ausência, sobre estes momentos em que a cidade parece prender a respiração. As ruas vazias, as fachadas anónimas, os cantos escuros tornam-se sob o seu objetivo metáforas da nossa própria solidão urbana. É como se Robert Frank tivesse decidido fotografar não os americanos, mas os espaços que eles deixam para trás.
A influência do punk rock no seu trabalho é inegável, não numa estética qualquer de rebeldia, mas na sua própria abordagem à criação. O punk não era apenas música, era uma atitude, uma forma de ver o mundo que privilegiava a autenticidade crua em vez da perfeição técnica. Wool absorveu essa ética e transformou-a em método artístico. As suas obras têm a mesma energia crua dos primeiros álbuns dos Ramones, a mesma urgência das performances de Patti Smith no CBGB’s.
A sua instalação em 2024 no 101 Greenwich Street, em Nova Iorque, é uma ilustração perfeita dessa abordagem. Neste espaço bruto de 1670 metros quadrados, Wool criou uma exposição que desafia as convenções da galeria white cube. As paredes por acabar, os cabos visíveis, as marcas de trabalhos tornam-se parte integrante da exposição. É como se o artista nos dissesse que a arte não precisa de um ambiente asséptico para existir, que pode prosperar no caos e na imperfeição.
As esculturas em arame que começou a criar em Marfa, no Texas, onde vive parte do ano com a sua esposa, a artista Charline von Heyl, representam uma nova evolução na sua prática. Estas obras, feitas de arame farpado e cabos encontrados no deserto, são como desenhos no espaço. Têm a mesma energia gestual que as suas pinturas, mas traduzidas numa terceira dimensão. É como se os seus traços de pincel tivessem subitamente ganhado independência e escapado da tela.
A sua prática recente da mosaico é particularmente interessante. A sua obra Untitled de 2023, uma mosaico de 3,35 metros de altura por 5 metros de largura, traduz os seus gestos pictóricos em pedra e vidro. É uma transformação paradoxal: o gesto espontâneo torna-se permanente, o efémero fixa-se na duração. Esta tensão entre o instantâneo e o permanente está no coração do seu trabalho.
O mercado de arte apoderou-se das suas obras com uma voracidade que poderia parecer contraditória com a sua natureza austera. Quando a sua obra “Apocalypse Now” (1988) foi vendida por 26,4 milhões de dólares na Christie’s em 2013, alguns viram nisso uma forma de ironia. Mas essa valorização comercial apenas realça o paradoxo central do seu trabalho: como é que a arte mais radical pode tornar-se um objeto de desejo para os colecionadores mais abastados? A resposta talvez seja que Wool conseguiu criar uma arte que critica o sistema ao mesmo tempo que nele participa plenamente.
A sua utilização do preto e branco não é uma escolha estética simples, é uma posição filosófica. Num mundo saturado de imagens coloridas, escolher o preto e branco é escolher a resistência. É recusar a sedução fácil da cor para se concentrar no essencial: a forma, a textura, o gesto. Esta restrição voluntária torna-se paradoxalmente uma fonte de liberdade criativa.
A forma como Wool trata o erro é especialmente reveladora. Onde outros artistas procuram ocultar os seus erros, ele integra-os no seu processo criativo. Os pingos, as manchas, as imperfeições tornam-se elementos integrantes da obra. É uma abordagem que lembra o conceito japonês do wabi-sabi, esta estética da imperfeição e do incompleto. Mas em Wool, estas imperfeições não são simplesmente aceites, são procuradas, provocadas, cultivadas.
O seu trabalho com imagens digitais é igualmente radical. Ele usa o Photoshop não para criar imagens perfeitas, mas para introduzir novas formas de perturbação, novos tipos de erros. Ele digitaliza as suas pinturas, manipula-as digitalmente e depois as reimprime, criando assim um ciclo constante de transformação onde o original e a cópia se tornam indistinguíveis. É um mise en abyme da reprodução que questiona as nossas noções de autenticidade e originalidade.
As obras recentes de Wool mostram uma evolução subtil mas significativa. Se os primeiros trabalhos eram marcados por uma forma de agressividade, uma vontade de confrontação direta com o espectador, as obras mais recentes parecem ter alcançado uma forma de serenidade na negação. Os gestos são mais fluidos, os apagamentos mais matizados. É como se o artista tivesse encontrado uma forma de paz na sua luta permanente com a pintura.
A abordagem de Wool não deixa de lembrar a dos filósofos céticos da Antiguidade. Como eles, pratica uma forma de dúvida metódica, questionando não só as convenções da arte, mas também as nossas certezas sobre o que a arte pode ou deve ser. Cada uma das suas obras é uma forma de epóque, uma suspensão do julgamento que nos obriga a reconsiderar os nossos pressupostos.
Sem dúvida, alguns continuarão a ver no seu trabalho uma forma de niilismo artístico. Mas eles perdem o essencial: Wool é um optimista disfarçado de pessimista. Cada uma das suas obras é uma afirmação da possibilidade de criar sentido, mesmo num mundo que parece ter perdido o seu. É um artista que encontrou a sua voz sussurrando em vez de gritar, apagando em vez de adicionar, questionando em vez de afirmar.
Se ainda não compreende por que razão Christopher Wool é um dos artistas mais importantes do nosso tempo, talvez seja porque ainda procura a arte na beleza em vez da verdade. As suas obras não estão lá para decorar as suas paredes, estão lá para abalar as suas certezas. E num mundo onde as certezas se tornaram um luxo perigoso, é exatamente isso que precisamos. Não se trata simplesmente de ver as suas obras, mas de vivê-las, de as experienciar como momentos de verdade num mundo de falsidades.
















