English | Português

Terça-feira 18 Novembro

ArtCritic favicon

Cosima von Bonin : Cultura Pop desconstruída

Publicado em: 29 Setembro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

Cosima von Bonin constrói um universo artístico onde peluches cínicos e mísseis almofadados revelam as contradições da nossa época. Esta artista alemã domina a arte do desvio da cultura pop, transformando galerias em laboratórios críticos. As suas instalações têxteis realizam uma dissecação jubilosa da sociedade de consumo contemporânea.

Ouçam-me bem, bando de snobs, chegou a hora de interrogar uma das figuras mais subversivas da arte contemporânea alemã. Cosima von Bonin realiza, há três décadas, uma crítica acerba e jubilosa da nossa época, tecendo com uma inteligência feroz um universo povoado por peluches cínicos, mísseis almofadados e patos melancólicos. Esta artista, nascida no Quénia em 1962 e formada na efervescente cena artística de Colónia, constrói um teatro do absurdo onde se revelam as contradições fundamentais da sociedade capitalista contemporânea.

O seu trabalho desenvolve-se como uma vasta empreitada de desvio onde cada objeto se torna pretexto para questionar os nossos automatismos de consumo e os nossos rituais sociais. Através das suas instalações têxteis, das suas esculturas macias e dos seus desvios da cultura pop, von Bonin traça os contornos de um mundo onde a aparente inocência esconde sempre uma violência surda, onde a fofura se torna uma máscara para denunciar a alienação moderna. Esta abordagem encontra um eco particularmente impressionante em dois domínios teóricos que iluminam o alcance da sua obra : a sociologia crítica da sociedade do espetáculo e a teoria literária da intertextualidade.

A sociologia do espetáculo : Quando o Pernalonga se torna profeta

A obra de Cosima von Bonin inscreve-se de forma marcante na crítica sociológica desenvolvida por Guy Debord em “La Société du spectacle” [1]. Quando Debord escreveu em 1967 que “toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos”, antecipava perfeitamente o universo que von Bonin hoje descreve. A artista alemã materializa literalmente esta intuição de Guy Debord ao transformar os nossos ícones de entretenimento em reveladores implacáveis da nossa condição social.

Tomemos como exemplo central o Pernalonga, personagem recorrente na obra de von Bonin, nomeadamente na sua série “Open Your Shirt Please” (2019) ou na imponente escultura “Church of Daffy” (2023). Este pato antropomórfico encarna perfeitamente o que Debord denomina “a mercadoria como espetáculo”. Pernalonga não é simplesmente um personagem de desenho animado desviado : torna-se em von Bonin o emblema da nossa época, aquela do indivíduo perpetuamente em representação, oscilando entre megalomania e fracasso retumbante. Como escreve Clara Drechsler, “não há ninguém que prefira ser Pernalonga a ser Cosima. Infelizmente, as qualidades exigidas não estão suficientemente pronunciadas nela. Mas talvez partilhem os mesmos demónios”.

Esta dimensão espetacular estende-se a todo o bestiário de von Bonin. Os seus animais de peluche gigantes, os seus peixes músicos equipados com guitarras, as suas criaturas marinhas antropomórficas funcionam como tantos “pseudo-eventos” no sentido que Debord dá a este termo. Criam uma falsa atividade, uma pseudo-vida que oculta a ausência de experiência autêntica. A instalação “What If It Barks?” (2018) ilustra perfeitamente esta lógica: peixes coloridos formam um grupo musical fictício, transformando a arte em entretenimento superficial enquanto revelam, por esta própria encenação, o artifício dos nossos lazeres contemporâneos.

A artista vai ainda mais longe nesta análise ao atacar os símbolos do poder e da violência. Os seus mísseis transformados em peluches macios na série “The Loser” questionam frontalmente o que Debord chama “a imagem imposta do bem”. Estas armas de destruição massiva reconvertidas em objetos de conforto revelam a hipocrisia de uma sociedade que estetiza a violência enquanto cultiva a ilusão da doçura consumista. Von Bonin realiza aqui uma verdadeira “geografia psíquica” da nossa época, para retomar a expressão de Debord, cartografando os territórios onde se desenvolve a alienação moderna.

A dimensão colaborativa do seu trabalho insere-se igualmente nesta perspetiva crítica. Quando von Bonin confia a realização das suas obras a artesãos profissionais, quando delega conscientemente a produção material, ela revela os mecanismos da divisão do trabalho que Debord identifica como fundamento da sociedade espectacular. A artista torna-se maestrina de um sistema produtivo que ela desvenda no seu próprio funcionamento, questionando as noções de autenticidade e de autoria caras ao mercado da arte.

Esta abordagem encontra o seu culminar nas suas instalações onde reina o que ela chama “o Império da Fadiga”. Estes espaços povoados por criaturas exaustas, objetos moles e personagens estendidos constituem uma resposta direta à injunção permanente à performance que Debord identifica como característica da sociedade espectacular. Von Bonin propõe uma estética da resistência passiva, do ócio reivindicado, que constitui uma forma de resistência política à hiperatividade imposta pelo capitalismo contemporâneo.

O génio de von Bonin reside na sua capacidade para usar os próprios códigos do espetáculo para revelar os seus mecanismos. As suas obras funcionam como “situações” no sentido situacionista, criando momentos de ruptura no fluxo contínuo das imagens e mercadorias. Obriga o espectador a tomar consciência da sua posição de consumidor passivo oferecendo-lhe ao mesmo tempo as ferramentas críticas para se libertar. Transformando a galeria num “supermercado da arte”, para usar a sua própria metáfora, von Bonin revela as ligações íntimas entre cultura e comércio, entre criação e mercantilização.

A intertextualidade como estratégia de resistência

O trabalho de Cosima von Bonin encontra uma segunda chave de leitura na teoria da intertextualidade desenvolvida por Julia Kristeva [2]. Quando Kristeva define a intertextualidade como “uma interação textual que permite considerar as diferentes sequências de uma estrutura textual precisa como tantas transformações de sequências retiradas de outros textos”, ela descreve precisamente o método de von Bonin. A artista nunca cria ex nihilo: ela reorganiza, desvia, recompõe um património visual e cultural existente para revelar as tensões internas.

Esta prática de apropriação assumida atravessa toda a sua obra. Von Bonin reivindica abertamente que “tudo é roubado” no seu trabalho, transformando o roubo artístico num gesto crítico. As suas referências vão desde os Looney Tunes às ícones Disney, da arte conceptual dos anos 1970 aos códigos da moda de luxo. Esta polifonia referencial cria aquilo que Kristeva chama de “um tecido novo de citações obsoletas”, onde cada elemento emprestado adquire um novo significado pela sua inserção num contexto artístico contemporâneo.

O exemplo do Bambi ilustra perfeitamente esta lógica intertextual. Nas suas obras “Gaslighting” e “Love Bombing” (2023), von Bonin retoma a silhueta do cervo-filhote da Disney, mas associa-a a termos do vocabulário da violência psicológica. Esta colisão entre a inocência suposta da personagem e a brutalidade dos conceitos contemporâneos cria um efeito de desnaturalização que revela os mecanismos de manipulação em ação na cultura de massas. A apropriação funciona aqui como uma “transposição”, para usar o termo que Kristeva por vezes substitui ao de intertextualidade, ou seja, como uma “violação do sujeito e do objeto” que revela as ideologias escondidas nos textos fonte.

Esta dimensão intertextual estende-se às próprias práticas artísticas. Quando von Bonin retoma o motivo do candeeiro de rua de Martin Kippenberger em “The MK 2 Formula #303” (2014), quando cita Mike Kelley em “Mike Kelley is my Goddess” (2023), inscreve o seu trabalho numa genealogia artística que interroga e prolonga simultaneamente. Estas referências não são um tributo respeitoso, mas uma reapropriação crítica, segundo o princípio da intertextualidade transformadora que Kristeva teorizou.

A artista desenvolve também uma intertextualidade musical assumida, nomeadamente nas suas colaborações com Moritz von Oswald ou nas suas referências a Missy Elliott e Britney Spears. Estes empréstimos criam redes de sentidos complexas onde se telescopam cultura erudita e cultura popular, vanguarda artística e entretenimento de massas. Von Bonin opera assim uma “redistribuição da língua”, no sentido que Kristeva atribui a este termo, reorganizando os códigos culturais estabelecidos para revelar as suas potencialidades críticas.

A dimensão têxtil do seu trabalho reforça esta lógica intertextual. Os seus “Lappen” (trapos) juntam tecidos de proveniências diversas segundo a lógica do patchwork que materializa literalmente o princípio da intertextualidade. Cada fragmento de tecido carrega consigo uma história, usos anteriores, significados sociais que von Bonin reativa e recompõe. Estas obras funcionam como testemunhos em que transparecem as marcas dos textos/tecidos anteriores sob a nova configuração artística.

A intertextualidade em von Bonin não se limita ao empréstimo: constitui uma verdadeira estratégia de resistência cultural. Ao revelar os mecanismos de apropriação e desvio, desmistifica a noção de originalidade artística e questiona as lógicas de propriedade intelectual que governam o mercado da arte. As suas obras funcionam como “máquinas críticas” que decompõem e recompõem o património cultural comum, revelando as relações de poder que estruturam a produção e difusão das imagens.

Esta abordagem encontra a sua dimensão política na capacidade de revelar aquilo que Kristeva chama de “génotexto”, ou seja, as estruturas profundas que organizam a produção de sentido. Ao desviar os códigos da cultura popular, von Bonin revela as ideologias que os sustentam, os mecanismos de dominação que veiculam. As suas criaturas antropomórficas tornam-se assim analisadores sociais que decodificam as representações dominantes e revelam as contradições internas.

A arte como laboratório do desencanto

A obra de Cosima von Bonin desenha assim os contornos de uma estética do desencanto que encontra a sua força na articulação entre a crítica sociológica e a prática intertextual. As suas instalações transformam o espaço expositivo num laboratório experimental onde se revelam os mecanismos da sociedade contemporânea. A artista opera uma verdadeira “anatomia do presente”, para retomar uma expressão de Guy Debord, dissecando com precisão cirúrgica as representações que estruturam a nossa relação com o mundo.

Esta dimensão analítica acompanha-se de uma poética da resistência que rejeita as facilidades da denúncia direta. Von Bonin prefere o caminho da ironia mordaz e do desvio jubilatório, criando imagens que funcionam como tanto de “bombas-relógio” semânticas. As suas obras revelam a sua dimensão crítica não pela explicitação da sua mensagem, mas pelo confronto que organizam entre diferentes registos culturais.

A originalidade da sua abordagem reside na capacidade de usar as armas do adversário contra ele próprio. Ao retomar os códigos da cultura de massas, apropriando-se dos ícones do entretenimento contemporâneo, ela revela as falhas e contradições do sistema que critica. As suas criaturas tornam-se “cavalos de Tróia” culturais que infiltram os circuitos da arte para aí difundir uma consciência crítica renovada.

Esta estratégia encontra a sua eficácia na sua dimensão ambivalente. As obras de von Bonin seduzem pela sua aparente inocuidade enquanto desdobram uma crítica implacável dos nossos comportamentos sociais. Criam o que se poderia chamar um “prazer crítico”, onde o gozo estético se torna o vetor de uma tomada de consciência política. A artista revela assim as potencialidades subversivas da arte contemporânea, a sua capacidade de transformar a contemplação em ato de resistência.

O legado de von Bonin para as gerações futuras de artistas reside nesta demonstração magistral de que é possível conjugar exigência crítica e prazer estético, rigor conceptual e fantasia criadora. A sua obra traça um caminho alternativo aos impasses da arte conceptual dogmática assim como aos do entretenimento comercial, propondo uma terceira via onde a crítica social floresce na jubilosidade criadora.

Esta lição ressoa com uma acuidade particular na nossa época de aceleração tecnológica e de padronização cultural. Von Bonin recorda-nos que a arte conserva a sua capacidade transformadora desde que nunca renuncie à sua dimensão crítica nem à sua vocação poética. Ela mostra-nos que é possível resistir às lógicas dominantes não pela confrontação frontal, mas pela subversão sorridente, pela apropriação desviada dos códigos estabelecidos.

A sua obra constitui assim um precioso antídoto para a melancolia contemporânea, propondo uma forma de resistência alegre aos mecanismos de alienação que nos rodeiam. Convida-nos a redescobrir a nossa capacidade de espanto crítico face ao mundo, a cultivar essa inquietude criadora que é a única capaz de nos preservar da resignação. Neste âmbito, Cosima von Bonin impõe-se como uma das vozes mais necessárias da arte contemporânea, aquela que nos lembra que a beleza e a verdade permanecem indissociáveis, inclusive, e sobretudo, num mundo que parecia ter renunciado às suas exigências.


  1. Guy Debord, A Sociedade do espectáculo, Paris, Buchet-Chastel, 1967.
  2. Julia Kristeva, Sèméiôtikè. Recherches pour une sémanalyse, Paris, Seuil, 1969.
Was this helpful?
0/400

Referência(s)

Cosima VON BONIN (1962)
Nome próprio: Cosima
Apelido: VON BONIN
Género: Feminino
Nacionalidade(s):

  • Alemanha

Idade: 63 anos (2025)

Segue-me