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Gongkan : Quando Banguecoque encontra Nova Iorque

Publicado em: 1 Novembro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

Kantapon Metheekul, também conhecido como Gongkan, cria pinturas surrealistas habitadas por figuras silenciosas e portais negros. O seu trabalho explora a migração interior, as discriminações sociais e a impossibilidade de pertencer. Entre bacias de água e buracos negros, ele pinta a ansiedade coletiva de uma geração presa entre vários mundos, várias identidades, várias impossibilidades.

Ouçam-me bem, bando de snobs : este jovem tailandês que cobre as paredes de Nova Iorque com os seus buracos negros antes de regressar triunfante a Banguecoque merece que se deixe de rir por dois minutos. Kantapon Metheekul, que assina como Gongkan, não se parece com nada daquilo a que está acostumado nas suas galerias assépticas. O seu trabalho cheira a suor, a nostalgia e a essa espécie de raiva silenciosa que surge quando se fica preso entre dois mundos sem poder escolher.

Nascido em 1989 em Banguecoque, Gongkan seguiu o percurso clássico do aluno exemplar que acaba por ir para a publicidade, esta morte lenta da alma criativa. Mas, ao contrário de tantos outros que apodrecem aí, ele teve a coragem de largar tudo para Nova Iorque, esta cidade que esmaga os sonhadores aos pacotes de doze. Três anos a lutar, a colar os seus autocolantes no metro, a pintar portais negros nas paredes, antes de perceber que a verdadeira batalha se trava noutro lado. De regresso a Banguecoque, não trazia um brilhante diploma americano, mas algo bem mais precioso : uma visão.

O legado de Dali ou a beleza da ansiedade

Quando Gongkan afirma : “Sou inspirado por Salvador Dali, através da sua utilização de cores intensas para evocar um sentimento de introspeção pensativa ; momentos surrealistas e silenciosos no tempo que são ao mesmo tempo belos de ver mas carregados de ansiedades ocultas”, ele não se limita a citar uma influência confortável [1]. Estabelece uma filiação que merece atenção, pois revela os mecanismos profundos da sua própria linguagem pictural.

Salvador Dali, este catalão flamboyant nascido em 1904, construiu a sua obra sobre uma tensão semelhante entre superfície sedutora e profundidade perturbadora. O mestre espanhol desenvolveu o seu famoso método paranoico-crítico para extrair do seu inconsciente, criando “fotografias de sonhos pintadas à mão” onde objetos realistas se encontram justapostos de forma irracional [2]. Gongkan segue este caminho, mas remetendo-o ao essencial : figuras humanas, céus graduais, e esses buracos negros obsessivos que funcionam como portais.

As paletas de cores dos dois artistas revelam uma afinidade perturbadora. Dali usava beiges e azuis para criar contrastes surrealistas, paisagens desertas sem vida mas cativantes. Em Gongkan, encontramos os mesmos gradientes que vão do azul escuro ao verde claro, do violeta profundo ao rosa e depois ao amarelo pálido. Esta técnica do aerógrafo combinada com pinceladas cria uma dimensão que lembra os céus espanhóis de Dali, estas extensões que parecem ao mesmo tempo infinitas e claustrofóbicas.

Mas enquanto Dali pinta o tempo a derreter, Gongkan pinta o deslocamento impossível. As suas personagens não esperam que os relógios moles lhes digam que é tarde demais, saltam para o vazio. Os buracos negros de Gongkan funcionam como os relógios moles de Dali : símbolos de fluidez num mundo que se pretende rígido. Excepto que, enquanto o catalão questiona a natureza do tempo, o tailandês questiona a do espaço, do território, da pertença.

Esta filiação estética oculta uma diferença fundamental de intenção. Dali procurava visualizar o seu inconsciente pessoal, as suas obsessões eróticas, os seus medos íntimos. Gongkan, ele, pinta para todos aqueles que se sentem presos, discriminados, encurralados num corpo ou numa sociedade que não lhes convém. As suas personagens sem sorriso, essas figuras planas e gráficas que emergem ou desaparecem em portais, personificam uma angústia coletiva. O próprio artista diz-o: “Le Teleport Art vem da minha depressão, das minhas experiências pessoais e dos problemas sociais em torno de temas como a desigualdade de género e os direitos humanos”.

O surrealismo de Gongkan não é o do jogo gratuito ou do choque estético. É um surrealismo da sobrevivência, onde o fantástico se torna a única saída possível perante um real inaceitável. As suas bacias de água que substituem progressivamente os buracos negros na sua obra recente funcionam como espelhos deformantes, superfícies refletoras que nunca mostram o que se gostaria de ver. “O que vêem é apenas a ponta do icebergue”, adverte ele. Sob a superfície tranquila das suas cores pastel escondem-se a pobreza, a corrupção e a discriminação contra a comunidade LGBTQ.

O peso dos Garudhammas

Se Gongkan merece ser levado a sério, é também pela sua capacidade de transformar a crítica social em imagem sem cair no didatismo plano. A sua obra Gender Equality And Righteousness ataca de frente uma das hipocrisias mais persistentes do budismo: a desigualdade estrutural entre monges e monjas.

O budismo theravada, religião dominante na Tailândia, impõe às bhikkhunis (monjas) regras chamadas “garudhammas”, literalmente “regras pesadas”, que as colocam numa posição de inferioridade perpétua em relação aos monges [3]. A primeira dessas regras estipula que uma monja ordenada há cem anos deve levantar-se e saudar com respeito um monge ordenado no mesmo dia. Estas oito regras, cuja autenticidade é contestada por muitos investigadores que as consideram adições posteriores ao cânone original, serviram durante séculos para desencorajar a ordenação feminina na Ásia.

Gongkan explica a sua abordagem: “Esta obra critica a desigualdade de género encontrada nos princípios básicos do budismo e de outras religiões. A igualdade e a retidão são partes vitais dos direitos humanos fundamentais, e no entanto, em muitas ideologias religiosas, infelizmente não são estendidas às mulheres. Esta obra retrata como as mulheres devem ser puras mas nunca alcançarão os reinos superiores do budismo por causa do seu sexo”.

Atacar o budismo na Tailândia é como cuspir na bandeira durante um desfile nacional. Mas Gongkan não faz provocações fáceis. Ele pinta, com as suas cores suaves e formas depuradas, contradições que ninguém quer ver. A imagem do Buda aparece no seu trabalho não como um ícone intocável, mas como o testemunho silencioso de um sistema que traiu os seus próprios princípios de igualdade.

A teoria budista dos “cinco obstáculos” estipula que uma mulher deve renascer como homem antes de poder prosseguir adequadamente o Caminho Óctuplo e alcançar a budidade perfeita [4]. Esta doutrina, ensinada durante séculos, fabrica uma inferioridade ontológica da mulher. Gongkan não filosofa sobre estas questões, ele as pinta. As suas bacias de água tornam-se metáforas desta profundidade limitada da percepção humana, onde o que se vê à superfície nunca reflete as injustiças estruturais que jazem por baixo.

O que torna a sua abordagem particularmente eficaz é que ele rejeita o maniqueísmo. As suas imagens não gritam, elas sussurram. As suas personagens não protestam, elas desaparecem ou aparecem. Esta estratégia do silêncio visual obriga o espectador a preencher os vazios, a questionar a ausência de sorriso, a interrogar-se sobre esses portais que prometem a liberdade mas conduzem aonde, exatamente?

O artista ancora a sua crítica numa experiência vivida. Originário da comunidade Teochew, etnia chinesa implantada na Tailândia, ele conhece intimamente as tensões entre culturas, as expectativas contraditórias, o peso das tradições. As suas obras recentes integram motivos chineses, aquelas taças de porcelana azul e branca que se transformam em banheiras para os seus personagens, criando colisões visuais entre heranças culturais.

A sua série Introspection leva esta abordagem ainda mais longe, explorando a psicologia individual como reflexo dos disfuncionamentos sociais. Numa época em que os problemas de saúde mental explodem mas permanecem tabu, Gongkan atreve-se a mostrar a raiva, o ressentimento, o medo, a desconfiança. Ele expõe a sua própria vulnerabilidade, esse lado mais sombrio da sua mente, enquanto cria um espaço de reflexão para o espectador. As suas instalações digitais interativas, as suas investigações psicológicas que acompanham as exposições, transformam a galeria num laboratório de introspecção coletiva.

A exposição Asynchronous Affinities de 2025 em Hong Kong resume esta abordagem: a ideia de “boa pessoa, mau momento” aplicada não só às relações interpessoais mas às relações com os lugares, as culturas, as sociedades. Gongkan representa-se a si mesmo ao lado de figuras de diferentes géneros e raças, criando um sentimento narrativo sem nunca dar informação suficiente para completar a história. Esta técnica deixa o espectador num estado de incerteza produtiva, exatamente onde começa o pensamento crítico.

A arte do deslocamento vertical

Pois bem. Kantapon Metheekul não é nem o novo Dali nem o Banksy asiático, e felizmente. Ele constrói algo diferente: uma linguagem visual que fala da migração interior, da claustrofobia social, da liberdade impossível. Os seus buracos negros e os seus tanques de água não são truques gráficos, mas propostas existenciais. Eles colocam uma questão simples e terrível: para onde ir quando nenhum lugar é habitável?

O que torna o seu trabalho necessário é precisamente que ele rejeita as consolações. As suas cores são bonitas, sim, mas essa beleza não promete nada. As suas personagens encontram portais, mas ninguém sabe o que os espera do outro lado. Esta honestidade brutal, envolta numa estética sedutora, cria uma tensão que permanece muito tempo depois de sair da galeria.

O mercado percebeu isso, aliás. Quando Tim Cook, CEO da Apple, compra quatro das suas telas num só dia, não é apenas porque as cores são bonitas. É porque até os titãs do Vale do Silício sentem confusamente que eles também são prisioneiros de um sistema, à procura de um portal para outro lugar. O génio de Gongkan é ter encontrado uma forma que fala simultaneamente aos jovens tailandeses discriminados e aos bilionários californianos em busca de sentido.

Mas atenção: se o seu trabalho agrada, não é porque oferece respostas tranquilizadoras. Pelo contrário. Cada tela lembra que a pureza exigida pela religião, pela sociedade e pela família é uma armadilha mortal. Que os reinos superiores prometidos aos puros são mentiras para manter as hierarquias. Que a única salvação possível passa pela aceitação da impureza, da mistura, do movimento constante.

Gongkan pinta para aqueles que compreenderam que o mundo não mudará depressa o suficiente, que as estruturas são demasiado sólidas, que as garudhammas ainda estarão presentes daqui a cem anos. Então ele oferece portais. Não para um lugar melhor, ele não é ingénuo o suficiente para isso, mas para um lugar diferente. E num mundo que se endurece, que se fecha, que ergue muros por todo lado, pintar buracos torna-se um acto de resistência fundamental.

É por isso que este artista que nunca sorri nas fotografias merece mais do que os seus olhares de soslaio. Ele constrói, pacientemente, uma obra que documenta a nossa época melhor do que mil discursos militantes. Ele pinta os nossos becos sem saída com uma elegância que os torna suportáveis sem os tornar aceitáveis. E se ainda não percebe por que isto é importante, talvez o problema não seja ele. Talvez seja você, preso no seu próprio buraco, incapaz de imaginar que se possa sair dele de outra forma que não subindo.


  1. Citação de Kantapon Metheekul, entrevista com Thanarat Asvasirayothin, Made in Bed, 2021.
  2. Salvador Dali, “Paranoiac-Critical Method”, The Art Story.
  3. “Eight Garudhammas”, artigo Wikipédia consultado em outubro de 2025.
  4. “Women in Buddhism”, artigo Wikipédia consultado em outubro de 2025.
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Referência(s)

Kantapon METHEEKUL (1989)
Nome próprio: Kantapon
Apelido: METHEEKUL
Outro(s) nome(s):

  • Gongkan

Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Tailândia

Idade: 36 anos (2025)

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