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Herbert Brandl : Pintar novas percepções

Publicado em: 2 Outubro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

Herbert Brandl cria obras pictóricas monumentais que oscilam entre a abstração e a figuração. Este artista austríaco explora a materialidade da pintura através de gestos espontâneos e composições cromáticas intensas, gerando espaços emocionais habitáveis que questionam a nossa relação contemporânea com a natureza e a civilização industrial.

Ouçam-me bem, bando de snobs : Herbert Brandl não é um pintor que se compreenda folheando preguiçosamente os catálogos de exposição entre duas taças de champanhe. Este austríaco nascido em Graz em 1959 e desaparecido prematuramente este verão impõe um confronto direto, mesmo brutal, com a matéria pictórica e as suas possibilidades infinitas de significado. As suas telas monumentais, que oscilam perpetuamente entre a abstração e a figuração, desdobram uma linguagem visual que recusa categoricamente as facilidades da arte decorativa contemporânea.

Brandl pertence a essa geração de artistas austríacos que, nos anos 1980, retomaram a grande tradição pictórica vienense ao mesmo tempo que se libertaram dos dogmas modernistas. Formado na Universidade de Artes Aplicadas de Viena sob a tutela de Herbert Tasquil e Peter Weibel, desenvolveu desde o início uma abordagem singular da pintura, recusando-se a considerá-la como um mero meio expressivo para a encarar como um território de exploração conceptual. A sua participação precoce nas grandes manifestações internacionais, Bienal de Paris em 1985, Documenta IX em 1992 e representação da Áustria em Veneza em 2007, testemunha um reconhecimento imediato da pertinência do seu percurso.

A arquitetura da emoção

A primeira chave para compreensão da obra de Brandl reside na sua relação complexa com o legado arquitetónico e decorativo da Secessão vienense. Como observou justamente Pier Luigi Tazzi, as suas obras recentes “ainda se reportam à Secessão” e são marcadas pelo “privilégio concedido às superfícies das pinturas” [1]. Esta filiação não é anedótica: revela uma concepção da pintura como construção espacial, como edifício de sensações e não simples superfície de inscrição.

A arquitetura de fim de século vienense, incarnada por Otto Wagner e os seus discípulos, procurava reconciliar funcionalidade moderna e beleza ornamental. Brandl opera uma translação semelhante no domínio pictórico: as suas composições mais abstratas mantêm uma dimensão funcional, a de gerar espaços emocionais habitáveis. As suas montanhas do Grossglockner ou as suas paisagens do Himalaia nunca são simples representações; constituem arquiteturas de cor e gesto, espaços mentais que o espectador pode investir fisicamente.

Esta dimensão arquitectónica manifesta-se particularmente na sua conceção de série. Brandl nunca pinta uma tela isolada mas constrói conjuntos coerentes, “habitats” visuais completos. Os seus ciclos de monótipos dos anos 2020, apresentados na exposição “24/7” em Graz, funcionam como tantas peças do mesmo edifício conceptual. Cada obra dialoga com as outras, criando um ambiente total que evoca a ambição de um Wagner arquiteto aplicada ao domínio da pintura pura.

A cor em Brandl opera segundo os mesmos princípios que o ornamento nos mestres da Secessão: estrutura o espaço tanto quanto o veste. Seus azuis cristalinos ou seus vermelhos incandescentes não se contentam em colorir a superfície; eles organizam a percepção, hierarquizam os planos, criam ritmos visuais comparáveis às modulações rítmicas de uma fachada de Wagner. Essa abordagem revela uma compreensão profunda do espaço como totalidade sensível, herdada diretamente da tradição vienense do final do século.

O artista prolonga também a questão secessionista sobre a relação entre arte e indústria. Suas técnicas mistas, integrando fotografia e pintura tradicional, questionam as fronteiras entre produção artesanal e reprodução mecanizada. Assim como os arquitetos de 1900 integravam os novos materiais industriais nas suas criações, Brandl incorpora as imagens digitais e os processos de reprodução contemporâneos na sua prática pictórica. Essa síntese revela uma modernidade autêntica, livre de qualquer purismo estético.

A poética do processo

A segunda dimensão fundamental da obra de Brandl diz respeito à sua relação com a poesia, não como género literário mas como modo específico de apreensão do real. O artista desenvolve o que se deve chamar de “poética do processo”, onde o ato de pintar prevalece sobre o resultado final. Essa abordagem o aproxima das pesquisas mais avançadas da poesia contemporânea, especialmente na sua dimensão performativa e no seu recusa da representação mimética.

Brandl afirma explicitamente essa prioridade dada ao processo: “Eu não preciso ter visto a montanha para a pintar; eu não preciso ter estado no local para sentir o ar ou ver a luz. Tudo isso se faz na pintura, a atmosfera, a luz, é um processo interior. Pinto as minhas pinturas a partir do movimento, do golpe de pincel, do tamanho do pincel, da tinta” [2]. Essa declaração revela uma conceção da criação pictórica como geração autónoma de significado, independente de qualquer referente exterior direto.

Essa autonomização do processo criativo evoca as investigações dos poetas experimentais contemporâneos que trabalham sobre a materialidade do próprio linguagem. Como eles, Brandl explora as potencialidades expressivas inerentes ao seu meio, revelando significados que emergem do confronto direto com a matéria pictórica. Os seus gestos do pincel funcionam como “palavras” num vocabulário plástico autónomo, criando efeitos de sentido que ultrapassam toda intenção representativa inicial.

O artista desenvolve igualmente uma temporalidade específica, comparável ao tempo poético. As suas obras não contam uma história linear mas desdobram uma duração intensiva, concentrada no instante do gesto pictórico. Cada golpe de pincel contém em si uma temporalidade completa, um “presente alargado” que escapa à cronologia narrativa tradicional. Essa conceção do tempo criativo aproxima Brandl das pesquisas poéticas sobre o instante e a epifania, essa revelação súbita de sentido que surge do confronto direto com a linguagem.

A dimensão metafórica do seu trabalho opera segundo os mesmos princípios da metáfora poética moderna. As suas “hienas” esculpidas ou pintadas não representam animais reais mas funcionam como condensados metafóricos, “imagens dialéticas” que cristalizam tensões existenciais contemporâneas. Essas criaturas híbridas, mistura de ferocidade primitiva e sofisticação técnica, evocam a ambivalência da nossa relação com a natureza e a civilização.

A exposição “TOMORROW” no Kunsthaus Graz revelava particularmente esta dimensão poética da obra. O próprio título funciona como um verso, abrindo um espaço de indeterminação semântica que as obras vêm habitar sem nunca saturá-lo. Brandl descreve-se como um “pessimista apaixonado”, fórmula que evoca a tensão dialética característica da poesia moderna entre lucidez crítica e impulso criador.

A estética da urgência

A obra de Brandl desenvolve aquilo a que poderíamos chamar uma “estética da urgência”, particularmente manifesta na sua relação complexa com o mercado de arte. Questionado sobre a sua relação com a economia artística, o artista declarava ser “inimigo da economia” [3], recusando a lógica de crescimento permanente que considerava incompatível com a temporalidade específica da criação. Esta posição revela uma consciência aguda das tensões entre valor artístico e valor comercial, tensão que alimenta diretamente a sua prática criativa.

Esta urgência manifesta-se primeiro na sua técnica. Brandl privilegia a espontaneidade do gesto, recusando as correções e arrependimentos que caracterizam frequentemente a pintura académica. As suas telas preservam a marca crua da sua elaboração, revelando um processo criativo orientado para a imediaticidade expressiva. Esta abordagem “zen”, segundo os seus próprios termos, visa captar a energia pura do ato criador antes que a reflexão o enfraqueça.

A urgência caracteriza também a sua relação com o mundo contemporâneo. As suas paisagens “pós-apocalípticas” não pertencem à ficção científica, mas testemunham uma lucidez ecológica aguda. Brandl declara sofrer pela destruição ambiental: “O que me preocupa desde sempre é a relação insensata com o meio ambiente num mundo totalmente industrializado e comercializado” [4]. Este sofrimento alimenta diretamente o seu imaginário plástico, gerando visões que oscilam entre a beleza pura e a catástrofe anunciada.

O artista desenvolve uma iconografia da sobrevivência que atravessa toda a sua obra. As suas hienas esculpidas, os seus cristais de montanha, as suas paisagens desoladas constituem tantos “testemunhos” de um mundo em mutação acelerada. Esta iconografia nunca desliza para o catastrofismo fácil, mas mantém uma tensão dialética entre destruição e regeneração, morte e renascimento. As cores incandescentes que atravessam as suas composições mais escuras testemunham uma vitalidade irreductível, uma força criadora que resiste à entropia geral.

A dimensão escultórica do seu trabalho revela particularmente esta estética da urgência. As suas criaturas híbridas nascem de um processo de metamorfose permanente: o gato indonésio usado para raspar a pintura transforma-se progressivamente numa criatura mitológica, depois em bronze perene. Esta alquimia revela uma concepção da arte como processo de sobrevivência simbólica, transformação da matéria bruta em forma significativa capaz de resistir ao tempo.

O legado de um mestre

Herbert Brandl deixa uma obra considerável que redefine as possibilidades da pintura contemporânea. O seu ensino na Academia de Düsseldorf, de 2004 a 2019, formou toda uma geração de artistas que perpetuam as suas investigações sobre a autonomia do gesto pictórico. A sua morte prematura em julho de 2025 interrompe abruptamente uma trajetória criativa ainda em plena evolução, como testemunhavam as suas últimas exposições em Viena e Graz.

O artista conseguiu a proeza de reconciliar a tradição pictórica com a experimentação contemporânea sem nunca ceder às facilidades do pastiche ou da provocação gratuita. As suas obras mantêm essa “ansiosa insegurança” que Otto Wagner já identificava nos artistas da Secessão, confrontados com a modernização acelerada da sua época. Brandl atualiza essa inquietação de final de século no contexto da globalização contemporânea, criando imagens que cristalizam as nossas angústias coletivas ao mesmo tempo que abrem espaços de pura beleza.

A sua abordagem da cor como “aumento da qualidade de vida” revela uma conceção humanista da arte que ultrapassa largamente as querelas estéticas contemporâneas. Brandl demonstra que a pintura conserva uma capacidade única para gerar sentido e emoção num mundo saturado de imagens digitais. Os seus quadros funcionam como “reservatórios” de intensidade sensível, espaços de resistência à aceleração geral do mundo contemporâneo.

A obra de Brandl impõe-se como uma das tentativas mais conseguidas da nossa época para repensar os fundamentos da pintura. Ao recusar a alternativa estéril entre abstração pura e figuração narrativa, o artista abre um caminho intermédio que revela as potencialidades inesgotáveis do meio pictórico. As suas criações testemunham uma fé inabalável na capacidade da arte para transformar a nossa relação com o mundo, não pela ilustração de teses pré-estabelecidas mas pela geração direta de experiências sensíveis inéditas.

O legado de Herbert Brandl reside nesta demonstração magistral de que a pintura continua a ser um território de exploração infinito, capaz de gerar formas de conhecimento inacessíveis a outros modos de expressão. A sua obra constitui um vibrante manifesto pela autonomia da arte e pela sua capacidade de revelar dimensões ocultas do real. Num mundo obcecado pela eficiência e pela rentabilidade imediata, Brandl recorda que certas verdades só se revelam através da lentidão contemplativa e da atenção às nuances mais subtis da percepção sensível.


  1. Pier Luigi Tazzi, “Herbert Brandl”, Artforum, crítica publicada por ocasião da exposição na Galerie Krinzinger, Viena, 1990.
  2. Herbert Brandl, citação retirada do site da Galerie nächst St. Stephan Rosemarie Schwarzwälder, Viena.
  3. Herbert Brandl, entrevista com Sandra Baierl, “Herbert Brandl, der Wirtschaftsfeind”, Kurier, 5 de dezembro de 2013.
  4. Herbert Brandl, entrevista com Susanne Rakowitz, “Es war wie eine Lähmung über allem”, Kleine Zeitung, 2021.
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Referência(s)

Herbert BRANDL (1959-2025)
Nome próprio: Herbert
Apelido: BRANDL
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Áustria

Idade: 66 anos (2025)

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