Ouçam-me bem, bando de snobs. Acham que conhecem a arte contemporânea porque leram três catálogos de exposições e visitaram a última Bienal de Veneza? Permitam-me apresentar-vos Jiří Georg Dokoupil, esse artista inatingível que, durante várias décadas, provoca os críticos, confunde os colecionadores e desafia toda categorização com uma insolência jubilosa.
Nascido em 1954 na Checoslováquia comunista, Dokoupil é um filho do exílio. Após a invasão soviética de 1968, a sua família fugiu para a Alemanha Ocidental. Este desenraizamento forçado talvez lhe tenha conferido essa capacidade extraordinária de nunca se fixar num estilo único. Desde os seus primeiros tempos com o grupo Mülheimer Freiheit na viragem dos anos 1980, Dokoupil cultiva uma abordagem radicalmente nómada à criação. Desenvolveu mais de sessenta séries, inventou mais de uma centena de técnicas pictóricas e vive hoje entre Berlim, Madrid, Rio de Janeiro, Praga, Plovdiv e Las Palmas. Um vagabundo artístico que recusa obstinadamente a etiqueta de estilo pessoal que o mercado de arte exige com tanta insistência.
A trajetória artística de Dokoupil assemelha-se estranhamente ao percurso do personagem principal em “A Insuportável Leveza do Ser” de Milan Kundera. Tal como Tomas, parece atormentado por este dilema existencial: a vida tem valor apenas na sua multiplicidade de experiências ou na fidelidade a um único caminho? A resposta de Dokoupil é clara: é preferível a exploração constante ao confinamento numa assinatura reconhecível. “Estou à procura do poder de fazer coisas novas constantemente, de descobrir novas perspetivas”, confessa ele. “Estou interessado em trabalhar com rupturas e contradições. Não queremos um novo estilo nem uma nova direção” [1].
Dokoupil pratica o que o filósofo Gilles Deleuze chamaria uma “linha de fuga” permanente, uma recusa obstinada em se deixar territorializar. A sua prática assemelha-se a um nomadismo conceptual que engana as expectativas do mercado e as classificações da história da arte. Tomemos como exemplo as suas famosas “Soap Bubble Paintings” (pinturas com bolhas de sabão), série que desenvolve desde 1992. Dokoupil mistura pigmentos em água com sabão, sopra bolhas que faz rebentar sobre a tela, criando assim formas orgânicas com cores vibrantes. O resultado é impressionante: galáxias microscópicas, universos celulares que parecem pulsar com vida própria. Estas obras transportam-nos simultaneamente ao infinitamente pequeno e ao infinitamente grande, como se Dokoupil tivesse capturado o Big Bang numa bolha de sabão.
“Misturo sabão com pigmento, depois sopro bolhas que faço rebentar na tela”, explica ele com uma simplicidade desconcertante. “Poder-se-ia dizer que a química produz imagens” [2]. Esta abordagem relembra as experimentações do cineasta experimental Stan Brakhage, que colava asas de borboleta e folhas secas diretamente no filme para criar explosões visuais psicadélicas. Tal como Brakhage, Dokoupil explora os limites do seu meio, integrando processos naturais e aleatórios na sua prática.
Nos últimos anos, Dokoupil começou a incorporar pinturas iridescentes usadas em carros nas suas composições de bolhas. As superfícies resultantes mudam de aspeto conforme o ângulo e a luz, metamorfoseando continuamente a obra. Esta dimensão cinética transforma o espectador num participante ativo. A obra só existe plenamente nesta relação dinâmica entre a superfície mutável e o olhar móvel do visitante.
Esta abordagem evoca certas teorias do cinema experimental, onde a perceção direta prevalece sobre a narrativa. Como escrevia Gene Youngblood em “Expanded Cinema” (1970), “a arte não é uma coisa que se aprecia, mas um estado de ser que se experimenta”. As pinturas de bolhas de Dokoupil encarnam perfeitamente esta concepção: elas não representam nada, são eventos visuais puros.
Mas reduzir Dokoupil às suas pinturas de bolhas seria um erro monumental. O artista inventou inúmeras técnicas, cada qual mais surpreendente que a anterior. As suas “Peintures à la suie” (pinturas a fuligem) são feitas segurando uma vela sob uma tela suspensa no teto, a chama enegrecendo a superfície conforme uma imagem projetada. Numa reviravolta irónica, Dokoupil transforma um processo de destruição (a combustão) num ato criativo.
Nas suas “Tire Paintings” (pinturas de pneus), faz rolar pneus cobertos de tinta sobre telas, criando traços que evocam ora autoestradas vistas do céu, ora escritas automáticas. Com as suas “Whip Paintings” (pinturas com chicote), projeta tinta na tela com um chicote de cowboy, combinando a gestualidade do expressionismo abstrato a uma dimensão performativa quase sadomasoquista.
A sua série “Mother’s Milk Paintings” (pinturas com leite materno) leva a experimentação ainda mais longe: Dokoupil pinta com leite materno na tela e depois cozinha a superfície até o leite caramelizar. O resultado evoca cartografias antigas, pergaminhos amarelecidos pelo tempo. Esta alquimia pictórica transforma uma substância nutritiva numa obra de arte, jogando com as conotações simbólicas do leite materno e explorando as suas propriedades químicas.
Em 2024, para a sua exposição “Venetian Bubbles” na Biblioteca Nazionale Marciana de Veneza, Dokoupil ultrapassou uma nova fronteira criando as suas primeiras esculturas em vidro, extensões tridimensionais das suas pinturas de bolhas. Sete estruturas metálicas em forma de suporte para garrafas são adornadas com bolhas de cristal de várias tonalidades, capturando o instante efémero em que uma bolha alcança a sua plenitude antes de rebentar. “Através disto, Dokoupil desafia o impossível: preservar a beleza de uma bolha de sabão no seu apogeu, congelada no tempo”, nota um crítico [3].
Essa obsessão pela transmutação da matéria não deixa de lembrar as investigações dos alquimistas medievais. Como eles, Dokoupil procura transformar substâncias ordinárias em ouro visual. Mas, ao contrário dos alquimistas que perseguiam um objetivo único (a pedra filosofal), Dokoupil multiplica as vias de exploração, recusando-se a se fechar numa busca única. Sua prática é a de um alquimista herege que não acredita na solução definitiva, mas na proliferação infinita das experimentações.
Essa dimensão alquímica do seu trabalho nos remete ao conceito de bricolagem desenvolvido pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss. O bricoleur, segundo Lévi-Strauss, é aquele que trabalha com “os meios disponíveis”, usando ferramentas e materiais heterogêneos para resolver problemas práticos. Em oposição ao engenheiro que projeta sistemas coerentes, o bricoleur improvisa e adapta. Dokoupil é precisamente esse tipo de artista: um bricoleur genial que desvia materiais cotidianos para criar imagens surpreendentes.
Essa abordagem é particularmente evidente na sua série “Arrugadist Paintings”, inspirada nas batatas enrugadas (papas arrugadas) típicas das Ilhas Canárias. Dokoupil aplica pintura sobre uma superfície que deixa deliberadamente rachar ao secar, criando texturas que evocam peles murchas. Esse processo transforma uma imperfeição técnica (o rachado) em princípio estético, invertendo os valores tradicionais da pintura.
O crítico de arte Rainer Crone observou com pertinência essa dimensão do trabalho de Dokoupil: “Sugiro que a última dessas pinturas mencionadas, bem como a pintura mais direta, bastante mais impactante e insistente intitulada ‘Die unheilbare Metamorphose des russichen Volke’ (A metamorfose incurável do povo russo), são resultados diretos da imposição da lei marcial na Polónia em 13 de dezembro de 1981” [4]. Essa observação revela a dimensão política subjacente da obra de Dokoupil, geralmente mascarada pelas suas experimentações formais.
Mas essa leitura política não esgota o significado da obra. O próprio Dokoupil mantém uma relação ambígua com a interpretação do seu trabalho. “Cito frequentemente a história da arte em resposta a uma necessidade momentânea. Uso-a como se fosse uma linguagem convencional encontrada. A esse respeito, os meus interesses são muito voláteis. Escorrego para outro papel e é isso que sou então”, afirma [5]. Essa fluidez identitária lembra o conceito de “mascarada” desenvolvido pela teórica feminista Joan Riviere, para quem a identidade nunca é mais que uma performance, um papel que se assume temporariamente.
A atitude de Dokoupil relativamente à história da arte é ao mesmo tempo reverente e irreverente. Ele conhece intimamente os códigos e referências, mas os manipula com uma liberdade insolente. Como quando apresentou na Documenta 7 de Kassel em 1982 uma obra intitulada “God, show me your balls”, uma homenagem irónica às pinturas de Julian Schnabel compostas por pratos partidos. Schnabel, não tendo sido convidado para essa edição da Documenta, Dokoupil deliberadamente copiou o seu estilo para permitir-lhe estar “presente” apesar da sua ausência.
Esta anedota revela a dimensão profundamente subversiva do trabalho de Dokoupil. Ele não se limita a desafiar as convenções estéticas, questiona a própria noção de autor e originalidade. Num contexto artístico obcecado pela assinatura e pelo estilo reconhecível, Dokoupil propõe uma prática fundada na metamorfose perpétua. “Nada é mais enfadonho do que estar sempre a fazer de Napoleão”, declara ele [6]. Esta frase resume na perfeição a sua filosofia: é melhor explorar múltiplas identidades artísticas do que aprisionar-se num único papel.
Esta abordagem camaleónica não deixa de causar problemas aos mercadores de arte e colecionadores. O artista conta como Mary Boone, depois de o ter exposto com entusiasmo, se afastou dele quando este mudou radicalmente de estilo. Mesmo Leo Castelli, lendário pela sua abertura de espírito, acabou por se cansar das suas metamorfoses incessantes. Apenas Bruno Bischofberger, histórico marchand de Andy Warhol, manteve-se fiel a Dokoupil durante décadas, compreendendo a coerência paradoxal da sua incoerência.
Mas esta liberdade estilística tem um preço. Ao contrário dos seus contemporâneos como Julian Schnabel ou Anselm Kiefer, Dokoupil nunca foi plenamente integrado no panteão da arte contemporânea. A sua resistência à categorização tornou-o difícil de “vender” como uma marca coerente. Como observou o crítico Morgan Falconer: “Uma das principais acusações que sempre lhe foi feita é a falta de substância e seriedade” [7].
Esta acusação é profundamente injusta. A aparente leveza de Dokoupil oculta uma reflexão profunda sobre as condições de produção da arte na era pós-moderna. A sua prática multifacetada questiona as noções de autenticidade, originalidade e autoridade artística que o mercado considera adquiridas. Neste sentido, ele é menos um artista frívolo e mais um pensador visual que compreendeu que a melhor forma de criticar o sistema é constantemente o subverter.
A sua postura recorda a dos dandis do século XIX, aquelas figuras que faziam da própria vida uma obra de arte. Como escrevia Charles Baudelaire: “O dandismo nem é, como muitas pessoas pouco reflexivas parecem acreditar, um gosto excessivo pela toilette e pela elegância material. Estas coisas são para o dândi perfeito apenas um símbolo da superioridade aristocrática do seu espírito”.
Dokoupil transpôs essa atitude para o campo da arte contemporânea. As suas múltiplas residências, técnicas improváveis, estilos contraditórios são manifestações de uma liberdade aristocrática do espírito que recusa as restrições do mercado e as categorização da história da arte.
A contribuição maior de Jiří Georg Dokoupil para a arte contemporânea reside talvez menos nas suas inovações técnicas, por mais impressionantes que sejam, do que na sua capacidade de manter uma liberdade criativa num sistema cada vez mais normalizado. Numa época em que os artistas são incentivados a desenvolver uma “marca” reconhecível, Dokoupil lembra-nos que a verdadeira arte nasce muitas vezes da ruptura e da contradição.
Para usar as palavras do próprio artista: “Vejo a história da arte de forma totalmente deformada. Não posso evitar, mas para mim é uma história materialista de muitas invenções racionais” [8]. Esta visão “deformada” é precisamente o que faz a singularidade de Dokoupil. Ele não contempla a história da arte com reverência, mas manipula-a como um material maleável, extraindo livremente para alimentar as suas experimentações.
Então, da próxima vez que se deparar com uma das suas obras num museu ou numa galeria, não tente relacioná-la com uma corrente ou estilo específico. Aceite antes ficar desconcertado, surpreendido, talvez mesmo irritado. Pois é precisamente nessa zona de desconforto que Dokoupil atua, recordando-nos que a arte digna desse nome deve sempre desestabilizar-nos, nunca confortar-nos nas nossas certezas.
Como as bolhas de sabão que estoura nas suas telas, a obra de Dokoupil é ao mesmo tempo efémera e persistente, lúdica e profunda, simples e complexa. Captura a própria essência da nossa época: instável, mutável, recusando qualquer definição fixa. Uma obra que, tal como o seu criador, prefere a metamorfose perpétua à estagnação reconfortante do estilo.
- Dokoupil, em “Arte Alemã, aqui hoje” (entrevista com Wolfgang Max Faust), em Kunstforum, dezembro de 1981 / janeiro de 1982.
- Jiří Georg Dokoupil em entrevista para Frame Web, 2015.
- “O Efémero Capturado em Bolhas”, Market Art Fair, abril de 2025.
- Rainer Crone, “Jiri Georg Dokoupil: O Cérebro Aprisionado”, Artforum, março de 1983, vol. 21, nº 7.
- Dokoupil, em “Arte Alemã, aqui hoje” (entrevista com Wolfgang Max Faust), em Kunstforum, dezembro de 1981 / janeiro de 1982.
- Entrevista de Jiří Georg Dokoupil por Cornelius Tittel, 032c Magazine, agosto de 2012.
- Morgan Falconer, “Jiri Georg Dokoupil”, Frieze, 11 de novembro de 2002.
- Entrevista de Jiří Georg Dokoupil por Cornelius Tittel, 032c Magazine, agosto de 2012.
















