Ouçam-me bem, bando de snobs. Se pensam que Joseph Kosuth (nascido em 1945) é apenas um artista que se diverte a fotografar cadeiras e a escrever definições de dicionário nas paredes, estão muito enganados. Este pioneiro da arte conceptual americana, que abalou as próprias fundações da arte tradicional, merece que se detenha a atenção no seu percurso intelectual com a seriedade que merece.
Deixem-me contar como este jovem de Toledo, Ohio, se tornou um dos artistas mais influentes da sua geração. Com apenas vinte anos, cria “One and Three Chairs”, uma obra que se tornaria emblemática da arte conceptual. Uma simples cadeira de madeira, a sua fotografia em tamanho real e a definição da palavra “cadeira” retirada do dicionário. É tudo. Mas não se deixem enganar, esta aparente simplicidade esconde uma reflexão profunda sobre a própria natureza da arte e da representação.
Kosuth transforma conceitos filosóficos complexos em experiências visuais acessíveis. Tomemos como exemplo esta cadeira tristemente famosa. Ao apresentar três manifestações diferentes do mesmo objeto, não está apenas a brincar com a nossa percepção, está a obrigar-nos a questionar a própria natureza da representação e da realidade. A cadeira física, a sua fotografia e a sua definição textual não são simplesmente três formas de representar o mesmo objeto, mas três modos distintos de existência e significado.
Esta abordagem inspira-se diretamente na filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein, para quem as palavras só têm significado no seu uso. Kosuth leva esta reflexão mais longe ao sugerir que a própria arte só tem significado no seu contexto conceptual. É como se Platão e a sua teoria das formas encontrassem Andy Warhol num seminário de filosofia analítica. A cadeira deixa de ser simplesmente um objeto, tornando-se um vetor de reflexão sobre a própria natureza da representação e do significado.
Na sua série revolucionária “Art as Idea as Idea”, Kosuth radicaliza ainda mais a sua abordagem. Ao simplesmente reproduzir definições de dicionário a preto e branco, elimina qualquer traço da estética tradicional. Estes fotocópias de definições, apresentadas como obras de arte, constituem uma provocação intelectual maior. Questionam não só a natureza da arte como também o seu modo de produção e receção.
O que me diverte é que alguns críticos da altura acusaram Kosuth de ser demasiado intelectual, demasiado cerebral. Esses mesmos críticos que se extasiavam diante de telas abstratas sem se questionarem sobre o seu significado, acharam de repente que a arte conceptual era demasiado exigente. Que ironia! Como se a reflexão intelectual fosse incompatível com a experiência artística.
A relação de Kosuth com a linguagem é particularmente fascinante. Nas suas instalações de néon, ele usa as palavras não como simples portadoras de sentido, mas como objetos visuais por si mesmos. “Five Words in Blue Neon” (1965) é um exemplo perfeito desta abordagem. As palavras escritas em néon azul dizem exatamente o que são: cinco palavras em néon azul. Esta aparente tautologia esconde uma reflexão profunda sobre a natureza autorreferencial da arte.
O seu ensaio fundamental “Art After Philosophy” (1969) desenvolve esta reflexão de forma teórica. Para Kosuth, a arte assumiu o lugar da filosofia como modo de questionar a natureza da realidade e do significado. Ele afirma que desde Marcel Duchamp, toda a arte é conceptual por natureza, pois a arte existe apenas conceptualmente. Esta posição radical influenciou gerações de artistas e continua a ressoar na arte contemporânea.
A década de 1970 marca uma viragem na sua prática. Kosuth começa a estudar antropologia e filosofia na New School for Social Research, em Nova Iorque. Este período vê o seu trabalho enriquecer-se com novas perspetivas teóricas. Ele interessa-se especialmente pelas estruturas de poder que regem o mundo da arte e pela forma como o sentido é produzido e controlado na sociedade.
A sua instalação “Text/Context” (1979) ilustra perfeitamente esta evolução. Ao colocar citações filosóficas em painéis publicitários, cria um diálogo inesperado entre o pensamento puro e o espaço público comercial. Esta obra não se limita a questionar a natureza da arte, também interroga o seu lugar na sociedade e a sua relação com o poder económico.
A influência de Jacques Derrida e da sua teoria da desconstrução torna-se também visível no seu trabalho. Para Derrida, o sentido nunca é fixo, está sempre em movimento, sempre diferido. As instalações de néon de Kosuth materializam esta ideia. As palavras brilham como pensamentos fugazes na noite da nossa consciência, o seu sentido em constante fluxo.
A sua prática artística caracteriza-se também pelo uso sofisticado do espaço. Nas suas instalações, o texto não está simplesmente pendurado na parede como uma pintura, faz parte integrante do ambiente. As palavras em néon criam o seu próprio espaço luminoso, transformando a galeria num local de reflexão literal e metafórica.
A instalação permanente no Louvre, “Ni apparence ni illusion” (2009), ilustra magistralmente esta abordagem. Os textos em néon branco, instalados nas fundações medievais do museu, criam um diálogo fascinante entre a história e a contemporaneidade. As palavras luminosas refletem-se nas pedras antigas, criando um contraste impressionante entre a materialidade bruta do passado e a imaterialidade conceptual do presente. Esta obra monumental demonstra a capacidade de Kosuth para transformar um espaço histórico num lugar de reflexão filosófica.
Nas décadas de 1980 e 1990, Kosuth continuou a explorar a linguagem e o sentido através de instalações cada vez mais ambiciosas. Começou a integrar citações de autores variados nas suas obras, criando redes complexas de significados. Estes textos, muitas vezes apresentados em néon ou vinil sobre paredes pintadas de cinzento escuro, constituem uma espécie de cartografia do pensamento contemporâneo.
Mas o que verdadeiramente distingue Kosuth é que ele mantém uma coerência intelectual ao longo de toda a sua carreira. Enquanto muitos artistas conceptuais se deixaram seduzir pelas sirenes do mercado de arte, ele permaneceu fiel à sua visão original. Num mundo da arte dominado pelas modas e tendências efémeras, conseguiu manter uma linha de investigação coerente durante mais de cinquenta anos. O seu trabalho continua a questionar a natureza da arte e a sua relação com a linguagem e o pensamento, e recorda-nos que a arte conceptual não é uma simples moda dos anos 1960, mas uma abordagem ainda pertinente para interrogar a nossa relação com o mundo.
A instalação “A Conditioning of Consciousness” (1988) é particularmente reveladora desta abordagem. Ao justapor citações de diferentes filósofos com imagens de arquivo, Kosuth cria um dispositivo complexo que nos obriga a refletir sobre a forma como a nossa consciência é condicionada pela linguagem e pelas imagens. É um verdadeiro labirinto conceptual onde cada elemento remete para outro numa cadeia infinita de significados.
O que me agrada em Kosuth é que ele torna o complexo acessível sem o simplificar. As suas obras funcionam como portas de entrada para reflexões mais profundas. Pode apreciá-las em diferentes níveis: pela sua beleza formal, pelo seu jogo intelectual ou pela sua crítica social e institucional. É essa multiplicidade de leituras possíveis que torna o seu trabalho rico.
Nos anos 2000, Kosuth continuou a surpreender-nos com projectos monumentais como a sua comissão para o Bundestag alemão. Esta instalação, que integra textos de Thomas Mann e Ricarda Huch, transforma o espaço político num lugar de reflexão sobre a democracia e o poder. É um exemplo perfeito de como a arte conceptual pode intervir no espaço público e contribuir para o debate político.
A grande força de Kosuth reside na sua capacidade de criar obras que resistem ao tempo. Ao contrário de tantos artistas conceptuais cujo trabalho parece datado hoje, as suas instalações continuam a interpelar-nos. Elas convidam-nos a refletir sobre questões fundamentais: o que é a arte? Como é produzido o sentido? Qual é a relação entre a linguagem e a realidade?
O seu trabalho recente mostra uma evolução subtil mas significativa. As instalações tornam-se mais complexas, integrando vários níveis de leitura e referência. Os textos já não são simplesmente apresentados como definições ou citações, mas entrelaçam-se em composições sofisticadas que criam novas redes de sentido.
A exposição “A Short History of My Thought” (2017) na Anna Schwartz Gallery em Melbourne é emblemática dessa abordagem. Reunindo obras de diferentes períodos, permite ver como as preocupações iniciais de Kosuth sobre a natureza da arte e da linguagem se enriqueceram ao longo do tempo, permanecendo fiéis à sua impulsão original.
E enquanto alguns se extasiam diante de NFTs sem substância, Kosuth continua tranquilamente sua exploração do sentido e do nonsense na arte. Ele nos mostra que é possível fazer uma arte intelectualmente exigente sem cair no hermetismo ou elitismo. Suas obras nos convidam a pensar, mas também nos deixam a liberdade de interpretar e sentir.
Na próxima vez que vir uma obra de Kosuth, não se contente em apenas olhar, pense nela. Deixe as palavras ressoarem em sua mente. Deixe-se levar pelo jogo dos significados. Pois é aí que reside a verdadeira beleza de seu trabalho: na sua capacidade de nos fazer ver além das aparências, de nos fazer pensar além das evidências. Não é esse o verdadeiro papel da arte conceptual?
Joseph Kosuth nos lembra que a arte não é apenas uma questão de formas e cores, mas de produção de sentido. Sua obra é um convite constante à reflexão, um desafio aos nossos hábitos de pensamento, uma revisão das nossas certezas sobre a natureza da arte e da realidade. Seu trabalho permanece como um farol que nos guia para questões mais essenciais.
















