Ouçam-me bem, bando de snobs, Lauren Quin pinta como se cada pincelada carregasse em si a carga elétrica de uma revelação. Na imensidão vegetal do seu ateliê em Culver City, onde prosperam seis palmeiras gigantes numa antiga viveiro, esta artista de trinta e três anos desenvolve uma pintura abstrata que recusadamente rejeita qualquer forma de resolução. As suas telas monumentais, por vezes largas de quatro metros e cinquenta, transbordam uma energia cromática que parece desafiar as leis da física visual. Estas obras não se limitam a ocupar o espaço; elas devoram-no, transformando-o num território onde a perceção oscila entre ordem e caos.
O processo criativo de Lauren Quin revela uma abordagem metodológica que evoca estranhamente a concepção bergsoniana da duração. Henri Bergson distinguia a duração vivida do tempo mecanizado da ciência, contrapondo a experiência qualitativa do tempo à sua medida quantitativa [1]. Quando Quin sobrepõe os seus “tubos” de tinta em camadas sucessivas, depois os grava com uma faca de manteiga antes que a matéria seque, ela inscreve na obra mesma essa temporalidade particular que Bergson chamava de duração real. Cada gesto pictórico traz consigo a marca da sua urgência temporal, criando o que a artista descreve como um processo “atlético” ditado pela passagem do tempo. Esta abordagem revela uma compreensão intuitiva do que Bergson chamava a “sucessão sem distinção absoluta”, onde cada momento interpenera o seguinte num fluxo contínuo.
A técnica de Quin articula-se em torno de um paradoxo temporal interessante: ela começa por criar deliberadamente algo que qualifica de insatisfatório, para depois o cobrir inteiro e revelá-lo por subtração. Este método de acumulação e escavação simultâneas evoca a concepção bergsoniana da memória pura, essa camada profunda da consciência onde o passado coexiste com o presente sem nunca se reduzir a ele. Quando grava os seus motivos repetitivos na tinta ainda húmida, Quin faz aflorar estratos anteriores que criam um efeito de moiré óptico, transformando a superfície num testemunho visual onde cada camada dialoga com as outras numa temporalidade estratificada.
Esta abordagem estratificada do tempo pictórico encontra um eco notável na análise bergsoniana da consciência. Para Bergson, a consciência nunca era um estado fixo mas um processo de interpénétração contínua entre presente e passado, onde cada momento se enriquece com a memória de todos os anteriores [2]. As pinturas de Quin materializam esta concepção: os seus “tubos” coloridos nunca são idênticos de uma ocorrência para outra, modificam-se conforme a sua posição na composição geral, criando aquilo que ela nomeia uma “multiplicidade competitiva” onde cada elemento luta pela atenção sem nunca dominar definitivamente. Esta batalha visual permanente gera uma temporalidade específica, a de um presente perpetuamente em processo de se constituir a partir das suas próprias contradições internas.
A utilização que Quin faz da monoimpressão litográfica desde o verso da tela adiciona uma dimensão adicional a essa temporalidade complexa. Trabalhando às cegas, sem ver diretamente os efeitos dos seus gestos, ela introduz uma parte de imprevisibilidade que lembra a abordagem bergsoniana do ímpeto vital. Essa técnica cria acidentes controlados que vêm perturbar a organização pré-estabelecida da superfície, gerando zonas de iridescência onde a luz parece emanar da própria matéria. Essas intervenções cegas funcionam como interrupções temporais que quebram a lógica causal tradicional e introduzem o que Bergson chamava de novidade radical, essa capacidade do tempo de produzir algo verdadeiramente inédito.
A relação de Quin com a cor revela também uma compreensão profunda das questões temporais. Ela privilegia tonalidades “competitivas” que se recusam a estabilizar-se num equilíbrio harmonioso, criando tensões cromáticas que mantêm o olhar em um estado de alerta permanente. Essa instabilidade colorista evoca a conceção bergsoniana da perceção como um processo ativo: nunca percebemos passivamente, mas reconstituímos continuamente a nossa visão do mundo a partir dos dados sensoriais que filtramos segundo os nossos interesses vitais. As cores de Quin funcionam segundo essa lógica: obrigam o observador a reconstruir perpetuamente a sua perceção da obra, proibindo qualquer leitura definitiva.
A influência da técnica do fluxo de consciência literária na arte contemporânea encontra na obra de Quin uma tradução plástica particularmente convincente. Essa técnica narrativa, desenvolvida por Virginia Woolf e James Joyce no início do século XX, procurava reproduzir o fluxo ininterrupto do pensamento consciente com suas associações livres, suas repetições e suas mudanças bruscas de direção [3]. As pinturas de Quin operam segundo uma lógica semelhante: apresentam um fluxo visual contínuo onde as formas aparecem, transformam-se e desaparecem segundo uma lógica associativa em vez de narrativa. Essa abordagem revela uma parentela profunda com a estética modernista que buscava dar conta da experiência subjetiva do tempo em vez de sua medida objetiva.
A repetição obsessiva dos motivos em Quin evoca a técnica woolfiana da variação temática. Em “Mrs Dalloway”, Virginia Woolf usava leitmotifs recorrentes, os sinos do Big Ben, as reflexões sobre o tempo que passa, para criar uma unidade temporal complexa onde passado e presente se entrelaçam [4]. De maneira análoga, Quin desenvolve um vocabulário de formas recorrentes, mãos, aranhas, agulhas, címbalos, que ela repete e transforma de uma obra para outra. Esses motivos funcionam como âncoras memoriais que permitem ao observador navegar na complexidade visual enquanto mantém uma sensação de familiaridade inquietante.
A técnica narrativa do fluxo de consciência procurava também abolir a distinção tradicional entre discurso direto e indireto, criando um espaço narrativo ambíguo onde os pensamentos do narrador e os das personagens se misturam. Quin opera uma transformação semelhante ao confundir as fronteiras entre figura e fundo, entre marca aditiva e subtrativa. As suas gravuras na pintura fresca criam espaços negativos que se tornam tão presentes visualmente quanto as zonas de cor pura, gerando uma ambiguidade perceptual que mantém o observador num estado de incerteza produtiva.
Esta estética da ambiguidade revela uma compreensão profunda das questões psicológicas da perceção. Tal como os escritores do fluxo de consciência, Quin interessa-se menos pelo que é mostrado do que pela forma como isso é percebido. As suas obras não representam nada identificável, mas geram estados perceptivos particulares, qualidades de atenção que modificam a nossa relação com o tempo e o espaço. Esta abordagem insere-se na tradição modernista que privilegiava a exploração dos mecanismos da consciência em detrimento da descrição do mundo exterior.
A escala monumental de muitas das obras de Quin desempenha um papel importante nesta estratégia perceptiva. Ao ultrapassarem largamente o campo de visão normal, estas pinturas obrigam o espetador a deslocar-se fisicamente para as apreender, introduzindo uma dimensão temporal no próprio ato de olhar. Esta temporalização da visão evoca as análises bergsonianas da perceção como um processo dilatado no tempo. Para Bergson, nunca percebemos instantaneamente, mas reconstituímos a nossa visão do mundo através do acumular progressivo de impressões sensoriais que se sintetizam na memória imediata.
O título “Logopanic” da exposição de 2024 na 125 Newbury revela uma consciência aguda das questões linguísticas da abstração. Este neologismo, formado a partir dos termos gregos “logos” (palavra) e “penia” (pobreza), evoca uma angústia perante o colapso dos sistemas de significado. Esta dimensão metalinguística aproxima Quin das preocupações modernistas sobre a crise da linguagem e a necessidade de inventar novas formas de expressão. As suas pinturas funcionam como uma linguagem visual em perpétua transformação, onde os signos se dissolvem no momento mesmo em que parecem constituir-se.
Esta instabilidade semiótica cria uma temporalidade particular, a da emergência perpétua do sentido. As obras de Quin mantêm o observador num estado de espera produtiva, essa tensão cognitiva que Bergson identificava como característica da consciência viva. Recusam a gratificação imediata do reconhecimento para manter ativa esta faculdade de atenção que Bergson considerava a essência da vida mental.
A abordagem de Quin revela também uma compreensão intuitiva do que Bergson chamava a interpenetração mútua dos estados de consciência. Nas suas pinturas, nenhum elemento existe isoladamente; cada forma, cada cor, cada textura entra em ressonância com o todo segundo uma lógica de influência recíproca. Esta abordagem holística gera efeitos visuais que superam largamente a soma dos seus componentes, criando o que a artista descreve como “explosões controladas” onde a energia parece emanar da matéria pictórica em si.
A influência de Los Angeles na evolução cromática de Quin é também particularmente interessante. A artista afirma que cada regresso a esta cidade faz “explodir” a sua paleta cromática, revelando uma sensibilidade particular às qualidades atmosféricas da luz californiana. Esta relação com o ambiente luminoso evoca as análises bergsonianas da perceção como processo de adaptação contínua às condições exteriores. A cor, em Quin, nunca funciona como mera decoração, mas como reveladora de um estado particular de consciência, gerando qualidades específicas de atenção que modificam a nossa relação com o tempo e o espaço.
A arte de Lauren Quin revela finalmente uma compreensão notável dos desafios contemporâneos da pintura abstrata. Ao recusar tanto o expressionismo gestual quanto o minimalismo conceptual, ela desenvolve uma via intermédia que reabilita a complexidade perceptiva sem cair na sobrecarga decorativa. As suas obras funcionam como máquinas para produzir tempo vivido, geradores de estados de consciência particulares que revelam a riqueza insuspeitada da experiência visual. Num contexto artístico frequentemente dominado pela imediaticidade espectacular, Quin propõe uma estética da duração que retoma as ambições mais elevadas da arte modernista ao mesmo tempo que as adapta às condições contemporâneas.
- Henri Bergson, Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, Paris, Félix Alcan, 1889
- Henri Bergson, Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, Paris, Félix Alcan, 1896
- Virginia Woolf, “Ficção Moderna”, The Common Reader, Londres, Hogarth Press, 1925
- Virginia Woolf, Mrs Dalloway, Londres, Hogarth Press, 1925
















