Ouçam-me bem, bando de snobs. Aqui está uma artista que merece que se pare, que se olhe, que se compreenda finalmente o que significa verdadeiramente pintar a história em 2025. Lubaina Himid não é uma artista como as outras. Ela é uma cartógrafa do invisível, uma contadora que reinventa os códigos da representação para dar corpo àquelas que foram apagadas dos relatos oficiais.
Nascida em Zanzibar em 1954, emigrada para a Grã-Bretanha aos quatro meses, Himid traz em si essa experiência fundamental do deslocamento que irriga toda a sua obra. Licenciada em design teatral pelo Wimbledon College of Art em 1976, e depois com um mestrado em história cultural pelo Royal College of Art em 1984, desenvolve uma abordagem única onde a cenografia encontra a pintura histórica. Pois é exactamente disso que se trata: Himid reinventa a pintura histórica, esse género nobre por excelência da arte ocidental, para inscrever as figuras esquecidas da diáspora africana.
A arquitetura da memória coletiva
O seu percurso como artista-curadora nos anos 1980 revela uma consciência aguda das questões de representação. Com exposições como “The Thin Black Line” no Institute of Contemporary Arts de Londres em 1985, ela não se limita a mostrar: constrói um espaço de visibilidade para as artistas negras britânicas. Esta dimensão curatoral do seu trabalho não é acessória; estrutura o seu pensamento artístico como um verdadeiro projecto arquitectónico.
A arquitectura, justamente, constitui o primeiro fio conceptual que atravessa a obra de Himid. Mas não se trata da arquitectura monumental dos edifícios de poder. Não, Himid interessa-se por uma arquitectura do íntimo e do quotidiano, aquela que organiza os espaços de vida e de sobrevivência. As suas instalações como “Naming the Money” (2004) transformam o espaço de exposição num teatro da memória, onde cem silhuetas recortadas encarnam os africanos reduzidos a escravos nos pátios europeus do século XVIII. Cada figura tem um nome, uma identidade, uma função: adestrador de cães, fabricante de brinquedos, cartógrafa, mestra de dança, musicista, pintora. A artista devolve uma arquitectura narrativa a estas existências pulverizadas pela História oficial.
Esta abordagem arquitectónica da memória encontra a sua expressão mais desenvolvida nas suas recentes “strategy paintings” expostas em “Make Do and Mend” em 2024. Estas telas retratam figuras negras sentadas à volta de mesas, manipulando pequenos objectos que representam recursos, territórios, populações inteiras. A arquitectura aqui torna-se a do poder: quem tem direito a sentar-se à mesa? Quem fica de pé? Quem decide o destino dos outros? Em “Bitter Battles” (2023), os limões dispostos na mesa sob diferentes dispositivos, gaiolas, suportes e espaços nus, revelam as hierarquias invisíveis que estruturam as nossas sociedades. Himid desmonta assim a arquitectura do poder para revelar os mecanismos mais perniciosos.
O espaço doméstico ocupa também um lugar central nesta reflexão arquitetónica. As suas pinturas recentes, como a série “How May I Help You?” (2025), representam vendedores ambulantes nas suas interações quotidianas com os compradores. Estas cenas aparentemente triviais revelam, na realidade, uma geografia complexa das relações sociais, uma arquitetura invisível dos poderes que se exercem no espaço público. “Estou absolutamente obcecada pelo ato quotidiano de comprar e vender coisas comuns”, confessa a artista [1]. Esta obsessão revela uma compreensão profunda de como a arquitetura social se desenrola nos gestos mais simples.
A influência do seu percurso em design teatral transparece nesta abordagem espacial. Himid concebe as suas exposições como encenações onde o espetador se torna ator. A exposição de 2021 na Tate Modern foi explicitamente pensada como “uma sequência de cenas concebidas para colocar os visitantes no centro do palco e nos bastidores” [2]. Esta dramaturgia do espaço revela uma compreensão arquitetónica da arte como experiência imersiva e transformadora.
Mas a arquitetura em Himid não se limita à organização do espaço físico. Estrutura também a temporalidade das suas obras. As suas pranchas pintadas, esses formatos verticais que evocam as barras de medição na música, criam um ritmo visual que organiza o espaço expositivo como uma partitura. Na série “Aunties” (2023), sessenta e quatro pranchas de madeira encontradas perto do seu atelier formam uma constelação de presenças femininas que redefine a arquitetura tradicional da galeria. Estas “tias”, figuras tutelares de muitas culturas não europeias, criam um espaço de intimidade e proteção no coração da instituição artística.
Os territórios flutuantes da poesia
O outro conceito que permeia a obra de Himid pertence à poesia, não como género literário, mas como uma modalidade particular da relação com a linguagem e a imagem. Himid desenvolve uma poética visual que procede por condensação, metáfora e deslocamento, três operações fundamentais da escrita poética aplicadas ao campo plástico.
Primeiro, a condensação. Nas suas telas, cada elemento carrega uma carga simbólica máxima. Os tecidos que ela integra nas suas pinturas nunca são puramente decorativos: transportam consigo memórias familiares, tradições têxteis, códigos culturais. “Os motivos e as roupas são importantes nas minhas pinturas. Os vestidos são um meio para as mulheres mostrarem a sua personalidade umas às outras e ao espetador”, explica ela sobre “Between the Two my Heart is Balanced” [3]. Esta condensação poética transforma cada fragmento têxtil numa sinédoque de toda uma cultura.
Depois, a metáfora. A obra de Himid funciona por deslizes metafóricos constantes. Em “The Carrot Piece”, a cenoura empunhada por um homem branco perante uma mulher negra que se afasta torna-se metáfora das falsas promessas de reconhecimento dirigidas aos artistas negros. Na série “Le Rodeur” (2016), o navio negreiro metamorfoseia-se em espaço de resistência e criação. Estes deslocamentos metafóricos revelam um pensamento poético que recusa a literalidade para privilegiar a polissemia.
Por fim, o deslocamento. Himid opera constantes deslocamentos temporais nas suas obras. “As personagens nem sempre estão na mesma zona temporal ou histórica”, precisa ela. “Elas cruzam-se através do tempo e falam entre si (e consigo) sobre como o passado contém indícios para o presente e é um lugar de ação potencial” [4]. Esta temporalidade flutuante caracteriza o pensamento poético que rejeita a cronologia linear em favor de uma temporalidade estratificada.
Esta abordagem poética encontra a sua expressão mais requintada na sua colaboração com Magda Stawarska, sua companheira e colaboradora artística. A instalação deles “Slightly Bitter” (2025) em Kettle’s Yard explora a correspondência fragmentada entre a escritora Sophie Brzeska e a artista Nina Hamnett no início do século XX. Esta obra procede por montagem poética, juntando sons, pinturas, objetos encontrados e postais para ressuscitar uma relação apagada pela História. “Esta instalação não é um documentário, trata de conversas, traduções e trocas”, explica Himid. Esta poética da marca e do fragmento revela uma sensibilidade profundamente moderna à descontinuidade da experiência histórica.
A dimensão sonora desta colaboração com Stawarska enriquece consideravelmente a poética visual de Himid. As composições sonoras de Stawarska não funcionam como simples acompanhamento, mas como contraponto poético às imagens pintadas. Em “Naming the Money”, as vozes que pronunciam os nomes africanos e europeus das figuras representadas criam uma polifonia memorial que multiplicam a carga emocional da instalação. Esta sinergia entre som e imagem revela uma compreensão poética da arte como arte total.
A poética de Himid alimenta-se também do seu fascínio pelos objetos do quotidiano transfigurados pela pintura. As suas cerâmicas pintadas da série “Swallow Hard: the Lancaster Dinner Service” (2007) transformam a louça doméstica em suporte de memória histórica. Estes pratos ornados com motivos que evocam o tráfico negreiro subvertem a função decorativa da porcelana para a tornar um meio crítico. Esta poética da transfiguração revela uma sensibilidade particular à dimensão mágica da arte.
O uso da cor por Himid também pertence a uma poética particular. Os seus amarelos vibrantes, vermelhos profundos, azuis intensos não procuram a verosimilhança, mas a intensidade expressiva. Como notou o crítico Fred Moten, a sua “celebração da cor” torna-se “a solenidade última”. Esta poética cromática transforma a pintura num canto de resistência e afirmação.
A estratégia do visível
A obra recente de Himid revela uma maturidade artística notável na sua capacidade de sintetizar estas diferentes abordagens. As suas “strategy paintings” de 2023 constituem, a este respeito, um ponto culminante da sua reflexão sobre as relações entre poder, representação e resistência. Estas telas retratam cenas de negociação onde figuras negras manipulam objetos simbólicos sobre mesas. A arquitetura destas composições, a disposição dos corpos no espaço, a geometria das mesas e a distribuição dos objetos revelam os mecanismos invisíveis do poder político e económico.
Em “Predicting Positions” (2023), as maquetes dispostas sobre a mesa evocam sistemas solares, uma alusão irônica às ambições coloniais de alguns dos nossos oligarcas contemporâneos. Esta obra constitui uma crítica particularmente cáustica à classe dirigente e à sua tendência para desumanizar aqueles que administra. Himid coloca uma questão fundamental: o que perdemos quando aceitamos ser reduzidos a dados manipuláveis numa mesa de estratega?
A série “Aunties” (2023) revela outra faceta desta maturidade artística. Estas sessenta e quatro placas pintadas transformam o espaço de exposição numa assembleia de figuras tutelares. Cada “tia” possui a sua singularidade, texturas da madeira encontrada, tecidos coloridos e motivos pintados, enquanto participa de um conjunto coerente. Esta obra consegue a proeza de conciliar individualidade e coletividade, singularidade e comunidade.
O reconhecimento tardio mas brilhante do seu trabalho, Prémio Turner em 2017, Comandante da Ordem do Império Britânico (CBE) em 2018, exposição na Tate Modern em 2021 e representação da Grã-Bretanha na Bienal de Veneza em 2026, não deve obscurecer a persistência da sua abordagem crítica. Com mais de setenta anos, Himid continua a questionar as relações de poder com a mesma acuidade do início da sua carreira. “Perdemos uma oportunidade”, confessa ela sobre os anos 1980 e 1990. “O nosso objetivo era mostrar o nosso trabalho ao maior número possível de pessoas. Mas não pensávamos em vendê-lo. Isso não nos passava pela cabeça” [5].
Esta lucidez crítica sobre os mecanismos do mercado de arte revela uma artista que não perdeu nenhuma da sua capacidade de análise política. A sua instalação para a Bienal de Veneza 2026 anuncia-se como um momento determinante para medir a pertinência do seu discurso no contexto geopolítico contemporâneo.
A influência crescente de Himid nas novas gerações de artistas testemunha a justeza da sua visão. A sua capacidade de articular compromisso político e excelência estética oferece um modelo raro no panorama artístico contemporâneo. Ela demonstra que é possível transmitir uma mensagem política forte sem sacrificar a complexidade formal e conceptual.
A sua relação com Preston, onde vive desde 1991, revela também uma dimensão territorial do seu compromisso. “É uma pequena cidade, mas funciona para nós”, explica ela. Esta inscrição local da sua prática, longe dos centros artísticos londrinos, testemunha uma vontade de descentralização que corresponde à sua abordagem estética geral.
A obra de Lubaina Himid constitui uma das contribuições mais significativas para a arte contemporânea britânica das últimas quarenta anos. Ela consegue conciliar inovação formal e compromisso político, pesquisa estética e consciência histórica. As suas pinturas, instalações e colaborações revelam uma artista capaz de reinventar constantemente a sua linguagem plástica para questionar os desafios do seu tempo.
A sua capacidade de manter uma exigência formal elevada enquanto transmite um discurso político radical faz dela uma figura única no panorama artístico internacional. A arquitetura das suas instalações e a poética das suas pinturas abrem territórios inexplorados à representação contemporânea. Himid recorda-nos que a arte nunca é neutra, que participa sempre na construção do mundo em que vivemos. Ao dar forma aos invisíveis da História, ela contribui para edificar um mundo mais justo e mais humano. É neste sentido que a sua obra ultrapassa largamente o âmbito artístico para alcançar os desafios políticos e éticos mais urgentes do nosso tempo.
- Wallpaper, “Lubaina Himid and Magda Stawarska’s new show at Kettle’s Yard will uncover the missing narratives in everyday life stories”, junho 2025
- Tate Modern, “Lubaina Himid”, catálogo de exposição, novembro 2021
- Tate Kids, “Quem é Lubaina Himid?”, 2021
- Greene Naftali Gallery, “Lubaina Himid”, biografia artística, 2024
- The Guardian, “Artista Lubaina Himid: ‘Os YBAs estavam ligados a vender arte. Não tínhamos ideia de que era assim que se fazia'”, março 2025
















