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Lynette Yiadom-Boakye : A revolução silenciosa

Publicado em: 15 Dezembro 2024

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 4 minutos

Lynette Yiadom-Boakye sacode a pintura figurativa com uma audácia inédita. Esta britânica de origem ganesa cria seres de ficção com uma mestria técnica que faria Velázquez corar. Os seus retratos imaginários são mais verdadeiros que a natureza, mais autênticos do que as nossas realidades retocadas.

Ouçam-me bem, bando de snobs, Lynette Yiadom-Boakye (nascida em 1977) sacode a pintura figurativa com uma audácia que vos deixará boquiabertos. Esta britânica de origem ganesa irrompe nas nossas instituições compassadas como um murro numa galeria de retratos vitorianos. Vou dizer-vos por que razão ela é uma das artistas mais fascinantes da nossa época, e por que o seu trabalho merece a vossa atenção, gostem vocês ou não.

A primeira coisa que impressiona: ela pinta personagens que não existem. Sim, leram bem. Num mundo obcecado com o real, as selfies e a autenticidade forçada, Yiadom-Boakye cria seres de ficção com uma maestria técnica que faria Velázquez ficar pálido. Os seus retratos imaginários são mais reais que a natureza, mais autênticos do que as vossas fotos do Instagram retocadas. É aí que reside o seu génio: ela faz-nos acreditar na existência de pessoas que nunca existiram.

Tomemos “No Such Luxury” (2012), uma tela monumental que vos atrai assim que entram na sala. Uma figura sentada diante de uma chávena de café fixa-vos com uma intensidade que vos prende no lugar. A personagem está lá, inegavelmente presente, mas totalmente livre das convenções sociais, das expectativas raciais, dos grilhões de género. É uma façanha magistral. Como cantava Serge Gainsbourg em “Je suis venu te dire que je m’en vais”, há essa mesma tensão entre presença e ausência, entre o que é mostrado e o que é sugerido.

A paleta de Yiadom-Boakye é uma sinfonia de castanhos. Ela domina as nuances como ninguém, criando uma profundidade que nos captura nas suas telas. Os seus fundos escuros não estão lá apenas para embelezar, são o palco onde se desenrola um drama silencioso, uma meditação sobre a própria existência. É Sartre em pintura, meus amigos, puro existencialismo em tela.

E depois há essa forma que ela tem de brincar com o tempo. As suas personagens flutuam num presente eterno, deliberadamente desconectadas de qualquer temporalidade precisa. Não há sapatos que possam datar a obra, nem acessórios que a fixem numa época. É Proust visual, uma procura do tempo pictórico onde passado e presente se fundem numa mesma eternidade.

Os títulos das suas obras são poemas em si mesmos, enigmáticos e evocadores como Rimbaud. “A Passion Like No Other”, “The Much-Vaunted Air”, “To Tell Them Where It’s Got To”, são fragmentos de histórias que existem apenas na nossa imaginação. Tal como em “La Javanaise”, onde Gainsbourg brinca com as palavras para criar uma realidade alternativa, Yiadom-Boakye usa estes títulos como notas musicais numa partitura visual.

Mas não se trata apenas de estética. O seu trabalho é profundamente político, embora ela recuse o papel de porta-voz que se tenta impor-lhe. Ao pintar figuras negras na grande tradição da pintura a óleo europeia, ela não pede permissão para entrar no cânone artístico, ela instala-se aí, ponto final. É Fanon em pintura, uma descolonização do imaginário artístico que não se complica com justificações.

Veja-se “A Concentration” (2018), onde quatro bailarinos masculinos negros ocupam o espaço com uma graça que desafia estereótipos. É uma resposta contundente a séculos de arte ocidental onde os corpos negros foram relegados para as margens. Tal como Simone de Beauvoir desconstruía os mitos da feminilidade, Yiadom-Boakye desconstrói as representações raciais com uma subtilidade devastadora.

A sua técnica é irrepreensível. Ela domina o claro-escuro como os mestres holandeses, mas o desvia para os seus próprios fins. Os seus traços de pincel são seguros, precisos, sem floreados desnecessários. É Cézanne em ácido, pintura que sabe de onde vem mas que não tem intenção de permanecer pacificamente dentro dos limites prescritos.

O mais fascinante, talvez, seja a sua maneira de tratar a luz. Em obras como “Complication” (2013), ela cria atmosferas onde a luminosidade parece emanar das próprias personagens. É Caravaggio remixado para o século XXI, com uma consciência aguda dos desafios contemporâneos da representação.

O que me irrita é ouvir certos críticos falarem do seu trabalho apenas em termos de identidade. Sim, ela pinta figuras negras. E então? Rembrandt pintava holandeses, ninguém o reduz a isso. A sua arte transcende essas categorizações fáceis, tal como uma melodia de Gainsbourg transcende as palavras para tocar algo mais profundo.

Yiadom-Boakye é uma artista que compreende que a pintura não está morta, ao contrário do que alguns querem fazer-nos acreditar. Ela insufla-lhe nova vida, uma nova relevância. Como Nietzsche proclamava a morte de Deus para afirmar melhor a necessidade de novos valores, ela proclama a morte dos velhos códigos pictóricos para reinventar a pintura.

O que torna Lynette Yiadom-Boakye forte é a sua capacidade de criar um mundo paralelo que nos faz duvidar do nosso. As suas personagens imaginárias são mais vivas do que muitos retratos de pessoas reais. É aí que reside a sua magia, nessa capacidade de transcender o real para tocar uma verdade mais profunda. As suas pinturas dizem-nos que elas existem ao mesmo tempo que nos relembram da sua natureza fictícia, num paradoxo que lhes confere todo o seu poder.

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Referência(s)

Lynette YIADOM-BOAKYE (1977)
Nome próprio: Lynette
Apelido: YIADOM-BOAKYE
Género: Feminino
Nacionalidade(s):

  • Reino Unido

Idade: 48 anos (2025)

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