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Pam Evelyn: A ousadia da matéria pictórica

Publicado em: 9 Janeiro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 6 minutos

Pam Evelyn revoluciona as nossas certezas sobre a abstração contemporânea. As suas telas monumentais, onde a matéria pictórica choca numa dança frenética, revelam uma artista que já domina a arte do caos controlado.

Ouçam-me bem, bando de snobs, está na hora de falar de Pam Evelyn (nascida em 1996 em Surrey, Reino Unido), este furacão pictórico que chacoalha o mundo da arte contemporânea com a força de um tufão. Com apenas 28 anos, ela nos oferece uma lição magistral sobre o que significa pintar no século XXI. Esqueçam os vossos preconceitos sobre jovens artistas, esta é diferente.

A primeira coisa que impressiona no seu trabalho é essa capacidade quase sobrenatural de transformar a pintura numa força viva. As suas telas não são meras superfícies planas cobertas de pigmentos, elas respiram, suam, vibram com uma intensidade que lembra as descrições que Walter Benjamin fazia da aura das obras de arte. Mas cuidado, não se enganem: ela não é uma simples herdeira do expressionismo abstrato americano. Não, Evelyn faz algo muito mais radical, mais contemporâneo, mais urgente.

A primeira temática que emerge do seu trabalho é essa relação visceral com a materialidade da pintura. Em “Hidden Scene” (2022), um tríptico monumental, Evelyn não se limita a pintar, ela orquestra uma verdadeira luta entre a superfície e a profundidade. As faixas de tela crua, salpicadas de marcas pretas, não estão simplesmente coladas à superfície; elas criam uma tensão palpável com a composição caleidoscópica subjacente. É como se Maurice Merleau-Ponty tivesse feito aulas de pintura, a fenomenologia da perceção toma aqui uma forma tangível, quase brutal.

Esta abordagem à materialidade lembra-nos o que Roland Barthes escrevia sobre a “textura do real”, exceto que Evelyn leva o conceito ainda mais longe. Ela não se limita a sugerir a textura, ela cria-a literalmente, camada após camada, num processo que pode levar até seis meses para uma única tela. É uma abordagem que ecoa as teorias de Gilles Deleuze sobre o dobrar e o desdobrar, mas traduzida numa linguagem pictórica decididamente contemporânea.

O segundo tema que atravessa a sua obra é a sua relação com o tempo e o movimento. Tome “Deluge” (2023), onde a superfície da tela se torna o teatro de uma tempestade de marcas de pincel em cores primárias que caem como confetes sobre um fundo escuro e ferido. Esta obra não deixa de lembrar as reflexões de Henri Bergson sobre a duração pura, o tempo vivido em vez do tempo medido. Mas onde Bergson teorizava, Evelyn materializa.

O que é fascinante nela é a sua capacidade de transformar o ato de pintar numa espécie de performance existencial. Cada tela torna-se um campo de batalha onde ocorre uma luta entre o controlo e o caos, entre a intenção e o acidente. E, ao contrário de alguns pintores contemporâneos que se contentam em reciclar os gestos da abstração pós-guerra, Evelyn inventa a sua própria linguagem pictórica.

Em “Traced Train Windows” (2023), ela captura a experiência da viagem de comboio, mas não de forma literal. Não, ela traduz a sensação mesmo do movimento, a forma como a paisagem se deforma e se desfoca através de um vidro sujo. Isto é puro Henri Lefebvre, uma produção do espaço que não se limita a representar, mas que cria verdadeiramente uma nova realidade espacial.

O que me agrada particularmente é a forma como ela utiliza o formato. As suas telas não são simplesmente grandes, são ambiciosas. Quando cria dípticos com quase 5 metros de largura, não é por um simples desejo de espetáculo. Não, é porque a sua linguagem pictórica exige esse espaço para se desenvolver plenamente. É como se ela tivesse compreendido instintivamente o que Robert Morris teorizava nas suas “Notas sobre a Escultura”, a importância da escala na nossa experiência física da arte.

E falemos da sua paleta, esses azuis quentes que se chocam com verdes rã, esses amarelos que emergem como relâmpagos num céu de tempestade. É como se ela tivesse digerido toda a história da cor na arte moderna, de Turner a Howard Hodgkin, para criar algo resolutamente pessoal. Ela não pinta para agradar, ela pinta para abalar as nossas certezas sobre o que a pintura pode ser hoje.

O seu trabalho em residência nos estúdios Porthmeor na Cornualha em 2022 marca uma viragem decisiva. Frente ao mar revolto e aos ventos fortes, ela desenvolveu uma abordagem ainda mais física da pintura. Os elementos naturais tornaram-se não só uma fonte de inspiração, mas quase colaboradores no processo criativo. É fascinante ver como ela transformou essa experiência em algo profundamente pessoal, mantendo ao mesmo tempo uma distância crítica que impede o seu trabalho de cair na armadilha do romantismo fácil.

Em “Mirage, A Glaze of Mischief” (2023), ela consegue algo verdadeiramente extraordinário: transformar um fenómeno efémero, um jogo de luz fugaz, em algo permanente e tangível através da espessura da tinta. Os golpes de pincel luminescentes que se desdobram a partir do topo da tela, antes de se fixarem, dobrarem e fragmentarem, criam uma sensação vertiginosa de movimento congelado. É como se ela tivesse conseguido capturar a essência daquilo que Maurice Blanchot chamou “o instante”.

O que realmente distingue Evelyn dos seus contemporâneos é a sua recusa obstinada em contentar-se com soluções fáceis. Onde outros jovens artistas se contentam em reproduzir fórmulas testadas, ela ultrapassa constantemente os limites do que a pintura pode ser. O seu processo implica frequentemente a destruição parcial das suas obras, um ato de “sabotagem” deliberado que lembra as teorias de Georges Bataille sobre o gasto e o excesso.

Mas atenção, não se enganem, essa violência aparente no seu processo não é gratuita. Cada gesto, mesmo o mais destrutivo, faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre as possibilidades da pintura contemporânea. É como se ela colocasse em prática as teorias de Jacques Derrida sobre a desconstrução, mas com pincéis e tinta a óleo em vez de palavras.

A forma como ela trabalha com o tempo é particularmente fascinante. As suas telas não são simplesmente o resultado de um processo linear, mas sim uma acumulação de momentos, decisões, arrependimentos. É como se ela criasse obras em camadas, onde cada camada de tinta contém a memória dos gestos anteriores. Essa abordagem ecoa as reflexões de Paul Ricoeur sobre a temporalidade e a narração, mas traduzida numa linguagem visual de rara potência.

O que é notável é que, aos apenas 28 anos, ela já desenvolveu uma voz artística de uma maturidade surpreendente. As suas obras não são simplesmente belas ou impressionantes, são necessárias. A sua recente passagem pela galeria Pace não é uma surpresa, já era tempo do mundo institucional da arte reconhecer o seu talento. Mas Pam Evelyn não é uma artista que se deixará facilmente domesticada pelo mercado. O seu trabalho mantém uma rudeza, uma intensidade que desafia a comodificação fácil.

A verdadeira força de Evelyn está em criar obras que funcionam simultaneamente em vários níveis. As suas pinturas são ao mesmo tempo profundamente intelectuais e visceralmente físicas, historicamente conscientes e resolutamente contemporâneas. Ela consegue este feito raro: criar uma arte que fala tanto aos sentidos quanto ao espírito. Pam Evelyn representa algo raro: uma fé inabalável nas possibilidades da pintura como meio de exploração e descoberta. O seu trabalho lembra-nos que a arte não está morta, está mais viva do que nunca, desde que se tenha a coragem de ultrapassar os seus limites.

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Referência(s)

Pam EVELYN (1996)
Nome próprio: Pam
Apelido: EVELYN
Género: Feminino
Nacionalidade(s):

  • Reino Unido

Idade: 29 anos (2025)

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