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Piotr Uklański: Entre fascinação e subversão

Publicado em: 22 Junho 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 11 minutos

Piotr Uklański desenvolve um corpus artístico que questiona os mecanismos de produção das imagens contemporâneas. Fotógrafo, escultor, cineasta, este artista polaco-americano explora as tensões entre cultura erudita e cultura popular, criando obras que seduzem tanto quanto perturbam, revelando a ambiguidade da nossa relação com o espetáculo moderno.

Ouçam-me bem, bando de snobs: Piotr Uklański obriga-nos a olhar no espelho deformante do nosso tempo, e o que aí descobrimos não é nem reconfortante nem confortável. Este artista polaco, nascido em Varsóvia em 1968, desenha há quase três décadas os contornos de uma prática artística que insiste em não se deixar encerrar nas categorias comodistas da arte contemporânea. Fotógrafo, escultor, pintor, cineasta, performer, Uklański acumula os meios com a voracidade de um colecionador compulsivo, mas é precisamente essa gula formal que revela a coerência profunda do seu discurso artístico.

Entre Nova Iorque e Varsóvia, duas capitais que encarnam respetivamente a hegemonia cultural ocidental e a resistência periférica europeia, Uklański desenvolve um corpus que interroga incessantemente os mecanismos de produção das imagens e a sua circulação na economia do espetáculo contemporâneo. A sua abordagem tem raízes numa formação académica clássica na Academia de Belas Artes de Varsóvia, antes de atravessar o Atlântico em 1990 para estudar fotografia na Cooper Union School of Art, metamorfose emblemática que já anuncia a natureza híbrida do seu trabalho futuro.

A obra de Uklański desenvolve-se nesta tensão permanente entre fascínio e repulsa pela cultura de massa, entre celebração e subversão dos códigos visuais contemporâneos. Desde 1996, com Untitled (Dance Floor), uma instalação revolucionária que transforma a galeria numa discoteca funcional, o artista estabelece os fundamentos da sua reflexão sobre a arte como experiência coletiva e sobre a porosidade das fronteiras entre cultura erudita e cultura popular. Esta peça emblemática, composta por cubos luminosos ativados pelo som que evocam simultaneamente a grelha minimalista e a pista de dança do sábado à noite, encarna perfeitamente a ambição uklańskiana: criar objetos que proporcionem prazer sem veicular ideologia.

O teatro da memória e a estética da provocação

Mas foi com Untitled (The Nazis) de 1998 que Uklański revelou toda a dimensão política da sua abordagem artística. Esta série de 164 fotografias mostrando atores famosos a interpretar nazis no cinema constitui uma das obras mais controversas da arte contemporânea europeia. Longe da complacência ou da provocação gratuita, este trabalho questiona com notável acuidade a forma como Hollywood contribuiu para estetizar o mal, transformando os carrascos em figuras sedutoras do grande ecrã. A polémica que acompanha cada apresentação desta obra revela a eficácia desta estratégia: em 2000, o ator polaco Daniel Olbrychski destruiu várias fotografias com um sabre durante a exposição na Zachęta em Varsóvia, demonstrando involuntariamente que a fronteira entre realidade e ficção permanece porosa na mente do público.

Esta obra encontra uma ressonância particular no contexto polaco, onde a memória da Segunda Guerra Mundial permanece viva e dolorosa. Uklański, nascido numa Polónia ainda comunista, herda uma relação complexa com a história nacional, marcada pelos sucessivos traumas das ocupações nazi e soviética. O seu trabalho não procura cicatrizar essas feridas, mas sim mantê-las abertas, impedir o esquecimento e a complacência memorial. Como ele próprio explica, “o retrato de um nazi na cultura de massa é o exemplo mais marcante da forma como a verdade sobre a história é deformada” [1]. Trata-se de uma preocupação partilhada por Kate Bush quando analisa a dimensão política do seu trabalho, sublinhando como a artista “explora o espetáculo para meditar sobre a intensidade e a fugacidade da experiência estética” [2].

A abordagem de Uklański pode ser aproximada à do historiador francês Pierre Nora na sua conceção dos “lugares de memória”, esses espaços simbólicos onde se cristaliza a memória coletiva [3]. Em Nora, os lugares de memória nascem do sentimento de que a memória espontânea está a desaparecer e da necessidade de criar arquivos para manter viva a recordação do passado. Uklański realiza uma abordagem semelhante ao arquivar estas imagens cinematográficas que constituem agora, para muitos, a única fonte de informação sobre este período histórico. Mas enquanto Nora privilegia a conservação, Uklański opta pela perturbação, revelando a natureza problemática dessas representações. Esta estratégia do arquivo desviado atravessa toda a sua obra, desde The Joy of Photography, que recicla clichés da fotografia amadora, até Ottomania, que revisita os retratos orientalistas europeus. Em cada caso, o artista constitui um corpus de imagens pré-existentes que submete a um processo de recontextualização crítica. Este método revela a influência do pensamento de Nora numa geração de artistas confrontados com a saturação de imagens no espaço mediático contemporâneo. Tal como o historiador francês, Uklański compreende que a memória contemporânea já não funciona segundo os modos tradicionais de transmissão, mas elabora-se agora na confrontação com as tecnologias de reprodução mecânica. O arquivo torna-se então uma ferramenta de resistência contra a amnésia coletiva, um meio de manter ativa a capacidade crítica do espetador. Esta abordagem arquivística encontra o seu limite na questão da autenticidade: ao manipular estas imagens, Uklański arrisca reproduzir os mecanismos de deformação que denuncia. Por isso, o seu trabalho mantém sempre uma tensão dialética entre adesão e distância, entre fascínio e crítica. O artista nunca se coloca como um mestre de lições, mas assume plenamente a sua cumplicidade com os mecanismos espetaculares que interroga. Esta posição desconfortável mas lúcida confere à sua obra a sua força perturbadora e a sua pertinência crítica no panorama artístico contemporâneo.

A arte como campo de jogo semiótico

Esta dimensão memorial articula-se com uma reflexão mais ampla sobre a natureza do cinema como arte popular e indústria do entretenimento. Uklański, grande apreciador de filmes de género, desenvolve uma visão do cinema que empresta das análises semióticas desenvolvidas pela Escola de Paris nas décadas de 1960-1970. O cinema torna-se para ele um sistema de sinais que deve ser decodificado e recomposto, revelando as estruturas narrativas e ideológicas que sustentam a produção hollywoodiana. Esta abordagem atinge o seu auge com Summer Love: The First Polish Western (2006), longa-metragem que transpõe os códigos do western americano para o meio rural polaco pós-comunista. O filme funciona como uma gigantesca metáfora da situação geopolítica europeia, onde o Leste, como antigo bloco soviético, se torna a nova fronteira da “civilização” ocidental. Uklański aí demonstra uma mestria consumada dos códigos genéricos, criando um objeto híbrido que funciona simultaneamente como filme de entretenimento e como declaração conceptual. Esta dualidade assumida caracteriza toda a sua abordagem artística: recusar escolher entre arte e espetáculo, entre crítica e cumplicidade.

A semiologia, ciência dos signos desenvolvida notavelmente por Ferdinand de Saussure e depois por Roland Barthes, encontra em Uklański uma aplicação prática particularmente fértil. O artista maneja os signos culturais com a destreza de um prestidigitador, revelando sua natureza arbitrária e sua dimensão ideológica. Suas fotografias da série The Joy of Photography desconstruem assim as convenções da fotografia amadora, expondo a retórica visual que sustenta as nossas representações do belo e do pitoresco. Cada imagem retoma os clichês do género, pôr-do-sol, paisagem exótica, retrato de animal, mas os magnifica pela qualidade técnica e atenção estética, revelando o potencial artístico dessas formas consideradas menores.

Esta abordagem insere-se na linhagem das reflexões semiológicas sobre a distinção entre denotação e conotação. Em Uklański, a imagem denotada (o que ela mostra literalmente) é constantemente ultrapassada pelas suas conotações culturais e ideológicas. Untitled (The Nazis) mostra apenas atores disfarçados, mas conota imediatamente a história do século XX e os seus traumas. Dance Floor apresenta apenas uma grelha luminosa, mas evoca simultaneamente a arte minimal e a cultura do clube. Esta riqueza conotativa explica a força polémica destas obras: funcionam como aceleradores de sentido, revelando as associações de ideias frequentemente inconscientes que estruturam a nossa relação com as imagens.

A abordagem semiológica de Uklański distingue-se, no entanto, da análise teórica pelo seu carácter experiencial. O artista não disseca os signos do exterior, mas mergulha na sua lógica, reproduz e amplifica-os até revelar a sua dimensão artificial. Esta estratégia de imersão crítica aproxima o seu trabalho das práticas situacionistas de desvio, mas sem a utopia revolucionária que animava os membros da Internacional Situacionista. Uklański assume o carácter agora inevitável da sociedade do espetáculo e procura antes negociar com ela do que a combater frontalmente.

A economia da atenção e a sociedade do espetáculo

A receção crítica da obra de Uklański revela as tensões que atravessam o mundo da arte contemporânea face à massificação cultural. As suas exposições nas instituições mais prestigiadas, MoMA, Metropolitan Museum, Centre Pompidou, atestam o seu reconhecimento institucional, mas esta legitimação não apaga o carácter perturbador da sua abordagem. O artista ocupa uma posição singular no panorama artístico internacional: nem vanguardista radical nem seguidor do mercado, desenvolve um caminho intermédio que interroga os limites da arte contemporânea sem renunciar aos seus prazeres.

Esta posição de equilibrismo encontra a sua justificação teórica na evolução do capitalismo cultural contemporâneo. Desde os anos 1990, a distinção tradicional entre cultura erudita e cultura popular esbateu-se largamente, substituída por uma economia da atenção onde todos os conteúdos culturais competem entre si. Neste contexto, a estratégia uklańskiana da ambivalência assumida aparece como uma resposta lúcida às transformações do espaço cultural. O artista não pretende escapar à lógica espetacular, mas revela os seus mecanismos pela exageração e pela mise en abyme.

Esta abordagem encontra um eco particular no contexto polaco pós-1989. A queda do comunismo levou a uma transformação radical do espaço cultural polaco, agora sujeito às lógicas do mercado ocidental. Uklański, que realiza os seus estudos nos Estados Unidos exatamente no momento dessas transformações, encarna uma geração de artistas do leste europeu confrontados com a necessidade de negociar entre a herança cultural local e os códigos internacionais da arte contemporânea. O seu trabalho testemunha esta condição pós-colonial particular, onde a Europa de Leste se torna um reservatório de exotismo para o mercado artístico ocidental enquanto procura afirmar a sua especificidade cultural.

O percurso de Uklański ilustra perfeitamente os mecanismos desta economia cultural globalizada. Saindo de Varsóvia com uma bagagem de pintura tradicional, ele reinventa-se como fotógrafo conceptual em Nova Iorque antes de conquistar as cenas artísticas internacionais. Esta trajetória ascendente acompanha uma reflexão constante sobre os desafios da representação e da autenticidade cultural. As suas obras interrogam sem cessar a questão: quem tem o direito de representar o quê, e segundo que modalidades?

A série Ottomania (2019) leva esta interrogação ao seu paroxismo ao revisitar os retratos orientalistas europeus dos séculos XVII e XVIII. Pintados sobre veludo segundo uma técnica deliberadamente kitsch, estes quadros questionam os mecanismos da apropriação cultural enquanto celebram a riqueza das trocas entre civilizações. Uklański revela que o orientalismo europeu não derivava apenas de um olhar condescendente sobre o Oriente, mas também testemunhava uma fascinação autêntica pela alteridade cultural [4]. Esta nuance histórica ilumina sob uma nova luz os debates contemporâneos sobre a apropriação cultural, mostrando a sua complexidade irreductível a posições morais absolutas.

Rumo a uma estética da negociação

A arte de Piotr Uklański confronta-nos finalmente com a questão da responsabilidade estética num mundo saturado de imagens. Perante a proliferação dos conteúdos visuais e à aceleração dos ciclos de produção cultural, o artista desenvolve uma estratégia de desaceleração e intensificação que devolve às imagens o seu peso simbólico e emocional. As suas instalações imersivas, desde Dance Floor a Wet Floor, criam espaços de contemplação ativa onde o espectador é convidado a experimentar fisicamente a dimensão política e sensorial da arte.

Esta dimensão experiencial distingue a abordagem uklańskiana das estratégias puramente conceptuais que dominam a arte contemporânea desde os anos 1960. O artista reintroduz o prazer e a sedução no coração da crítica institucional, demonstrando que não é necessário abdicar da beleza para desenvolver uma consciência política. Esta posição converge com as preocupações de uma geração de artistas pós-conceptuais que procuram reconciliar vanguarda estética e acessibilidade popular.

O trabalho de Uklański insere-se nesta perspetiva de reconciliação dos contrários que caracteriza a arte da nossa época. Nem nostálgico nem futurista, nem elitista nem populista, a sua obra explora as zonas cinzentas da experiência contemporânea com uma lucidez desiludida mas não desprovida de esperança. Num mundo onde as certezas estéticas e políticas se desmoronam, o artista propõe um caminho transversal que assume plenamente as suas contradições.

Esta estética da negociação encontra a sua melhor expressão nas obras recentes de Uklański, nomeadamente as suas pinturas a tinta da série “blood paintings” onde o artista explora a dimensão temporal da criação artística. Cada gota de tinta aplicada na tela constitui uma unidade de tempo, transformando a pintura num metrónomo visual que torna perceptível o passar da duração. Estas obras meditativas contrastam com a imediaticidade espetacular das suas instalações, revelando a riqueza de um corpus que se recusa a ser fechado numa fórmula única.

Piotr Uklański surge hoje como um dos observadores mais perspicazes da nossa condição cultural contemporânea. O seu trabalho mapeia com uma precisão implacável os territórios ambíguos onde se negociam atualmente as relações entre arte e sociedade, entre memória e esquecimento, entre local e global. Num mundo onde a arte luta para recuperar a sua função crítica face ao poder das indústrias culturais, Uklański propõe um caminho alternativo que não abdica nem da exigência estética nem da responsabilidade política. O seu exemplo demonstra que é possível criar uma arte contemporânea que seja simultaneamente sofisticada e acessível, crítica e sedutora, europeia e cosmopolita. Esta lição de equilíbrio merece ser ponderada por todos aqueles que recusam ver a arte contemporânea refugiar-se no esoterismo teórico ou afundar-se na complacência comercial.


  1. Piotr Uklański, citado em Contemporary Lynx, “Piotr Uklański’s ‘The Nazis’ : The Enfant Terrible da Arte Contemporânea Polaca”, novembro de 2019.
  2. Kate Bush, “Era Uma Vez no Oriente: Piotr Uklański”, Artforum, verão de 2000.
  3. Pierre Nora, Les Lieux de mémoire, Gallimard, Paris, 1984-1992.
  4. Osman Can Yerebakan, “West Meets East: Piotr Uklański Interviewed”, Bomb Magazine, novembro de 2019.
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Referência(s)

Piotr UKLANSKI (1968)
Nome próprio: Piotr
Apelido: UKLANSKI
Outro(s) nome(s):

  • Piotr Uklański

Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Polónia

Idade: 57 anos (2025)

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