Ouçam-me bem, bando de snobs. O que vou dizer pode incomodar-vos, mas Raghav Babbar está a mostrar-nos algo que a maioria de nós esqueceu como ver. Nas suas telas espessas como lava endurecida, nesses empastes que levam semanas a secar na humidade londrina, ele oferece-nos um olhar sobre a humanidade que ultrapassa as nossas pequenas certezas estéticas. Este homem de vinte e oito anos, nascido em Rohtak perto de Deli, pinta o ordinário com uma intensidade que faria corar um Lucian Freud. E acreditem, é exatamente o que precisamos hoje em dia.
Quando olhamos os seus retratos de vendedores de carvão, guardas, mulheres cobertas por dupattas translúcidos, entendemos imediatamente que Babbar não faz o pitoresco exótico. Não, ele faz algo muito mais radical: pinta a verdade. Essa verdade crua que nos bate na cara quando dedicamos tempo a realmente observar as pessoas à nossa volta. “Estou principalmente interessado no lado emocional e nas expressões humanas”, diz ele [1]. Esta é certamente a declaração mais honesta que um pintor figurativo pode fazer hoje em dia.
As suas telas falam-nos primeiro pela sua materialidade. Esta pasta espessa, estas cores que parecem ter sido extraídas diretamente da terra indiana, estas sombras duras que recortam os rostos como lâminas de luz crua. Babbar trabalha com uma paciência monástica, construindo as suas obras camada após camada, esperando às vezes semanas para que a tinta seque o suficiente para poder continuar. Esta lentidão não é uma fraqueza; é a sua força. Permite-lhe aprofundar na alma dos seus modelos, captar essas microexpressões que revelam a humanidade no seu estado mais autêntico.
O paralelo com a obra de Satyajit Ray impõe-se naturalmente. Tal como o grande cineasta e escritor bengali, Babbar possui essa capacidade extraordinária de transformar o ordinário em extraordinário sem jamais trair a verdade dos seus sujeitos. Ray filmava as pessoas comuns de Calcutá com a mesma atenção que dedicava aos maharajás, revelando em cada gesto, cada olhar, toda a complexidade da condição humana. Babbar faz exatamente o mesmo com o seu pincel. Os seus “Dois migrantes num comboio” de 2023 recordam-nos imediatamente os viajantes de “Pather Panchali”, esses rostos anónimos que trazem em si toda a história de um país em movimento.
Esta filiação com Ray não é casual. Babbar inspira-se conscientemente na imagética cinematográfica, particularmente nos filmes de Bollywood, de Ray ou do cinema tâmil. Mas atenção, não se trata aqui de uma simples apropriação estética. O artista compreende que o cinema indiano, na sua diversidade, criou uma linguagem visual única para falar da Índia contemporânea. Ao transpor alguns destes códigos para a pintura, atualiza uma tradição pictórica que corria o risco de se tornar sclerótica no academicismo.
Esta abordagem revela uma maturidade artística impressionante num homem tão jovem. O próprio Ray possuía essa capacidade de misturar influências ocidentais e sensibilidade bengali sem nunca cair na imitação. Os seus filmes dialogavam com Renoir ou De Sica, mantendo-se profundamente enraizados na realidade indiana. Babbar procede da mesma forma: assimila as técnicas da Escola de Londres, particularmente as de Freud, mas põe-nas ao serviço de uma visão que lhe é própria. O resultado ultrapassa largamente a soma das suas influências para criar algo verdadeiramente original.
Observe atentamente “Komal no atelier”, esta grande tela onde pinta a sua amiga vista de cima. A minúcia com que reproduz os padrões florais do seu vestido revela não só o seu olhar detalhista, mas também a sua afeição pela beleza feminina. Essa ternura na observação, essa capacidade de ver a poesia num tecido amarrotado, é exatamente o que falta a tanta arte contemporânea. Babbar lembra-nos que a arte pode ser um ato de amor sem cair no sentimentalismo.
Mas é quando abordamos a dimensão filosófica do seu trabalho que as coisas se tornam realmente interessantes. Babbar insere-se, conscientemente ou não, numa tradição fenomenológica particular, aquela que considera que a arte é, antes de tudo, um meio de aceder à essência das coisas. Os seus retratos não se limitam a representar a aparência dos seus modelos: revelam o seu ser-no-mundo, para usar a expressão heideggeriana.
Esta abordagem encontra as suas raízes no pensamento de Martin Heidegger, particularmente no conceito de alétheia que ele revisitou, essa verdade que se revela pela arte. Para Heidegger, a obra de arte autêntica não representa o mundo, ela o revela. Faz-nos ver o que esteve lá desde sempre, mas que não conseguíamos perceber. É exatamente isso que Babbar faz com os seus retratos de indianos comuns: revela-nos a dignidade universal desses rostos que cruzamos todos os dias sem realmente os ver.
Esta revelação passa pelo que Heidegger chamava o “combate” entre a terra e o mundo. A terra é essa materialidade bruta da pintura a óleo que Babbar manipula com tanta virtuosidade. O mundo é o universo de significados que os seus retratos abrem diante de nós. Em “Dai Ma”, este retrato terno de uma mulher que viveu com ele durante a infância, assistimos a este confronto fecundo entre a pura materialidade pictórica e a emoção humana que ela revela.
Heidegger também falava da arte como um meio de lutar contra o esquecimento do ser que caracteriza a nossa época técnica. As nossas sociedades modernas tendem a transformar os humanos em recursos, em dados, em estatísticas. A arte autêntica resiste a esta desumanização ao relembrar-nos o que há de irredutível em cada existência individual. Babbar participa plenamente dessa resistência. Os seus vendedores de carvão, os seus guardiões, as suas mulheres cobertas nunca são tratados como tipos sociológicos ou curiosidades etnográficas. São pintados como pessoas únicas, irreplaceáveis, cada uma portadora de um mistério pessoal.
Esta dimensão existencial do seu trabalho torna-se particularmente evidente quando consideramos a sua situação de migrante artístico. Baseado em Londres desde 2022, Babbar pinta a Índia desde o exílio. Esta distância geográfica e cultural aguça o seu olhar, permite-lhe ver o seu país natal com uma nova acuidade. “Viver longe de casa, olhar fotos da minha família, meus amigos, filmes antigos e documentários sobre a Índia, faz-me repensar as minhas origens”, confessa [2].
Esta nostalgia criativa não tem nada de passado. Assemelha-se antes ao que Heidegger chamava de “destruição” da tradição: não o seu aniquilamento, mas a sua desconstrução criativa que permite reencontrar as suas potencialidades esquecidas. Ao pintar a Índia desde Londres, Babbar redescobre o seu país, vê-o com olhos novos. Escapa aos clichês folclóricos assim como às idealizações nostálgicas para atingir algo mais profundo: a própria essência da experiência indiana contemporânea.
Esta abordagem explica por que as suas telas ressoam tão fortemente entre os colecionadores internacionais. Quando “Le Vendeur de charbon” (2020/21) foi vendido por quase 540.000 euros na Sotheby’s em março de 2023, ultrapassando vinte e duas vezes a sua estimativa, não foi apenas um fenómeno de mercado. Foi o reconhecimento de uma verdade universal revelada por um olhar particular. Os compradores, sejam asiáticos, europeus ou americanos, reconheciam nestes rostos indianos algo que lhes falava diretamente.
Esta universalidade no particular é precisamente o que Heidegger identificava como a marca da arte autêntica. Uma obra é verdadeiramente grande apenas se conseguir dizer algo universal através da expressão de uma experiência singular. Babbar consegue isso porque nunca procura agradar ou tranquilizar. Pinta o que vê com uma brutal honestidade que impõe respeito.
Tomem “Warden” (2021), vendido por 120.000 euros na Phillips em maio de 2023. O título intriga: por que chamar assim a esta mulher de sorriso enigmático? Babbar força-nos a questionar os nossos pressupostos. Quem vigia quem neste retrato? Será a guardiã que nos observa ou somos nós os guardiões da sua memória? Esta ambiguidade fecunda revela a sofisticação conceptual que se esconde atrás da aparente simplicidade da sua pintura.
Mas não nos deixemos enganar: apesar da sua pouca idade, Babbar domina perfeitamente os desafios da arte contemporânea. Ele sabe que pintar retratos figurativos hoje implica um risco enorme. O mercado da arte contemporânea privilegiamente valoriza a inovação formal e a crítica institucional. Voltar à pintura de retratos é expor-se a acusações de conservadorismo ou facilidade.
Mas Babbar não cai em nenhuma dessas armadilhas. A sua pintura é decididamente contemporânea, não apenas pela sua execução, mas pela sua visão. Ele compreende que a nossa época hiperconectada criou paradoxalmente um défice de humanidade. As nossas telas mostram-nos milhões de rostos todos os dias, mas já não vemos realmente ninguém. Babbar ensina-nos a olhar novamente.
Essa resistência também se manifesta na sua técnica. Numa época em que tudo se acelera cada vez mais, onde a arte digital permite criar obras com alguns cliques, Babbar reivindica a lentidão. As suas empastamentos espessos exigem semanas de secagem. Essa temporalidade artesanal não é um arcaísmo: é um manifesto. Afirma que certas verdades só podem ser alcançadas pela paciência e repetição.
Esta filosofia do tempo longo encontra-se na forma como ele constrói as suas composições. Olhem para “Aroma” (2023): cada detalhe parece ter sido pesado, cada sombra calculada. Esta meticulosidade não tem nada de obsessivo. Expressa uma forma de respeito pelos seus modelos, uma vontade de fazer justiça a eles através da arte.
Esta ética do retrato encontra a sua expressão mais bonita nos seus autorretratos. “Amar (Autorretrato)” de 2023 mostra-nos um homem jovem com um olhar grave, consciente das suas responsabilidades de artista. Sem complacência, sem heroização: apenas a verdade de um homem que escolheu dedicar a sua vida a revelar a beleza do mundo comum.
A evolução recente do seu trabalho confirma esta maturidade precoce. As suas últimas exposições, nomeadamente “Orchestrated Characters” na galeria Larsen Warner em Estocolmo, mostram um artista que começa a explorar novas direções sem renunciar aos seus fundamentos. As composições com várias figuras, os jogos com a abstração geométrica revelam uma ambição crescente. Mas esta sofisticação formal permanece ao serviço do mesmo projeto: celebrar a humanidade na sua diversidade.
O que também impressiona em Babbar é a sua consciência aguda da sua missão como embaixador cultural. “Espero ir a todos os cantos do mundo para poder mostrar a beleza do meu país, e espero que as pessoas sejam influenciadas a visitar a Índia”, declara ele [3]. Esta ambição poderia parecer ingênua se não fosse sustentada por uma visão artística tão amadurecida. Babbar não faz turismo cultural: ele revela a alma de um país através dos seus rostos anónimos.
Esta abordagem está inserida numa longa tradição. Desde Rembrandt pintando os burgueses de Amesterdão até Alice Neel retratando o Nova Iorque popular, os grandes retratistas foram sempre cronistas da sua época. Babbar continua essa tradição adaptando-a ao nosso mundo globalizado. Os seus indianos falam a todos porque encarnam emoções universais: dignidade na adversidade, beleza na simplicidade, esperança apesar das dificuldades.
O seu sucesso comercial precoce poderia preocupar. Quando um artista de vinte e oito anos vê as suas obras venderem-se por seis dígitos, o risco de desvio existe. Mas Babbar parece ter os pés no chão. “Não sou bom com números, na verdade, e também não quero sê-lo”, confessa ele [4]. Esta sabedoria incomum num homem tão jovem antevê o melhor para a continuação da sua carreira.
Porque isso é o que realmente importa: a continuação. Babbar já provou que sabe pintar. Mostrou que pode emocionar e convencer. Agora, falta-lhe construir uma obra a longo prazo, aprofundar a sua visão sem se repetir. Os sinais são encorajadores. As suas últimas telas revelam um artista que não tem medo de experimentar, de correr riscos formais para servir a sua proposta.
O próximo desafio dele será provavelmente manter essa autenticidade enquanto evolui artisticamente. A armadilha seria ficar preso numa fórmula que funciona, tornar-se prisioneiro do seu sucesso. Mas Babbar parece inteligente demais e apaixonado demais para cair nessa cilada. A sua formação no Lasalle College of Art em Singapura deu-lhe as ferramentas teóricas necessárias para analisar a sua própria prática e fazê-la evoluir.
A exposição em fevereiro passado de algumas das suas obras na feira India Art Fair 2025 na Índia com a galeria Nature Morte representou um teste importante. Mostrar o seu trabalho no seu país natal explorando a dupla identidade com uma abordagem diferente, diante da sua família e amigos que “nunca viram o meu trabalho em público”, como ele próprio diz, é um momento de verdade. Foi a ocasião para medir se a sua visão da Índia corresponde à realidade vivida pelos seus compatriotas.
Mas para além destas considerações estratégicas, o que realmente importa em Babbar é esta rara capacidade de nos fazer ver a beleza onde não pensávamos encontrá-la. Num mundo saturado de imagens, ele lembra-nos que olhar realmente continua a ser uma arte difícil. Os seus retratos ensinam-nos paciência, empatia, generosidade do olhar.
Esta lição ultrapassa em muito o âmbito artístico. Numa época em que as divisões identitárias parecem agravar-se em todo o lado, Babbar mostra-nos que existe uma humanidade comum que ultrapassa as fronteiras. Os seus vendedores ambulantes indianos falam-nos porque personificam emoções que todos conhecemos: o cansaço do trabalho, o orgulho da dignidade preservada, a esperança de um futuro melhor.
Esta universalidade não apaga as particularidades culturais. Pelo contrário, revela-as na sua riqueza. Os saris amassados, os dupattas translúcidos, os rostos marcados pelo sol indiano: todos estes detalhes falam-nos de um mundo específico enquanto revelam a nossa humanidade comum. Esta é toda a arte de Babbar: fazer-nos viajar sem exotismo, desorientar-nos sem nos perdermos.
O que torna Raghav Babbar tão precioso no panorama artístico contemporâneo é a sua capacidade de renovar um género antigo sem o trair. O retrato parecia condenado pela fotografia e a arte conceptual. Babbar devolve-lhe a nobreza ao mostrar que continua a ser o melhor meio de explorar a complexidade humana. As suas telas provam que a pintura figurativa não é uma arte do passado mas uma necessidade do presente.
Aqui está um artista que merece ser seguido de perto. Não porque confirma os nossos gostos ou tranquiliza as nossas certezas, mas porque nos obriga a ver o mundo com olhos novos. Nas suas empastadas pacientes e nos seus olhares diretos, há algo que resiste à desumanização ambiente. Algo que nos lembra porque a arte existe: para revelar a beleza oculta do mundo e reconciliar-nos com a nossa condição humana.
- Nahmad Projects, “Raghav Babbar: New Paintings”, exposição maio-julho 2023, Londres
- Whitewall Magazine, “Raghav Babbar Encontra Beleza no Ordinário”, entrevista com Pearl Fontaine, dezembro de 2023
- Artsy, “Como os Retratos Pensativos de Raghav Babbar Capturaram a Atenção dos Colecionadores”, entrevista com Veena McCoole, junho de 2023
- Esquire India, “Raghav Babbar Sobre Arte, Vida & A História da Índia”, entrevista com Shaikh Ayaz, março de 2025
















