English | Português

Terça-feira 18 Novembro

ArtCritic favicon

Ren Zhe: O alquimista do aço e do espírito

Publicado em: 28 Dezembro 2024

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 5 minutos

Ren Zhe, este escultor prodígio, desenvolveu uma abordagem única que casa o aço inoxidável com uma sensibilidade profundamente enraizada na tradição chinesa. Os seus guerreiros transcendem a simples materialidade para encarnar uma nova visão do heroísmo contemporâneo.

Ouçam-me bem, bando de snobs, a arte contemporânea chinesa não é apenas uma questão de mercado ou especulação. Ren Zhe, nascido em 1983 em Pequim, encarna perfeitamente essa nova geração de artistas que transcendem os clichés orientalistas que alguns colecionadores ocidentais, especialmente aqueles que vivem nos bairros abastados de Paris, persistem em alimentar com uma condescendência mal disfarçada.

Formado na Universidade Tsinghua, este prodígio da escultura desenvolveu uma abordagem única que casa o aço inoxidável com uma sensibilidade profundamente enraizada na tradição chinesa. Mas atenção, não se enganem: os seus guerreiros não são simples figuras decorativas destinadas a adornar os lobbies dos bancos de investimento de Hong Kong ou os penthouses de Xangai.

A primeira característica da sua obra é a sua reinterpretación radical do corpo heroico. Ao contrário da abordagem ocidental do corpo escultórico, herdada dos gregos e magnificada por Michelangelo, Ren Zhe propõe uma corporeidade que desafia a simples materialidade. Os seus guerreiros, como na sua obra emblemática “Lei”, não se definem pela musculatura mas pelo que Walter Benjamin chamaria a sua “aura”. Essa aura, Ren Zhe captura no aço polido como um espelho, criando superfícies que absorvem e refletem simultaneamente a luz, transformando cada escultura num diálogo constante entre presença e ausência.

Esta abordagem lembra estranhamente a teoria do “corpo sem órgãos” de Deleuze e Guattari, onde o corpo não é mais uma simples organização anatómica mas um campo de intensidades. Os guerreiros de Ren Zhe, congelados em poses dinâmicas que parecem desafiar a gravidade, não representam tanto corpos físicos quanto manifestações do que os filósofos taoístas chamam “qi”, essa força vital que transcende a simples materialidade.

Quando Johnny Depp visitou o seu estúdio em 2014, provavelmente não percebeu toda a profundidade filosófica dessas obras, mas certamente sentiu o seu poder magnético. E é precisamente aí que reside a segunda característica do trabalho de Ren Zhe: a sua capacidade de transcender fronteiras culturais ao mesmo tempo que permanece profundamente enraizado na tradição chinesa.

Tomemos como exemplo a sua instalação “Genesis” em Shenzhen. Nessa obra monumental, Ren Zhe não se limita a fundir o Oriente e o Ocidente, isso seria demasiado simplista, demasiado previsível. Não, ele cria aquilo que Homi Bhabha chamaria um “terceiro espaço”, onde as dicotomias tradicionais entre Oriente e Ocidente se dissolvem para dar lugar a algo novo, algo que não pertence nem a um nem a outro, mas que engloba ambos.

O seu trabalho com aço inoxidável não é uma simples escolha estética. É uma declaração audaz sobre a própria modernidade chinesa. O aço, material emblemático da industrialização, torna-se nas suas mãos um meio para explorar o que o filósofo François Jullien chama de “transformações silenciosas” da cultura chinesa. As superfícies espelhadas das suas esculturas não refletem apenas o seu ambiente, criam um diálogo constante entre tradição e modernidade, entre passado e presente.

A sua série dos Quatro Guardiões Celestiais para o Parkview Group de Pequim, Dragão Azul, Tigre Branco, Pássaro Vermelho e Tartaruga Negra, é particularmente reveladora. Estas figuras mitológicas tradicionais são reinventadas numa linguagem escultórica contemporânea que ecoa as preocupações da nossa época. A forma como ele trabalha as superfícies polidas até atingir uma qualidade próxima da ourivesaria lembra o que Roland Barthes dizia do Japão em “L’Empire des signes”: a superfície torna-se ela própria a profundidade.

O que é fascinante no trabalho de Ren Zhe é a sua capacidade de criar o que Jacques Rancière chamaria um “partilha do sensível” único. Os seus guerreiros não são simplesmente representações de figuras históricas ou mitológicas, são manifestações do que significa ser humano num mundo em constante mutação. Cada dobra no aço, cada torção do metal torna-se uma meditação sobre a condição humana.

A sua exposição no Museu do Palácio em 2019, primeira exposição pessoal de escultura de grande escala na Cidade Proibida, não foi apenas um triunfo pessoal. Foi uma demonstração brilhante de como a arte contemporânea pode dialogar com a tradição sem cair em pastiche ou reverência servil. Os seus guerreiros, erguidos orgulhosamente nesse lugar emblemático da história chinesa, criavam uma ponte temporal vertiginosa entre passado e presente.

A venda da sua obra “Infinite Spirit of Allegiance” por 2,52 milhões de dólares de Hong Kong na Sotheby’s em 2021 é apenas uma validação superficial da sua importância. O que realmente conta é a forma como ele consegue criar uma arte que fala simultaneamente aos colecionadores do Vale do Silício e aos monges do templo Shuanglin, onde passou um mês a estudar as esculturas antigas que influenciaram profundamente o seu trabalho.

Os críticos que o comparam a Henry Moore ou Lynn Chadwick perdem completamente o ponto. Ren Zhe não é um artista que tenta inserir-se numa linhagem ocidental da escultura moderna. Ele cria antes o que o filósofo François Jullien chamaria um “desvio”, um espaço de pensamento e criação que permite ver tanto o Oriente como o Ocidente sob uma nova luz.

A sua última série baseada nos personagens do romancista Jin Yong mostra que ele continua a explorar novos territórios enquanto permanece fiel à sua visão artística fundamental. Essas obras não são simples ilustrações tridimensionais de personagens literários, mas profundas meditações sobre o que significa ser um herói num mundo que desesperadamente precisa de exemplos morais.

Ren Zhe cria uma arte que transcende categorias fáceis. As suas esculturas não são nem tradicionais nem contemporâneas, nem orientais nem ocidentais, são simplesmente necessárias. Num mundo obcecado por divisões e categorias, o seu trabalho lembra-nos que a verdadeira grandeza artística reside na capacidade de construir pontes em vez de muros. E se alguns snobs da arte contemporânea não entendem isso, é problema deles, não dele.

Was this helpful?
0/400

Referência(s)

REN Zhe (1983)
Nome próprio: Zhe
Apelido: REN
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • China

Idade: 42 anos (2025)

Segue-me