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Richard MacDonald : O escultor do impossível

Publicado em: 24 Novembro 2024

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 7 minutos

Richard MacDonald transforma o bronze em poesia do movimento. As suas esculturas de atletas e dançarinos capturam aquele instante preciso em que o corpo desafia a gravidade, criando uma tensão dramática que eleva as suas obras para além da mera representação técnica.

Ouçam-me bem, bando de snobs, chegou a hora de falar de um artista que incomoda o establishment com a sua abordagem neo-clássica demasiado “comercial” para alguns puristas: Richard MacDonald, nascido em 1946 na Califórnia. Este antigo ilustrador que se tornou escultor figurativo depois de um incêndio destruir o seu estúdio e toda a sua obra pictórica nos anos 1980 merece que se lhe dedique atenção sem preconceitos.

Comecemos pelo que imediatamente impressiona no seu trabalho: a sua quase obsessiva capacidade de capturar o movimento no bronze. MacDonald não é apenas um técnico virtuoso do corpo humano em ação, é um coreógrafo do metal que transforma a gravidade em poesia visual. A sua colaboração com o Cirque du Soleil não é um acaso, representa a fusão perfeita entre a sua obsessão pelo corpo atlético e a busca de uma beleza transcendente. Os seus acrobatas congelados no bronze lembram-nos estranhamente as fotografias de captura de movimento de Eadweard Muybridge, mas com uma dimensão adicional: a da emoção pura, crua, sensual.

O que é fascinante é a forma como MacDonald recusa categoricamente o uso da fotografia no seu processo criativo. Ele trabalha unicamente com modelos vivos, fazendo-os posar durante horas, observando-os como um cientista estudaria um fenómeno natural. Esta abordagem lembra a método de Rodin, que ele aliás cita como influência maior. Mas onde Rodin procurava revelar a alma atormentada dos seus sujeitos, MacDonald celebra a perfeição atlética e o domínio do corpo. É um paradoxo interessante: usa técnicas tradicionais para criar obras profundamente contemporâneas.

Tomemos por exemplo a sua escultura monumental “The Flair”, com cerca de 8 metros de altura, criada para os Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996. Esta obra incorpora perfeitamente a sua filosofia artística. Não se limita a representar um ginasta em plena ação, captura esse momento infinitesimal em que o corpo humano desafia as leis da física. É uma celebração do que Roland Barthes chamava “o grau zero da escrita”, mas aplicada à escultura: o momento em que a técnica fica tão dominada que desaparece para dar lugar à expressão pura.

Esta obsessão pela perfeição física poderia facilmente cair na armadilha do kitsch ou do mero exercício técnico. Mas MacDonald evita este risco infundindo às suas obras uma tensão dramática que as eleva para além da simples representação. Os seus bailarinos, atletas e acrobatas não são apenas bonitos, são sublimes no sentido kantiano do termo, provocando simultaneamente admiração e vertigem.

A segunda temática que atravessa a sua obra é a sua relação complexa com a tradição clássica. MacDonald é frequentemente criticado pelo seu “academicismo”, como se isso fosse uma falha no mundo da arte contemporânea. Mas essa crítica ignora o essencial. O seu neo-clássico não é um regresso nostálgico, é uma provocação deliberada contra a ortodoxia modernista. Num mundo artístico obcecado pela desconstrução e abstração, MacDonald ousa afirmar que a beleza clássica ainda tem o seu lugar.

A sua série de colaborações com o Royal Ballet de Londres, nomeadamente o seu trabalho com o bailarino Carlos Acosta e o seu projeto de monumento a Dame Ninette de Valois, revela um artista que dialoga ativamente com a história da arte. Há algo profundamente subversivo na maneira como ele usa a linguagem visual do classicismo para criar obras que falam diretamente ao espectador contemporâneo. É o que Walter Benjamin teria chamado de uma “imagem dialética”, uma obra que existe simultaneamente no passado e no presente.

As suas esculturas para o Cirque du Soleil, permanentemente expostas no Bellagio em Las Vegas, ilustram perfeitamente essa tensão. São tecnicamente perfeitas, como seria uma escultura acadêmica do século XIX, mas o seu tema e energia são decididamente contemporâneos. É como se Práxiteles tivesse reencarnado para esculpir acrobatas de circo moderno.

A controvérsia em torno da sua prática de edições limitadas merece ser analisada. Os seus críticos acusam-no de produzir exemplares em excesso, como se a raridade fosse o único critério de valor artístico. Esta é uma crítica que revela mais sobre o estado do mercado de arte do que sobre o valor intrínseco do seu trabalho. MacDonald assume plenamente a sua vontade de tornar a sua arte acessível a um público mais amplo, mantendo padrões de qualidade excepcionais em cada peça.

A sua abordagem do processo criativo é particularmente interessante. Ele começa com pequenos esboços em argila, que chama de “maquetes”, trabalhando e retrabalhando a forma até capturar exatamente a essência do movimento que procura representar. É um processo que lembra o método de Giacometti, mas com um objetivo radicalmente diferente. Onde Giacometti procurava capturar a essência existencial dos seus sujeitos, MacDonald procura captar a vitalidade física deles.

MacDonald cria pessoalmente uma pátina original para cada obra, um processo químico complexo que dá às suas esculturas a sua coloração distinta. Não é um mero detalhe técnico, é uma parte integrante da sua linguagem artística. A forma como a luz joga sobre essas superfícies trabalhadas adiciona uma dimensão cinética a obras já dinâmicas.

A crise da COVID-19 marcou uma viragem na sua prática. Forçado a fechar vários dos seus estúdios e a reduzir drasticamente o seu pessoal, ele voltou-se para uma abordagem mais introspectiva. As suas novas obras, como “Origins”, exploram temas mais universais e metafísicos. É como se a pausa forçada tivesse lhe permitido transcender as suas preocupações habituais para atingir algo mais profundo.

O que é particularmente impressionante na sua evolução recente é a sua forma de abordar a questão do género. As suas novas esculturas frequentemente colocam figuras femininas em torres elevadas, transformando-as em encarnações de ideais. Essa abordagem pode parecer problemática numa leitura feminista tradicional, mas MacDonald subverte-a criando figuras que são ao mesmo tempo idealizadas e poderosamente autónomas.

O seu trabalho levanta questões importantes sobre o lugar da beleza na arte contemporânea. Num mundo artístico que frequentemente privilegia o conceito sobre a execução, MacDonald ousa afirmar que a virtuosidade técnica e a busca pela beleza ainda são objetivos válidos. É uma posição que lembra os argumentos de Arthur Danto sobre o fim da arte, mas com uma conclusão diferente: em vez de abandonar as formas antigas, MacDonald reinventa-as para a nossa época.

A relação de MacDonald com o mercado de arte é complexa. O seu sucesso comercial é inegável, as suas obras são colecionadas por empresas importantes como a AT&T e a IBM, e os seus monumentos públicos são visíveis por todo o mundo. Mas esse sucesso parece por vezes jogar contra ele em certos círculos artísticos, como se a popularidade fosse incompatível com a profundidade artística.

O que é interessante é a forma como MacDonald usa essa posição comercial forte para prosseguir os seus próprios objetivos artísticos. Ele criou um sistema de produção sofisticado que lhe permite manter um controle rigoroso da qualidade em cada edição das suas esculturas, ao mesmo tempo que lhe dá a liberdade de experimentar novas formas e ideias.

A pandemia de 2020 levou MacDonald a repensar a sua abordagem. Com o encerramento das suas galerias em Las Vegas e Londres, ele viu-se numa posição onde podia criar sem a pressão imediata do mercado. Essa nova liberdade reflete-se em obras mais experimentais e pessoais. É como se a crise o tivesse permitido reinventar-se, encontrar uma nova voz artística.

A sua abordagem à formação de artistas, através dos seus ateliers internacionais, revela outra faceta da sua personalidade artística. Ele não se limita a criar, procura ativamente transmitir o seu saber e a sua visão. É uma posição que vai contra a imagem do artista solitário e que sugere uma compreensão mais ampla do papel da arte na sociedade.

MacDonald representa um paradoxo fascinante na arte contemporânea: um artista que usa técnicas tradicionais para criar obras profundamente modernas, que alcança sucesso comercial mantendo a integridade artística, que celebra a beleza física enquanto explora questões metafísicas. O seu trabalho obriga-nos a reconsiderar os nossos preconceitos sobre o que a arte contemporânea deveria ser.

A trajetória de MacDonald lembra-nos que a história da arte não é uma progressão linear rumo a mais abstração ou conceptualização, mas sim um diálogo constante entre diferentes abordagens e visões. Nesse diálogo, a sua voz é única e necessária, mesmo que incomode alguns dogmas estabelecidos.

Para aqueles que querem rejeitar o seu trabalho por ser demasiado comercial ou acessível, digo isto: a verdadeira subversão na arte contemporânea talvez não consista em chocar ou desconstruir, mas em ousar criar beleza num mundo que dela precisa desesperadamente. MacDonald faz exatamente isso, sem compromissos e sem desculpas.

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Referência(s)

Richard MACDONALD (1946)
Nome próprio: Richard
Apelido: MACDONALD
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Estados Unidos

Idade: 79 anos (2025)

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