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Rudolf Stingel, o demolidor da pintura

Publicado em: 29 Janeiro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

Rudolf Stingel transforma radicalmente os espaços de exposição em ambientes imersivos, onde carpetes monumentais e superfícies refletoras convidam o público a tornar-se co-criador. As suas instalações redefinem as fronteiras entre a obra e o espetador, questionando os fundamentos da nossa relação com a arte.

Ouçam-me bem, bando de snobs, Rudolf Stingel, nascido em 1956 em Merano, Itália, não é apenas um simples artista que brinca com as nossas perceções. É um provocador metódico que, há mais de três décadas, dinamita sistematicamente as convenções da pintura, ao mesmo tempo que nos força a repensar a nossa relação com a arte e o espaço.

Aqui está um artista que tem a ousadia de transformar os nossos museus em templos estofados, as nossas galerias em gabinetes de psicanálise e os nossos espaços de exposição em terrenos de jogo conceptuais. Em 1991, para a sua primeira exposição em Nova Iorque, ele cobriu completamente o chão da galeria Daniel Newburg com um tapete laranja elétrico. Nada mais. Nem uma única tela nas paredes. Apenas esta superfície têxtil estridente que agride a retina e nos força a reconsiderar a nossa posição no espaço. Era como se Yves Klein tivesse decidido ter um filho ilegítimo com Donald Judd, e que esta criança terrível tivesse escolhido dar os seus primeiros passos num tapete IKEA.

Mas Stingel não para por aí. Em 1989, publicou “Instruções”, um manual em seis idiomas que explica passo a passo como criar as suas próprias pinturas prateadas. É como se Leonardo da Vinci tivesse publicado um guia prático para pintar a Mona Lisa, ou se Jackson Pollock tivesse comercializado um kit “Faça o seu próprio dripping”. Esta abordagem remete directamente para o conceito filosófico da morte do autor desenvolvido por Roland Barthes. Stingel leva a ideia ao extremo ao transformar o acto criativo numa simples sequência de instruções mecânicas. Diz-nos, em síntese: “Quer um Stingel? Aqui tem a receita, faça você mesmo!”.

Esta abordagem radical da desmistificação da arte leva-nos ao nosso primeiro tema: a desconstrução sistemática do mito do artista criador. Stingel ataca frontalmente a noção romântica do génio artístico solitário. Ele desnuda os processos de criação, expõe os mecanismos de produção e transforma o acto artístico numa espécie de protocolo industrial. É um murro magistral para o establishment artístico que continua a venerar a aura mística do artista.

O segundo tema da sua obra é a exploração da temporalidade e da memória colectiva. Tome-se como exemplo as suas instalações com painéis de isolamento Celotex cobertos de folhas de alumínio, como aquela apresentada na Bienal de Veneza em 2003. Os visitantes são convidados a gravar, riscar e marcar estas superfícies reflectoras. Com o passar do tempo, estas intervenções do público transformam a obra numa testemunha contemporânea, um arquivo vivo das marcas deixadas por milhares de mãos anónimas. Esta prática remete para o conceito filosófico da memória colectiva desenvolvido por Maurice Halbwachs, onde cada marca, cada risco se torna num testemunho da nossa passagem, uma contribuição para uma memória partilhada.

Estas intervenções do público não são meros actos de vandalismo institucionalizado. Participam numa reflexão profunda sobre a natureza da arte e a sua relação com o tempo. As superfícies prateadas de Stingel tornam-se receptáculos da nossa presença colectiva, espelhos que já não reflectem os nossos rostos, mas os nossos gestos, as nossas impulsões, os nossos desejos de existir no espaço museológico para além de meros espectadores passivos.

A sua série de tapetes monumentais, nomeadamente aquele que cobria completamente o Palazzo Grassi durante a Bienal de Veneza em 2013, leva ainda mais longe esta reflexão sobre a temporalidade. Ao reproduzir numa escala desmedida motivos de tapetes otomanos antigos, Stingel não apenas transforma a arquitectura, cria uma colisão temporal vertiginosa. O passado comercial glorioso de Veneza, simbolizado por estes motivos orientais, é projectado no nosso presente através de um material industrial moderno. É como se o tempo se dobrasse sobre si mesmo, criando um curto-circuito histórico que nos força a repensar a nossa relação com a história e a tradição.

Esta manipulação do tempo e do espaço leva-nos ao nosso terceiro tema central: a redefinição radical dos limites da pintura. Stingel recusa categoricamente conformar-se às definições tradicionais do meio. Para ele, um tapete pode ser uma pintura, um painel isolante torna-se uma tela, e as marcas deixadas por botas mergulhadas em solvente sobre poliestireno são tão válidas quanto os traços de pincel mais delicados.

Os seus autorretratos fotorrealistas, como aquele em uniforme militar ou aquele onde aparece melancólico num quarto de hotel, não são meros exercícios de virtuosismo técnico. Representam uma meditação profunda sobre a natureza da representação na era da reprodução mecânica, remetendo-nos para as teorias de Walter Benjamin sobre a autenticidade na época da reprodutibilidade técnica. Estas obras colocam a questão: o que distingue uma pintura de uma fotografia quando a pintura se esforça por reproduzir meticulosamente todos os defeitos, vincos e imperfeições de uma fotografia antiga?

As instalações de Stingel criam ambientes imersivos que desfocam as fronteiras entre a obra e o espaço expositivo. Seja através dos seus tapetes monumentais que engolem a arquitetura ou dos seus painéis refletivos que transformam os espectadores em co-criadores, consegue transformar espaços institucionais austeros em zonas de experimentação coletiva.

As suas pinturas abstratas, criadas segundo as instruções do seu manual, não são menos subversivas. Ao reduzir o processo criativo a uma série de etapas mecânicas, questiona não só a noção de originalidade, mas também a de valor artístico. Como justificar que uma pintura criada pelo artista valha mais do que outra realizada exatamente segundo as mesmas instruções por outra pessoa?

Esta abordagem iconoclasta da pintura encontra o seu apogeu nas suas obras em poliestireno, onde caminha sobre as superfícies depois de molhar as suas botas em solvente. Estas pegadas, que evocam ironicamente as marcas deixadas na neve do seu Tirol natal, são uma paródia mordaz dos gestos heroicos do expressionismo abstrato. É como se Stingel nos dissesse: “Querem gesto? Aqui está, mas não aquele que esperavam”.

O aspeto mais notável do trabalho de Stingel é talvez a sua capacidade de manter um equilíbrio precário entre crítica institucional e sedução visual. As suas obras são tanto conceptualmente rigorosas como visualmente sumptuosas. Os motivos dourados das suas pinturas murais, inspirados em papéis de parede barrocos, são tão sedutores como intelectualmente estimulantes. Esta dualidade constante entre beleza e subversão, entre prazer estético e crítica institucional, faz dele um dos artistas mais importantes do nosso tempo.

Está claro que Stingel não é simplesmente um artista que procura provocar ou chocar. É um pensador sofisticado que usa a arte como uma ferramenta para sondar os fundamentos da nossa relação com a criação artística, o tempo e o espaço. As suas obras obrigam-nos a reconsiderar não só o que pode ser a pintura hoje, mas também o que significa ser espectador, criador ou simplesmente estar presente num espaço expositivo.

A sua capacidade de transformar materiais industriais banais em experiências estéticas transcendentais, mantendo ao mesmo tempo uma crítica aguda às convenções artísticas, faz dele um artista singular. Consegue a rara façanha de criar obras que são ao mesmo tempo acessíveis ao grande público e conceptualmente sofisticadas, visualmente sedutoras e intelectualmente estimulantes.

Stingel faz-nos ver o ordinário como extraordinário, transforma o banal em sublime, tudo mantendo uma distância crítica que nos impede de cair numa simples contemplação passiva. Ele força-nos a ser espectadores ativos, participantes empenhados num diálogo constante com a obra, o espaço e a nossa própria percepção.

Esta abordagem revolucionária da arte manifesta-se particularmente na sua forma de tratar as superfícies. Para Stingel, uma superfície nunca é simplesmente uma superfície. Quer se trate das suas pinturas prateadas criadas segundo as suas instruções publicadas, dos seus painéis de isolamento cobertos de grafitis ou dos seus tapetes monumentais, cada superfície torna-se um campo de investigação sobre a própria natureza da arte e a nossa relação com ela.

Tomemos como exemplo as suas instalações no Whitney Museum em 2007. Ao cobrir as paredes com painéis de isolamento prateados e convidar os visitantes a deixarem as suas marcas, Stingel transforma o austero espaço museológico numa zona de experimentação coletiva. O contraste entre o brilho industrial dos painéis e a espontaneidade das intervenções do público cria uma tensão fascinante entre o institucional e o informal, o planeado e o aleatório.

Esta democratização do ato criativo não deixa de lembrar as experimentações do grupo Fluxus nos anos 1960, mas Stingel leva o conceito ainda mais longe. Ele não se limita a convidar o público a participar, transforma essa participação num elemento constitutivo da obra em si. As marcas, os riscos e as inscrições deixadas pelos visitantes não são alterações da obra, são a obra.

Os autorretratos fotorrealistas de Stingel são particularmente interessantes. Nessas obras, ele apresenta-se frequentemente em momentos de vulnerabilidade ou de reflexão intensa. O artista mostra-se a envelhecer, melancólico, por vezes quase desfeito. Estas imagens não são simples exercícios de representação, mas meditações profundas sobre a passagem do tempo e a natureza da identidade artística.

No seu autorretrato em uniforme militar, Stingel joga com os códigos da representação masculina tradicional enquanto os subverte subtilmente. O uniforme, símbolo de poder e autoridade, é usado por um artista que passou a carreira a questionar as estruturas de poder no mundo da arte. Essa aparente contradição cria uma tensão que enriquece a leitura da obra.

As pinturas abstratas de Stingel, criadas segundo as instruções do seu manual, representam talvez a sua crítica mais radical às convenções artísticas. Ao reduzir o processo criativo a uma série de etapas mecânicas, ele não se limita a desmistificar o ato de pintar, questiona toda a mitologia da inspiração artística.

A sua utilização do poliestireno como suporte pictórico é particularmente reveladora. Ao pisar essas superfícies com botas embebidas em solvente, cria obras que são ao mesmo tempo pinturas e performances fossilizadas. As pegadas no poliestireno evocam as marcas deixadas na neve, criando uma ligação poética com o seu Tirol natal ao mesmo tempo que fazem um comentário irónico sobre a gestualidade heróica do expressionismo abstrato.

As instalações de tapetes de Stingel, nomeadamente a do Palazzo Grassi em 2013, representam talvez o ápice da sua reflexão sobre o espaço e a perceção. Ao cobrir inteiramente as paredes e os pavimentos com padrões de tapetes ampliados, ele cria um ambiente imersivo que desorienta e reorienta simultaneamente o espectador. A arquitetura do palazzo desaparece sob essa superfície têxtil omnipresente, criando um espaço ao mesmo tempo familiar e estranhamente alienígena.

Esta transformação radical do espaço arquitetónico remete-nos para a questão fundamental colocada pela obra de Stingel: o que constitui uma obra de arte hoje em dia? Será o objeto físico? A experiência que gera? As marcas que deixa na nossa memória coletiva?

As respostas que Stingel propõe a estas questões são tão complexas quanto provocadoras. Para ele, a arte não reside num objeto único e precioso, mas na multiplicidade de experiências e interpretações que gera. As suas obras não são monumentos estáticos para contemplação passiva, mas catalisadores de interação e reflexão.

Esta abordagem da arte como experiência, em vez de objeto, encontra a sua expressão mais pura nas suas instalações participativas. Ao convidar o público a intervir diretamente nas suas obras, Stingel transforma o espetador em colaborador, borrando as fronteiras tradicionais entre criador e consumidor de arte.

A radicalidade de Stingel não reside tanto nos seus gestos provocadores, mas na sua capacidade de manter uma coerência conceptual ao longo da carreira. Cada nova obra, cada nova instalação enquadra-se numa reflexão contínua sobre a natureza da arte e a nossa relação com ela.

O seu trabalho obriga-nos a repensar não só o que a arte pode ser hoje, mas também como interagimos com ela. Ao transformar espaços de exposição em ambientes imersivos e participativos, cria situações onde a arte deixa de ser algo para contemplar e passa a ser algo para viver e experimentar.

Stingel cria obras que são ao mesmo tempo críticas e generosas, conceptualmente rigorosas e sensorialmente ricas. Ele mostra-nos que é possível questionar as convenções artísticas enquanto se criam experiências estéticas poderosas e memoráveis.

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Referência(s)

Rudolf STINGEL (1956)
Nome próprio: Rudolf
Apelido: STINGEL
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Itália

Idade: 69 anos (2025)

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