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Theaster Gates: O construtor de possíveis

Publicado em: 6 Janeiro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 6 minutos

Theaster Gates é um artista que transforma a matéria em ouro – não o ouro dos especuladores, mas o da dignidade recuperada. A sua prática da cerâmica não é apenas uma técnica artística, é uma filosofia incorporada, uma forma de pensar a transformação que permeia toda a sua obra.

Ouçam-me bem, bando de snobs, está na hora de falar de Theaster Gates (nascido em 1973), este artista que faz tremer os alicerces do nosso mundo da arte demasiado organizado. Não, ele não é mais um artista conceptual que pensa revolucionar a arte expondo objetos encontrados num contentor de lixo. Gates é de outra estirpe, daquela dos construtores, dos visionários que transformam a matéria em ouro, não o ouro dos especuladores, mas aquele da dignidade reencontrada.

Enquanto alguns colecionadores se extasiam diante de telas pintadas alcançando vários milhões de euros nos seus penthouses climatizados a 21°C, Gates escolheu fazer da arte uma arma de construção em grande escala. Uma construção que começa com as suas mãos mergulhadas na argila, como um demiurgo moderno que decidira que a cerâmica não estava reservada às peças decorativas dos salões burgueses.

A sua prática da cerâmica, aprendida especialmente durante uma estadia transformadora em Tokoname, no Japão, em 2004, não é apenas uma técnica artística simples. É uma filosofia incorporada, uma maneira de pensar a transformação da matéria que permeia toda a sua obra. Quando Gates molda a argila, não cria simplesmente recipientes, forja uma visão do mundo onde a matéria mais humilde pode tornar-se portadora de dignidade. Os seus “Black Vessels for a Saint” não são simples vasos pretos: são totens contemporâneos que combinam a estética minimalista do Mingei japonês com a potência telúrica da arte africana.

Mas a verdadeira revolução de Gates foi compreender que a arte podia, e devia, sair das galerias para ocupar a rua, os bairros abandonados, os edifícios condenados. Em 2010, quando lança a Rebuild Foundation em Chicago, ele não se limita a comprar edifícios degradados: põe em prática o que Walter Benjamin teorizava em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. Onde Benjamin via a perda da aura da obra de arte como uma possibilidade de emancipação, Gates vai mais longe: reinventa a aura ao deslocá-la para o coletivo, para a comunidade.

A Stony Island Arts Bank, aquele banco abandonado que transformou em centro cultural, não é apenas um simples local de exposição. É um manifesto arquitetónico que nos diz que a beleza não pertence só aos centros urbanos gentrificados. Neste edifício neoclássico salvo da demolição, Gates criou um espaço cultural dinâmico onde se sobrepõem e dialogam os arquivos da Johnson Publishing (editora histórica das revistas Ebony e Jet) e a coleção de vinis de Frankie Knuckles, o padrinho da house music. É um lugar onde a história não está momificada em vitrinas, mas viva, pulsante, em constante reinvenção.

Esta abordagem radical à preservação cultural ecoa nas teorias de Jacques Rancière sobre o “partilha do sensível”. Onde Rancière fala da necessidade de redistribuir os papéis e os espaços na sociedade, Gates age concretamente. Ele não se limita a teorizar sobre a arte como ferramenta de transformação social: transforma bairros inteiros em obras de arte vivas, onde a cultura não é um verniz superficial, mas a própria argamassa da comunidade.

E o que dizer do seu trabalho com os “Civil Tapestries”, essas obras realizadas a partir de mangueiras de incêndio desativadas? Estas peças não são meros exercícios de estilo minimalista. Elas carregam a memória das lutas pelos direitos civis, quando essas mesmas mangueiras eram usadas para dispersar violentamente os manifestantes. Gates transforma esses instrumentos de repressão em obras de arte que nos obrigam a encarar nossa história de frente, sem complacência, mas também sem desespero.

Sua última exposição importante no Mori Art Museum de Tóquio, “Afro-Mingei”, é talvez sua proposta mais audaciosa até hoje. Ao fundir a estética do movimento Mingei japonês com as tradições artesanais afro-americanas, Gates não cria apenas um novo vocabulário artístico: ele propõe uma visão do mundo onde as culturas não se confrontam, mas se enriquecem mutuamente. É um acinte magistral a todos aqueles que gostariam de colocar os artistas em categorias étnicas ou culturais bem definidas.

Nesta exposição, Gates demonstra que a arte não precisa ser hermética para ser profunda. Suas instalações, que misturam cerâmicas, performances e arquivos, criam um diálogo fascinante entre a filosofia zen do “mono no aware” (a consciência da impermanência) e a resiliência da cultura afro-americana. É um diálogo que teria encantado Roland Barthes, que via na cultura japonesa uma outra forma de pensar a relação entre o signo e o sentido.

O que torna o trabalho de Gates tão importante é sua capacidade de transcender as dicotomias fáceis entre arte elitista e arte popular, entre tradição e inovação, entre local e global. Quando ele instala sua “Black Chapel” nos jardins da Serpentine Gallery em Londres em 2022, ele não cria apenas um pavilhão de exposições: ele ergue um templo laico onde a arte, a música e a comunidade se encontram em um diálogo permanente.

Essa obra cilíndrica, que evoca tanto os fornos de cerâmica de Stoke-on-Trent quanto as igrejas redondas da Hungria, é emblemática de sua abordagem. Com seu óculo central que deixa entrar a luz natural, cria um espaço de contemplação que não está fechado em si mesmo, mas aberto para o mundo. É um lugar onde a espiritualidade não é dogmática, mas experiencial, onde a arte não é um monólogo, mas uma conversa.

Gates nos lembra que arte não é apenas uma questão de estética: é antes de tudo uma questão de ética. Seu trabalho põe a questão fundamental: o que a arte pode diante da injustiça, diante do esquecimento, diante da destruição? Sua resposta é clara: a arte pode reconstruir, não apenas edifícios e bairros, mas também comunidades e almas.

Em um mundo da arte frequentemente cínico e desencantado, Gates mantém uma fé inabalável no poder transformador da criação. Não uma fé ingênua, mas uma fé forjada na ação, no trabalho concreto com a matéria e as comunidades. Sua obra nos relembra que a arte não é um luxo: é uma necessidade vital, uma ferramenta de resistência e reconstrução.

E se alguns críticos bem-pensantes acham sua abordagem demasiado direta, demasiado engajada, tanto melhor. A arte de Gates não é feita para decorar as paredes de pseudo-colecionadores que confundem Jean-Michel Basquiat com Jean-Michel Jarre. Ela é feita para abalar as nossas certezas, para nos lembrar que a beleza pode nascer dos escombros e que a cultura não é um privilégio, mas um direito fundamental.

Theaster Gates não é apenas um artista: é um alquimista social que transforma matéria inerte em ouro cultural, edifícios abandonados em centros de vida, objetos esquecidos em tesouros de memória. Ele lembra-nos que a verdadeira inovação consiste por vezes em preservar, restaurar, dar nova vida àquilo que parecia condenado a desaparecer.

A sua arte desafia-nos: seremos capazes de ver a beleza onde outros só veem ruínas? Teremos coragem de acreditar, como ele, que a arte pode ser mais do que um entretenimento para privilegiados, que pode ser uma ferramenta de transformação social? A resposta a estas perguntas não se encontra nos catálogos de exposição nem nas teorias estéticas, mas nas ruas de Chicago, nas comunidades revitalizadas, nas vidas transformadas pelo seu trabalho.

Para quem ainda duvida, vá ver o seu trabalho na Stony Island Arts Bank. Observe como ele transformou este edifício abandonado num farol cultural. Ouça os vinis da coleção Frankie Knuckles que ressoam nas suas paredes. Veja como os arquivos das revistas Ebony e Jet contam uma história diferente da América. E talvez então compreenda que a arte de Gates não foi feita para ser contemplada passivamente: foi feita para ser vivida, para ser habitada, para continuar.

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Referência(s)

Theaster GATES (1973)
Nome próprio: Theaster
Apelido: GATES
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Estados Unidos

Idade: 52 anos (2025)

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