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Tomás Sánchez: Arte e consciência ecológica

Publicado em: 25 Maio 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 16 minutos

Tomás Sánchez transforma as nossas angústias ecológicas em visões místicas de uma precisão técnica impressionante. Este pintor cubano navega entre paisagens edénicas e depósitos apocalípticos, revelando as nossas contradições contemporâneas. As suas obras hiper-realistas, alimentadas por cinquenta anos de meditação diária, cartografam o inconsciente coletivo da nossa época.

Ouçam-me bem, bando de snobs, porque é tempo de falar a sério sobre Tomás Sánchez, este pintor cubano nascido em 1948 que transforma as nossas angústias ecológicas em visões místicas com uma precisão cirúrgica. Este homem que mergulha os seus pincéis na meditação há mais de cinquenta anos oferece-nos paisagens que oscilam entre o paraíso perdido e o apocalipse consumista, com uma mestria técnica que faria inveja aos mestres antigos. Mas não se enganem: por trás deste hiper-realismo perfeito esconde-se uma abordagem conceptual de uma sofisticação impressionante.

A singularidade de Sánchez reside na sua capacidade de transcender as categorias habituais da arte contemporânea. Nem exatamente paisagista tradicional, nem artista conceptual puro, navega num território híbrido onde a estética encontra a ética, onde a beleza convive com o horror, onde a contemplação budista dialoga com a urgência ambiental. As suas telas gigantescas, que podem exigir meses de trabalho minucioso, constituem meditações visuais que nos convida a partilhar.

Diplomado pela Escola Nacional de Arte de Havana em 1971, Sánchez explorou inicialmente o expressionismo sob a influência de Antonia Eiriz antes de encontrar o seu caminho na paisagem. O seu Prémio Internacional de Desenho Joan Miró em 1980 marca o início de um reconhecimento internacional que nunca esmoreceu. Atualmente radicado entre Miami e a Costa Rica, continua a pintar esses universos oníricos que questionam a nossa relação com a natureza com uma perspicácia perturbadora.

A obra de Sánchez articula-se em torno de dois conjuntos aparentemente antitéticos mas profundamente complementares. Por um lado, as suas paisagens edénicas transportam-nos para florestas tropicais luxuriantes onde a vegetação explode em sinfonias de verdes, onde os cursos de água serpenteiam entre árvores seculares, onde a luz filtrada cria catedrais naturais de uma beleza impressionante. Por outro lado, os seus depósitos monumentais confrontam-nos com a nossa realidade consumista com uma violência visual assumida, acumulando detritos e resíduos em montanhas obscenas que desfiguram a paisagem.

Esta dualidade não é casual. Ela revela uma visão dialética do mundo contemporâneo, onde o artista nos apresenta simultaneamente o que perdemos e o que arriscamos legar às gerações futuras. “A natureza não é ideológica; a natureza carrega a sua própria ideologia” [1], declara ele, resumindo assim a sua filosofia artística que recusa simplificações políticas para privilegiar uma abordagem espiritual e universal.

Arquitetura e geometria sagrada

A análise formal das obras de Sánchez revela uma sofisticação arquitectónica que ultrapassa largamente o simples mimetismo naturalista. As suas composições organizam-se segundo princípios geométricos rigorosos que evocam a arquitectura sagrada das grandes tradições espirituais. As árvores tornam-se colunas, as clareiras transformam-se em naves, os cursos de água desenham perspectivas infinitas que guiam o olhar para pontos de fuga misteriosos.

Esta dimensão arquitectónica encontra as suas raízes na formação inicial do artista, que considerou inicialmente uma carreira de arquitecto antes de se dedicar inteiramente à pintura. Esta experiência transparece na sua maneira de organizar o espaço pictórico, de estruturar os volumes, de jogar com as escalas e proporções. As suas paisagens nunca são deixadas ao acaso da inspiração; obedecem a uma lógica construtiva implacável que transforma cada tela num edifício mental.

A influência da arquitetura gótica é particularmente sentida nas suas representações florestais, onde os troncos esguios evocam os pilares de uma catedral, onde a abóbada das folhagens filtra a luz como os vitrais coloridos de uma nave. Esta sacralização do espaço natural não é acidental: traduz uma conceção quase religiosa da natureza, percebida como templo vivo em vez de simples cenário.

A geometria sagrada impregna também as suas composições mais minimalistas, onde alguns elementos, um ilhéu, uma nuvem, uma silhueta humana, são suficientes para criar equilíbrios visuais de uma perfeição matemática. Estas simplificações formais, que por vezes recordam a estética de Mark Rothko, revelam a capacidade de Sánchez para condensar a emoção cósmica em estruturas de uma simplicidade enganadora.

A recorrência do número de ouro nas suas proporções, o uso subtil das simetrias e assimetrias, o domínio dos ritmos visuais testemunham uma reflexão aprofundada sobre os fundamentos geométricos da harmonia. Cada elemento encontra o seu lugar num sistema complexo de ecos e correspondências que transforma a contemplação numa experiência quase arquitetónica.

Esta abordagem arquitetónica da pintura inscreve-se numa tradição que remonta aos mestres do Renascimento, mas Sánchez renova-a aplicando-a à paisagem contemporânea. As suas florestas tornam-se arquiteturas orgânicas, os seus depósitos de lixo ruínas pós-modernas, os seus céus abóbadas celestes onde se desdobram os mistérios da criação.

Psicanálise da imagem e inconsciente coletivo

A obra de Tomás Sánchez revela uma dimensão psicanalítica fascinante que ultrapassa largamente o simples prazer estético. As suas paisagens funcionam como ecrãs de projeção para os nossos fantasmas coletivos, as nossas angústias reprimidas, os nossos desejos inconfessos de reconciliação com a natureza. O artista cubano manipula com virtuosismo os arquétipos junguianos, transformando as suas telas em cartografias do inconsciente contemporâneo.

A figura recorrente do meditante solitário, frequentemente representada de costas no primeiro plano das suas composições florestais, constitui um dispositivo psicológico particularmente eficaz. Esta silhueta anónima funciona como um duplo do espectador, convidando-o a uma identificação imediata que facilita a projeção fantasiosa. O processo de identificação é tanto mais poderoso quanto a figura permanece voluntariamente indeterminada: nem homem nem mulher, nem jovem nem velho, esta presença universal permite que cada um se reconheça nela.

A análise freudiana revela nesta configuração uma atualização do complexo da cena primitiva: o espectador-vigia observa uma cena de intimidade entre o humano e a natureza, reproduzindo a estrutura fundamental do desejo escópico. Mas, ao contrário das representações tradicionais, esta cena primitiva é pacificada, libertada da sua carga traumática habitual. A natureza torna-se mãe benevolente em vez de objeto de conquista, oferecendo um modelo de relação não conflituosa que ressoa com as nossas aspirações ecológicas contemporâneas.

As paisagens edénicas de Sánchez reativam poderosamente o imaginário do paraíso perdido, este fantasma originário que assombra a humanidade desde a aurora dos tempos. As suas florestas luxuriosas evocam o Éden bíblico, mas também as representações da Idade de Ouro antiga, essas temporalidades míticas onde reinava a harmonia entre o homem e o seu ambiente. Esta nostalgia não é regressiva: funciona como motor utópico, alimentando o nosso desejo de reconciliação com o mundo natural.

O inconsciente coletivo ocidental, marcado por séculos de dominação tecno-industrial, encontra nestas imagens uma forma de desabafo para suas tensões reprimidas. Os espectadores projetam nesses paisagens virtuais seus fantasmas de regeneração, seus sonhos de vida autêntica, sua necessidade de espiritualidade num mundo desencantado. Sánchez capta com notável acuidade essas profundas necessidades psíquicas e lhes oferece uma satisfação simbólica de rara intensidade.

A dimensão catártica de seus depósitos segue uma lógica psicanalítica inversa mas complementar. Essas acumulações de objetos rejeitados materializam nossos repressões, dando forma visível a tudo que nossa sociedade prefere ignorar. O efeito é impressionante: confrontados com essas montanhas de lixo, sentimos um desconforto que revela nossa culpa coletiva diante da destruição ambiental.

Essas imagens-impacto funcionam como formações de compromisso no sentido freudiano, permitindo a expressão disfarçada de conteúdos psíquicos normalmente censurados. Ao transformar nossos resíduos em objetos estéticos, Sánchez realiza uma sublimação que torna suportável o confronto com nossa destrutividade. O processo lembra os mecanismos da arteterapia: representar o trauma permite começar a elaborá-lo.

A alternância entre paisagens idílicas e visões apocalípticas reproduz a estrutura da ambivalência afetiva fundamental descrita por Mélanie Klein. Essa oscilação entre posição depressiva e posição paranóide-esquizoide estrutura nossa relação com o mundo: ora idealizamos a natureza, ora a percebemos como ameaçada ou ameaçadora. Sánchez metaboliza artisticamente essa ambivalência constitutiva, oferecendo um caminho de superação pela elaboração simbólica.

A eficácia psicológica de suas obras também advém de sua capacidade de ativar processos de regressão controlada. A contemplação de seus paisagens induz um estado meditativo próximo à devaneio, favorecendo a emergência de conteúdos inconscientes normalmente inacessíveis. Essa regressão temporária a serviço do ego permite uma reorganização psíquica benéfica, explicando o efeito calmante unanimemente relatado pelos espectadores.

A dimensão transgeracional de sua obra merece também ser destacada. Representando as consequências de nossos atos sobre o meio ambiente, Sánchez materializa a transmissão psíquica entre gerações, dando forma visível ao que legamos a nossos descendentes. Essa preocupação transgeracional revela uma maturidade psíquica notável, testemunhando uma capacidade de elaboração das questões coletivas que vai muito além do narcisismo habitual do mundo artístico.

Suas criações funcionam assim como objetos transicionais no sentido winnicottiano, criando um espaço intermediário entre realidade e fantasia, entre o individual e o coletivo, entre o presente e o futuro. Essa qualidade transicional explica seu poder de atração universal e sua capacidade de nutrir duradouramente nossa imaginação ecológica.

A abordagem psicanalítica revela finalmente que a obra de Sánchez vai muito além da simples denúncia ecológica para constituir uma verdadeira terapia coletiva. Ao dar forma artística aos nossos conflitos psíquicos contemporâneos, ele contribui para sua elaboração simbólica e abre caminhos de resolução criativa. Essa dimensão terapêutica, raramente reconhecida na arte contemporânea, coloca seu trabalho numa linhagem que remonta às funções rituais e catárticas da arte primitiva.

Um mercado de arte sob tensão

O sucesso comercial fenomenal de Tomás Sánchez levanta questões perturbadoras sobre os mecanismos do mercado da arte contemporânea. As suas telas negociam-se hoje entre 150.000 e 1.800.000 dólares, fazendo dele o artista cubano vivo mais caro do mundo. Esta valorização extrema questiona-se: como é que um pintor de paisagens, género teoricamente ultrapassado, consegue despertar tais cobiças financeiras?

A resposta reside em parte na escassez controlada da sua produção. Sánchez pinta lenta e metodicamente, entregando apenas algumas obras principais por ano. Esta parcimónia mantém uma tensão permanente entre oferta e procura que alimenta a especulação. Cada nova tela torna-se um evento, cada aquisição um troféu para colecionadores abastados à procura de distinção social.

Mas esta lógica económica não é suficiente para explicar o entusiasmo. A dimensão espiritual da sua obra responde a uma demanda psicológica específica das elites contemporâneas. Num mundo desencantado pela tecnologia e pela financeirização, as suas paisagens edénicas oferecem um luxo supremo: o acesso privatizado à transcendência. Possuir um Sánchez é apropriar-se simbolicamente de um fragmento do paraíso, distinguir-se pelo refinamento espiritual tanto quanto pela riqueza material.

Esta mercantilização da espiritualidade põe problemas. Gabriel García Márquez pressentia esta deriva quando escrevia que Sánchez criava “o modelo do mundo que devemos construir após o Juízo Final” [2]. A ironia é cruel: estas visões de um mundo reconciliado com a natureza acabam nos cofres daqueles mesmos que mais contribuem para a sua destruição.

A galeria Marlborough, que representa o artista desde 1996, orquestrou perfeitamente esta ascensão. Exposições cuidadosamente espaçadas, catálogos luxuosos, colocação estratégica nos maiores museus: todos os recursos do marketing artístico são mobilizados para alimentar o mito. A exposição “Inner Landscape” de 2021 em Nova Iorque, primeira individual em 17 anos, gerou um grande buzz mediático e vendas recorde.

Este sucesso comercial não é isento de consequências para a criação. A pressão do mercado leva Sánchez à auto-reprodução, à fabricação em série de variações sobre os seus temas mais vendáveis? O artista resiste à tentação da facilidade quando uma tela pode render mais do que uma vida de trabalho comum? Estas questões assombram qualquer criador confrontado com o sucesso financeiro.

A análise sociológica revela que os seus colecionadores pertencem maioritariamente às elites latino-americanas e norte-americanas, frequentemente vindas dos setores mais poluentes da economia (petróleo, minas, agroindústria). Esta coincidência perturbadora transforma as suas obras em indulgências ecológicas, permitindo aos seus proprietários comprar simbolicamente os seus pecados ambientais. A posse de um Sánchez torna-se um álibi moral, uma prova exibida de uma sensibilidade ecológica de fachada.

O mercado secundário confirma esta lógica especulativa. Na Christie’s, as suas obras atingem leilões delirantes que já não têm nada a ver com o seu valor estético intrínseco. “Llegada del caminante a la laguna” foi adjudicada por 1,8 milhões de dólares em 2022, recorde absoluto para o artista. Estes preços desligados de toda a realidade artística alimentam uma bolha financeira preocupante.

Esta financeirização excessiva prejudica paradoxalmente a receção crítica da sua obra. Demasiado caro para ser acessível, demasiado precioso para ser verdadeiramente observado, as suas paisagens tornam-se objetos de acumulação em vez de contemplação. A arte transforma-se em investimento financeiro, perdendo a sua função primordial de alimento espiritual.

A proliferação de falsificações, fenómeno recorrente na arte cubana, testemunha essas derivações mercantis. O próprio Sánchez estima em várias centenas o número de contrafações que circulam no mercado, especialmente em Miami. Esta economia paralela revela os disfuncionamentos de um sistema onde a assinatura é mais importante do que a obra, onde a especulação prevalece sobre a emoção estética.

Perante essas derivações, o artista tenta preservar uma ética pessoal. Uma parte dos lucros das suas vendas financia o Prasad Project, organização de caridade ativa na Índia e no México. Esta redistribuição parcial atenua, sem eliminar totalmente, a contradição entre a mensagem ecológica e o sucesso capitalista.

O exemplo de Sánchez ilustra os paradoxos contemporâneos da arte comprometida. Como conciliar a denúncia do consumismo com a participação no luxo elitista? Como manter uma mensagem autêntica num sistema mercantil que perverte tudo o que toca? Essas tensões atravessam a sua obra e questionam a própria possibilidade de uma arte crítica no atual quadro capitalista.

A pós-humanidade das suas visões ganha assim um sentido inesperado: talvez ele profetize um mundo onde a própria arte terá desaparecido, consumida pela lógica financeira que transforma tudo em mercadoria. As suas paisagens virgens tornam-se então metáforas de uma arte pura e acessível que só existe nos nossos sonhos de colecionadores arrependidos.

Esta contradição fundamental não diminui em nada a qualidade intrínseca das suas criações, mas ilumina os impasses contemporâneos da arte crítica. Sánchez navega nestas águas turvas com uma habilidade consumada, preservando o essencial da sua mensagem enquanto cede às sirenes do mercado. Esta ambiguidade assumida faz dele talvez o artista mais representativo do nosso tempo, espelho fiel das nossas contradições coletivas.

O hiper-realismo como manifesto ontológico

A técnica hiper-realista de Sánchez ultrapassa largamente a simples virtuosidade pictórica para constituir um verdadeiro manifesto ontológico. Cada folha pintada com precisão microscópica, cada reflexo capturado nas suas mais subtis nuances, cada textura reproduzida com fidelidade fotográfica participam numa abordagem filosófica profunda que interroga a própria natureza do real e da sua representação.

Esta obsessão pelo detalhe não resulta do fetichismo técnico mas de uma concepção particular da arte como revelação do mundo. Ao obrigar-nos a olhar o que já não vemos, Sánchez opera uma forma de revolução perceptiva. As suas árvores pintadas grão a grão, as suas águas reproduzidas gota a gota lembram-nos que a realidade ultrapassa infinitamente as nossas perceções habituais, enfraquecidas pela velocidade e pela distração contemporâneas.

Esta estética da ultra precisão insere-se numa tradição espiritual oriental onde a atenção ao detalhe se torna um exercício meditativo. Tal como os monges zen que varrem meticulosamente o seu templo, Sánchez pinta cada elemento com uma consciência total que transforma o ato pictórico numa prática contemplativa. “Quando entro num estado de meditação, é como se estivesse numa selva ou floresta” [3], explica ele, revelando a dimensão mística do seu processo criativo.

A temporalidade dilatada das suas criações constitui um desafio direto à aceleração contemporânea. Num mundo obcecado pelo instantâneo e pelo efémero, ele opõe a lentidão assumida de um trabalho que pode estender-se por vários meses. Esta resistência temporal torna-se um ato político: perante a lógica produtivista dominante, reivindica o direito à lentidão criativa, única capaz de captar a complexidade do real.

O hiper-realismo de Sánchez revela também uma conceção particular da mímese que vai além da imitação pura. As suas paisagens, embora aparentemente fiéis, não existem em nenhum lugar da realidade geográfica. Trata-se de sínteses imaginárias, condensações poéticas que capturam a essência da natureza tropical em vez das suas manifestações particulares. Esta “sur-realidade” paradoxal produz um efeito de verdade mais intenso do que a reprodução direta.

O domínio técnico absoluto permite essa liberdade conceptual. Porque controla perfeitamente o seu meio, Sánchez pode permitir-se todos os desvios da realidade mantendo uma credibilidade visual total. Os seus céus impossíveis, as suas vegetações oníricas, as suas perspetivas irrealizáveis funcionam porque cada detalhe é representado com uma convicção absoluta.

Esta abordagem opõe-se diametralmente à estética do rascunho e do esboço que domina a arte contemporânea. Onde muitos cultuam o inacabado como marca de modernidade, Sánchez reivindica o acabamento como valor estético e ético. Cada obra torna-se uma totalidade fechada, um universo completo que não necessita de nenhuma explicação externa para funcionar.

A dimensão obsessiva do seu trabalho evoca certas patologias da perceção, mas essa obsessão está controlada, posta ao serviço de um projeto artístico coerente. Revela uma capacidade de concentração excecional que permite aceder a níveis de realidade habitualmente invisíveis. Esta hiperperceção compensa a nossa miopia coletiva face aos desafios ambientais.

A eficácia política desta abordagem não deve ser subestimada. Ao tornar visível o invisível, ao revelar a beleza desconhecida do mundo natural, Sánchez produz uma forma de choque estético que pode modificar duradouramente a nossa relação com o ambiente. Os seus espectadores testemunham regularmente essa transformação perceptual: após contemplar as suas obras, olham de forma diferente para a natureza que os rodeia.

Esta revolução do olhar insere-se numa longa tradição artística que remonta aos mestres flamengos. Como Van Eyck ou Memling, Sánchez utiliza a precisão técnica para revelar os mistérios do visível. Mas onde os primitivos flamengos glorificavam a criação divina, ele celebra uma natureza ameaçada que apela à nossa proteção urgente.

O hiper-realismo torna-se assim uma ferramenta de despertar ecológico. Ao mostrar-nos o que corremos o risco de perder com uma precisão impressionante, torna palpável a urgência ambiental. Os seus depósitos hiper-realistas produzem um efeito de repulsa física que ultrapassa todos os discursos sobre a poluição. Esta encarnação visual da abstração ecológica constitui talvez a sua contribuição mais valiosa para o debate contemporâneo.

Esta estética da precisão total põe finalmente a questão da verdade na arte. Sánchez demonstra que o realismo não é uma reprodução passiva mas uma construção ativa, que a fidelidade ao visível pode servir fins conceptuais complexos. O seu hiper-realismo transcende a técnica para se tornar uma visão do mundo, revelando as potencialidades infinitas da representação pictórica quando é impulsionada por uma urgência espiritual autêntica.

O pintor da nossa má consciência

Tomás Sánchez ocupa no panorama da arte contemporânea uma posição única e perturbadora. Herdeiro dos mestres antigos pela sua técnica, visionário ecológico pelos seus temas, navega entre tradições e modernidade com uma habilidade consumada que desconcerta os seus contemporâneos. O seu sucesso fenomenal revela tanto as nossas necessidades espirituais reprimidas como as nossas contradições ideológicas assumidas.

Este homem que transforma a meditação em pintura e a pintura em meditação oferece-nos um espelho impiedoso. As suas paisagens edénicas revelam a nossa nostalgia por um mundo perdido, os seus depósitos monumentais materializam a nossa culpa coletiva. Entre estes dois polos, ele cartografa as nossas esquizofrenias contemporâneas com uma lucidez que tanto incomoda como seduz.

A contradição fundamental da sua obra, denunciar o consumismo enquanto alimenta o mercado da arte de luxo, não constitui uma falha mas um revelador. Ela ilustra a impossibilidade contemporânea de escapar às lógicas capitalistas, mesmo quando se combatem. Esta ambiguidade assumida talvez faça dele o artista mais representativo do nosso tempo.

A sua influência ultrapassa amplamente o círculo restrito dos amantes da arte. Ao reconciliar estética e ética, virtuosismo técnico e compromisso espiritual, ele traça caminhos futuros para uma arte que recusa a alternativa estéril entre beleza e crítica social. As suas paisagens impossíveis alimentam o nosso imaginário ecológico e mantêm viva a utopia de uma reconciliação com a natureza.

O exemplo de Sánchez demonstra que a arte ainda pode transformar consciências, desde que não subestime a inteligência dos seus espetadores. Ao recusar a facilidade da denúncia direta para privilegiar a sedução estética, ele abre brechas nas nossas defesas psicológicas e permite a emergência de uma sensibilidade ambiental autêntica.

Esta estratégia do encantamento crítico poderá inspirar outros criadores confrontados com os desafios do nosso tempo. Em vez de atordoar o público com mensagens moralizadoras, Sánchez escolhe seduzi-lo para melhor o transformar. Esta abordagem subtil revela uma maturidade artística que ultrapassa largamente as habituais gesticulações militantes.

A sua obra coloca afinal uma questão essencial: pode a arte ainda salvar o mundo? A resposta de Sánchez é nuanceada. As suas pinturas não mudarão diretamente o curso das coisas, mas mantêm vivos os sonhos e as utopias de que precisamos para não sucumbir ao cinismo. Esta função profética da arte, tantas vezes esquecida, recupera com ele a sua dignidade.

Num mundo saturado de imagens violentas e mensagens ansiogénicas, Tomás Sánchez ainda ousa propor a beleza. Esta beleza não é fuga, mas resistência, não é consolo, mas revolução silenciosa. Ela recorda-nos que ainda temos escolha entre o inferno dos nossos depósitos e o paraíso das nossas possíveis reconciliações.

Talvez este seja o génio deste homem simples que pinta há mais de cinquenta anos as mesmas árvores e os mesmos detritos: recordar-nos que para além das nossas sofisticações conceptuais, a arte mantém a sua função primeira de despertar e esperança. No caos contemporâneo, as suas visões de harmonia reencontrada brilham como faróis na noite, guiando os nossos passos para futuros ainda possíveis.


  1. Tomás Sánchez, entrevista com Avant Arte, 2021
  2. Gabriel García Márquez, prefácio do catálogo “Tomás Sánchez”, Skira Editore, 2003
  3. Edward J. Sullivan, “Tomás Sánchez: Paisagem Interior”, Artnet News, janeiro 2022
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Referência(s)

Tomás SANCHEZ (1948)
Nome próprio: Tomás
Apelido: SANCHEZ
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Cuba

Idade: 77 anos (2025)

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