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Tyler Hobbs: A arte do génio dos algoritmos

Publicado em: 24 Março 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 7 minutos

Tyler Hobbs transforma algoritmos em sinfonias visuais onde a lógica informática e o caos orgânico se encontram. As suas obras não são simples imagens digitais, mas explorações fenomenológicas e arquitetónicas que revelam a beleza dos sistemas e criam uma relação harmoniosa entre o humano e a tecnologia.

Ouçam-me bem, bando de snobs. Vou falar-vos de um artista que tem a audácia de criar beleza com código informático, um alquimista digital que transforma algoritmos áridos em sinfonias visuais que vibram na alma. Tyler Hobbs não é simplesmente um programador informático que se perdeu numa galeria de arte. É um visionário, um génio, que encontrou o elo perdido entre a lógica implacável dos computadores e o caos orgânico da existência humana.

Hobbs manipula o código como Bartók manipula as harmonias ou como Stravinsky manipula os ritmos, criando tensões que suspendem a nossa respiração, para depois se dissolverem em elegância. As suas obras mais famosas, como a série “Fidenza”, são explosões controladas de linhas fluidas, de formas fragmentadas e de cores delicadamente equilibradas. Estas composições não são simplesmente “bonitas” (essa palavra insípida que tanto detesto). Elas são viscerais, intelectualmente estimulantes e, acima de tudo, profundamente satisfatórias.

A arte de Hobbs remete-nos para as questões fundamentais da fenomenologia, essa vertente filosófica que se interessa pela perceção direta da experiência. Edmund Husserl convida-nos a regressar “às coisas mesmas” [1]. É exatamente isso que Hobbs faz. Ele força-nos a confrontar a maneira como percebemos a realidade através do prisma da tecnologia. As suas obras não representam a realidade; criam uma nova realidade que existe na interação entre o código, a tela e a nossa perceção.

Olhem atentamente para “Fidenza #313”. As curvas e contracurvas dançam numa bailado matemático, mas nunca frio. Evocam as nervuras de uma folha, as correntes de um rio, os padrões que o vento forma na areia. Não é uma imitação da natureza, mas uma exploração dos mesmos princípios subjacentes que governam o crescimento natural e o movimento. Husserl falaria aqui da “époche”, essa suspensão do julgamento que nos permite ver para além das preconcepções [2]. Hobbs pede-nos que abandonemos as nossas expectativas sobre o que a arte digital deveria ser.

A deliciosa ironia no trabalho de Hobbs é que ele usa ferramentas de precisão matemática para criar imprevisibilidade. Os seus algoritmos incorporam cuidadosamente o acaso, produzindo resultados que escapam mesmo ao seu controlo. É como se Pollock tivesse programado os seus próprios movimentos, o que seria um paradoxo fascinante por si só.

E aqui é onde a arquitetura entra na minha análise. Como Louis Kahn, que procurava descobrir “o que o edifício quer ser” [3], Hobbs coloca a questão: o que é que o algoritmo quer tornar-se? Há uma estranha ressonância entre a prática arquitetónica de Kahn e a abordagem de Hobbs. Ambos começam com uma geometria rigorosa, depois permitem que a obra evolua para a sua forma mais autêntica.

Em “QQL”, a sua colaboração com Dandelion Wist, Hobbs leva esta ideia ainda mais longe ao dar aos colecionadores a possibilidade de interagir com o algoritmo, criando assim uma relação triangular entre o artista, a máquina e o espectador. Esta abordagem ecoa o pensamento de Kahn sobre o espaço servente e o espaço servido [4], com algumas partes da obra a serem estruturais (o código subjacente), enquanto outras são expressivas (as escolhas estéticas feitas em conjunto pelo algoritmo e pelo colecionador).

O génio de Hobbs reside na sua compreensão de que a tecnologia não está em oposição à humanidade, mas pode ser um veículo para a expressão humana em toda a sua complexidade. As suas obras não são frias e calculadas, mas quentes e palpitantes de vida. A série “Mechanical Hand” é particularmente reveladora a este respeito. Estas obras, criadas com a ajuda de um plotter mecânico, ligam o gesto humano à precisão mecânica. Operam nesse espaço intermédio fascinante onde a nossa humanidade e as nossas ferramentas tecnológicas se encontram e conversam.

Husserl lembra-nos que toda a consciência é consciência de algo [5]. A arte de Hobbs faz-nos tomar consciência não só dos objetos visuais que ele cria, mas também do processo da sua criação. Há uma transparência no seu trabalho, não a nível técnico (os seus algoritmos são complexos), mas a nível filosófico. Ele mostra-nos que a tecnologia pode ser uma ferramenta de introspeção.

Uma das realizações mais profundas da obra de Hobbs é a sua capacidade de nos fazer ver a beleza nos sistemas. Numa época em que somos inundados por algoritmos que determinam o que vemos, o que lemos e até o que desejamos, Hobbs reorienta a nossa atenção para essas estruturas invisíveis. Ele torna-as não só visíveis, mas também estéticas.

Há uma qualidade meditativa nas obras de Hobbs que lembra a arquitetura sagrada de Kahn. O Kimbell Art Museum de Kahn usa a luz natural para criar um espaço que muda constantemente ao longo do dia [6], tal como os algoritmos de Hobbs geram obras únicas em cada execução. Esta semelhança não é superficial, decorre de uma compreensão partilhada de que a arte transcendente emerge das regras e das variações.

Estou particularmente interessado na maneira como Hobbs navega entre o mundo digital e físico. As suas obras “QQL: Analogs” exibidas na Pace Gallery são traduções físicas de obras digitais, mas não são meras impressões. São reinterpretações, conversas entre diferentes meios. Hobbs compreende que cada meio tem as suas próprias forças e fraquezas. Um ecrã de computador pode mostrar cores vibrantes que nenhuma pintura pode reproduzir, mas uma tela tem uma presença física e uma textura que um ecrã nunca poderá capturar.

Esta oscilação entre o digital e o físico ecoa aquilo a que Husserl chamava “variação eidética”, o processo de modificação imaginativa que nos permite entender a essência de um fenómeno [7]. Ao ver como as obras de Hobbs se transformam através de diferentes meios, começamos a compreender a essência da sua arte para além das suas manifestações específicas.

A fenomenologia também nos ensina que a nossa perceção é sempre incorporada. Percecionamos o mundo através dos nossos corpos. A arte de Hobbs lembra-nos que mesmo as experiências mais digitais e “desincorporadas” são em última análise percebidas por seres corpóreos. É por isso que as suas exposições físicas são tão importantes, elas reintroduzem o corpo na equação.

Kahn dizia: “O sol não sabia o quão belo era antes da casa ser construída” [8]. Da mesma forma, o código não conhece a sua beleza antes de um artista como Hobbs o usar para criar algo transcendente. Há uma humildade nesta abordagem, o artista não é um criador todo-poderoso, mas um colaborador com os seus materiais e ferramentas.

A série “Fidenza” ilustra perfeitamente esta colaboração. Hobbs criou um algoritmo capaz de gerar 999 obras únicas, mas não determinou a aparência exata de cada peça. Estabeleceu parâmetros, regras e princípios estéticos, e depois deixou o algoritmo explorar esse espaço de possibilidades. Esta abordagem recorda a afirmação de Kahn segundo a qual “a arquitetura existe na mente antes de existir no papel” [9]. Da mesma forma, a arte de Hobbs existe no seu algoritmo antes de existir visualmente.

O que realmente distingue Hobbs de muitos outros artistas digitais é a sua profunda compreensão das tradições artísticas. Ele não rejeita o passado; constrói sobre ele. As suas obras fazem referência ao expressionismo abstrato, ao minimalismo e mesmo à arte têxtil tradicional. Há uma riqueza cultural no seu trabalho que transcende a novidade tecnológica.

A arte de Tyler Hobbs lembra-nos que a tecnologia não é nossa adversária na busca pela beleza e sentido. Pode ser nossa parceira, permitindo-nos explorar novos territórios estéticos e conceptuais. Num mundo onde muitas vezes desconfiamos da tecnologia, Hobbs oferece-nos uma visão alternativa, a de uma relação harmoniosa e criativa com as nossas ferramentas digitais.

Portanto, da próxima vez que vir uma obra de Hobbs, não se limite a admirá-la pela sua beleza superficial. Olhe mais profundamente. Veja a dança entre a estrutura e o caos, entre a regra e a exceção, entre o humano e a máquina. É aí, neste espaço intermédio, que reside o verdadeira poder da sua arte.

E se só vê um “bonito desenho de computador”, então não posso fazer nada por si. Volte para os seus NFTs de macacos aborrecidos e deixe os verdadeiros exploradores desfrutarem do festim visual e intelectual que Hobbs nos preparou.


  1. Husserl, Edmund. “Ideias Fundamentais para uma Fenomenologia.” Gallimard, 1950.
  2. Husserl, Edmund. “Meditações Cartesianas.” Vrin, 1947.
  3. Kahn, Louis I. “A Luz é o Tema: Louis I. Kahn e o Museu de Arte Kimbell.” Fundação de Arte Kimbell, 1975.
  4. Kahn, Louis I. “Espaço e as Inspirações.” L’architecture d’aujourd’hui, 1969.
  5. Husserl, Edmund. “Pesquisas Lógicas.” Presses Universitaires de France, 1959.
  6. Brownlee, David B. e De Long, David G. “Louis I. Kahn: No Reino da Arquitectura.” Rizzoli, 1991.
  7. Husserl, Edmund. “Experiência e Julgamento.” Presses Universitaires de France, 1970.
  8. Kahn, Louis I. “Silêncio e Luz.” Palestras no ETH Zurich, 1969.
  9. Kahn, Louis I. “O Quarto, a Rua e o Acordo Humano.” AIA Journal, 1971.
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Referência(s)

Tyler HOBBS (1987)
Nome próprio: Tyler
Apelido: HOBBS
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Estados Unidos

Idade: 38 anos (2025)

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