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Wilhelm Sasnal, o filósofo das imagens turvas

Publicado em: 26 Janeiro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 9 minutos

Os quadros de Wilhelm Sasnal transformam imagens banais em verdadeiros manifestos visuais. A sua técnica pictórica, oscilando entre precisão fotográfica e expressionismo desenfreado, revela as cicatrizes da História sob a superfície do presente.

Ouçam-me bem, bando de snobs, está na hora de falar de Wilhelm Sasnal, nascido em 1972 em Tarnów, Polónia, este artista que nos mantém em suspense há mais de vinte anos com as suas obras que oscilam constantemente entre o sublime e o banal, entre a grande História e o quotidiano mais trivial. Ele não é um simples pintor que reproduz mecanicamente imagens recolhidas aqui e ali. Não, Sasnal é um observador meticuloso da nossa época, um arquivista visual obsessivo que dissseca a nossa relação com as imagens com uma precisão cirúrgica.

A primeira coisa que impressiona na sua obra é esta forma única que ele tem de transformar imagens aparentemente banais em verdadeiros manifestos visuais. Por exemplo, as suas séries sobre as igrejas polacas pintadas de cabeça para baixo, como “Kirche” (2001). Estas pinturas não são simples exercícios formais; elas personificam perfeitamente o que Friedrich Nietzsche chamava de “inversão dos valores”. Numa Polónia pós-comunista onde a Igreja Católica continua a exercer uma influência considerável na vida quotidiana, Sasnal obriga-nos a olhar para estes símbolos religiosos sob um ângulo literalmente invertido. Estas igrejas invertidas tornam-se metáforas poderosas da nossa relação ambígua com o sagrado num mundo desaconsagrado. E não pensem por um instante que seja gratuito ou provocador; cada pincelada é calculada para nos fazer refletir sobre a nossa relação complexa com as instituições religiosas e o seu poder simbólico.

Mas esperem, isto é apenas a ponta do icebergue. O que torna a obra de Sasnal verdadeiramente interessante é a sua capacidade de entrelaçar a história pessoal e coletiva. Ele não pinta a História com H grande de forma didática ou moralizadora. Não, ele faz emergir essa história nos detalhes mais anodinos, como nas suas pinturas inspiradas na banda desenhada “Maus” de Art Spiegelman. Em 2001, quando ele se apropria dessas imagens, não é para dar uma representação mais do Holocausto, mas para questionar a forma como essa tragédia continua a assombrar o nosso presente. Walter Benjamin falava da “história ao contrário”, e é exatamente isso que Sasnal faz: ele arranha a superfície lisa do nosso presente para revelar as cicatrizes do passado que persistem sob a nossa consciência coletiva. Essas obras não são simples citações ou apropriações; são atos de resistência contra o esquecimento, contra a tentação de virar rapidamente a página das páginas sombrias da nossa história.

A técnica pictórica de Sasnal é tão reveladora quanto os seus assuntos. Ele maneja a pintura como um DJ mixa os seus samples: por vezes com uma precisão fotográfica clínica, outras vezes com gestos expressionistas desenfreados. Esta abordagem lembra o que Roland Barthes chamava de “prazer do texto”, só que aqui, é o prazer da imagem que está em jogo. Sasnal joga constantemente com as nossas expectativas visuais, criando quadros que parecem familiares à primeira vista, mas que se revelam estranhamente inquietantes à medida que os contemplamos. A sua paleta cromática, frequentemente restrita, não é uma escolha estética superficial mas uma decisão conceptual profunda. Os cinzentos, castanhos e pretos que dominam as suas telas não estão lá para agradar, mas para nos lembrar a materialidade da própria pintura, a sua capacidade de transformar a realidade em algo mais ambíguo, mais perturbador.

E falemos dessa ambiguidade. Tomemos os seus retratos políticos, como o de Marine Le Pen (2012) ou o de Angela Merkel (2016). Não são simples representações de figuras públicas, mas estudos psicológicos profundos sobre o poder e a sua imagem mediática. Sasnal pinta-os como espectros, aparições fantasmagóricas que assombram a nossa paisagem política contemporânea. Esses retratos ecoam aquilo que Michel Foucault descrevia como o “poder pastoral”, essa forma de governação que pretende cuidar do seu rebanho enquanto exerce um controlo absoluto sobre ele. Cada pincelada é uma análise política, cada nuance de cor é um comentário sobre a natureza do poder na nossa sociedade mediática.

Nas suas vistas de Tarnów, a sua cidade natal, ou nas suas pinturas de locais industriais como as fábricas da Azoty, Sasnal transforma locais comuns em cenas quase apocalípticas. Estas paisagens não deixam de lembrar o que Jean-François Lyotard chamava o “sublime contemporâneo”, essa sensação vertiginosa perante a imensidão tecnológica e industrial que nos rodeia. Mas, ao contrário dos românticos que procuravam o sublime na natureza selvagem, Sasnal encontra-o nas periferias urbanas, nas zonas industriais abandonadas, nos não-lugares da nossa modernidade tardia. Ele pinta esses espaços com uma atenção particular aos detalhes que revelam a sua história: as marcas de desgaste, os sinais do tempo, as cicatrizes deixadas pela atividade humana. Estas paisagens são testemunhos silenciosos da transformação brutal da Polónia pós-comunista, mas também metáforas mais amplas da nossa relação problemática com o meio ambiente na era do antropoceno.

O outro aspeto da sua obra é a sua relação com os meios de comunicação de massa e a cultura popular. Sasnal não hesita em recorrer às capas de discos, filmes, anúncios publicitários ou à Internet. Mas atenção, não se trata de uma simples reciclagem pop art à la Warhol. Não, Sasnal usa essas imagens como os arqueólogos usam artefactos: para compreender o nosso presente através das suas representações mais banais. É isso que Jacques Rancière chama “partilha do sensível”, essa redistribuição das imagens que determina o que é visível e o que não é na nossa sociedade. Quando ele pinta uma cena retirada de um filme ou uma imagem encontrada na Internet, não se limita a reproduzi-la, ele transforma-a, desconstrói-a, reinventa-a para nos fazer ver o que se esconde por detrás da sua superfície aparentemente anodina.

Nos seus filmes, frequentemente realizados em colaboração com a sua esposa Anka, como “It Looks Pretty from a Distance” (2011), Sasnal leva ainda mais longe essa exploração da nossa relação com as imagens. Estas obras cinematográficas não são meras extensões da sua prática pictórica, mas meditações profundas sobre a natureza mesma da representação. Utilizando frequentemente atores não profissionais e filmando cenas aparentemente banais com uma intensidade quase insuportável, ele cria o que Gilles Deleuze chamou “imagens-tempo”, imagens que nos forçam a pensar o tempo em si. Os seus filmes são experiências visuais radicais que questionam os nossos hábitos de espectador e a nossa maneira de consumir imagens.

O seu trabalho sobre a memória coletiva é particularmente comovente. Quando aborda temas como o Holocausto ou o comunismo, nunca o faz de maneira direta ou ilustrativa. Pelo contrário, encontra ângulos oblíquos, abordagens indiretas que tornam esses temas ainda mais presentes na sua aparente ausência. É o que o historiador Pierre Nora chamou “lugares da memória”, esses pontos de cristalização da nossa memória coletiva. Sasnal compreende que algumas realidades históricas são demasiado complexas, demasiado dolorosas para serem representadas diretamente. Escolhe, portanto, aproximar-se delas pela periferia, criando obras que funcionam como ecos, reverberações desses traumas históricos.

O que é particularmente notável em Sasnal é que ele mantém uma coerência conceptual enquanto varia constantemente as suas abordagens estilísticas. Pode passar de uma pintura hiper-realista para uma abstração gestual sem nunca perder a linha condutora da sua reflexão sobre a imagem. Essa versatilidade não é inconsistente, mas antes o que o filósofo Theodor Adorno chamava de “não-identidade”, esta capacidade de resistir a qualquer categorização definitiva. Cada nova série, cada novo projeto é uma exploração diferente da nossa relação com as imagens, com a história, com a memória.

A sua prática da pintura é profundamente contemporânea, não porque siga modas ou tendências, mas porque questiona constantemente o que significa pintar hoje. Num mundo saturado de imagens digitais, onde a fotografia e o vídeo estão em toda a parte, Sasnal reafirma a pertinência da pintura não como uma prática nostálgica ou reacionária, mas como um meio único de questionar a nossa relação com o visível. Cada quadro é uma proposta sobre o que pode ser a pintura no século XXI.

As suas obras mais recentes, expostas nomeadamente na Whitechapel Gallery e na Hauser & Wirth, mostram um artista no auge da sua maturidade que, no entanto, continua a correr riscos. Não hesita em abordar temas candentes como a crise dos refugiados ou a ascensão dos populismos na Europa, mas sempre com essa distância crítica que caracteriza o seu trabalho desde o início. Estas obras lembram-nos o que Hannah Arendt disse sobre a “banalidade do mal”, como as maiores tragédias podem surgir das situações mais ordinárias. Sasnal mostra-nos que a arte contemporânea ainda pode ser politicamente empenhada sem cair no didactismo ou na propaganda.

Sasnal faz-nos ver o extraordinário no ordinário, o político no pessoal, o histórico no quotidiano. Não procura dar-nos respostas fáceis ou julgamentos morais prontos. Pelo contrário, obriga-nos a questionar a nossa própria posição como espectadores, a nossa própria cumplicidade nos sistemas de representação que ele encena. É isso que Jacques Derrida chamava de “desconstrução”, esse processo constante de questionar as nossas certezas mais fundamentais. Cada quadro é um convite a repensar a nossa relação com as imagens, com a história, com a memória.

A importância do seu trabalho ultrapassa largamente o âmbito da arte contemporânea polaca ou mesmo europeia. Sasnal conseguiu criar uma linguagem visual que fala de forma universal, mantendo-se profundamente enraizada no seu contexto cultural e histórico específico. É o que o filósofo Paul Ricoeur chamava de “paradoxo do universal e do particular”, como uma experiência singular pode adquirir uma dimensão universal. As suas obras falam-nos da Polónia pós-comunista, mas também da nossa condição contemporânea global, das nossas ansiedades coletivas, das nossas esperanças e dos nossos medos.

Wilhelm Sasnal é muito mais do que um simples pintor talentoso, é um verdadeiro filósofo da imagem, um pensador que usa a pintura como ferramenta de investigação do real. Quando tudo parece já ter sido mostrado, fotografado, filmado, ele ainda consegue surpreender-nos, desestabilizar-nos, fazer-nos ver de outra maneira. A sua obra recorda-nos que a arte não está para nos confortar nas nossas certezas, mas para as abalar, para nos obrigar a olhar para aquilo que por vezes preferiríamos não ver.

Então sim, bando de snobs, Wilhelm Sasnal é talvez um dos artistas mais importantes da sua geração, não porque faz pinturas “bonitas” ou porque está cotado no mercado de arte, mas porque nos obriga a repensar a nossa relação com as imagens, com a história, com a memória e com o presente. Quando a imagem na nossa época se tornou simultaneamente omnipresente e insignificante, o seu trabalho recorda-nos que a pintura ainda pode ser uma ferramenta crítica poderosa, um meio de resistência contra a banalização generalizada da nossa experiência visual. Sasnal mostra-nos que ainda é possível criar imagens que importam, imagens que nos obrigam a pensar, a sentir, a recordar. E talvez essa seja a sua maior conquista: ter devolvido à pintura a capacidade de nos emocionar e de nos fazer refletir, num mundo que parece ter perdido a capacidade de fazer ambos.

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Referência(s)

Wilhelm SASNAL (1972)
Nome próprio: Wilhelm
Apelido: SASNAL
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Polónia

Idade: 53 anos (2025)

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