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Yuichi Hirako: As raízes profundas da alma

Publicado em: 17 Maio 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 8 minutos

Yuichi Hirako transforma radicalmente a nossa perceção do mundo natural ao criar obras híbridas onde figuras antropomórficas com cabeça de árvore nos confrontam com a nossa relação ambivalente com o ambiente. As suas pinturas vibrantes e esculturas monumentais propõem uma redefinição poética das fronteiras entre humano e não humano.

Ouçam-me bem, bando de snobs. Se ainda não cruzaram o olhar de um homem-árvore de Yuichi Hirako, não viram nada da arte contemporânea japonesa. Não é apenas um artista que pinta árvores em corpos humanos para decorar os nossos salões burgueses. Não. Por trás desta imagem que pode parecer ingênua à primeira vista, esconde-se uma reflexão profunda sobre a nossa relação com a natureza, sobre o antropocentrismo tóxico que define a nossa época, e sobre a beleza de um diálogo simbiótico com o nosso meio ambiente.

Hirako, nascido em 1982 na prefeitura de Okayama, no Japão, esta região montanhosa onde a natureza exuberante se impõe em cada recanto, não é fruto do acaso. A sua sensibilidade para a coexistência entre humanos e natureza tem raízes na sua infância passada a recolher insetos e a pescar sozinho, longe das interações sociais que o deixavam desconfortável. Foi durante os seus estudos no Wimbledon College of Art, em Londres, que a sua visão artística se cristalizou, confrontado com o contraste impressionante entre a natureza selvagem da sua infância e os espaços verdes urbanos cuidadosamente controlados da metrópole britânica.

O que mais nos impressiona no seu trabalho é esta figura recorrente do “homem-árvore”, esta personagem híbrida com corpo humano e cabeça de conífera ornada com galhadas de veado. Mas não nos enganemos. Não se trata de uma simples fantasia surrealista. Através desta personagem, Hirako oferece-nos um espelho distorcido da nossa própria relação com o ambiente. Ao mesmo tempo um autorretrato do artista e um retrato universal de quem mantém uma relação com a natureza, esta figura torna-se o veículo de uma interrogação fundamental: estamos realmente separados daquilo a que chamamos “natureza”?

As paisagens que ele retrata são de uma beleza perturbadora, oscilando entre o familiar e o estranho. Nas suas telas, como “Lost in Thought” ou “Green Master”, o artista transporta-nos para um universo onde as fronteiras entre o interior e o exterior, entre a cultura e a natureza se desvanecem progressivamente. Plantas de interior convivem com árvores selvagens, objetos manufaturados misturam-se com elementos naturais numa harmonia visual que interroga as nossas categorias mentais. A virtuosidade técnica de Hirako manifesta-se na sua capacidade de fundir estes mundos aparentemente opostos sem jamais cair no didatismo ou na simplificação excessiva.

A filosofia da ecologia profunda sustenta todo o seu percurso artístico. Para aqueles que ainda desconhecem, esta perspetiva conceptual desenvolvida nomeadamente pelo filósofo norueguês Arne Næss propõe uma visão holística onde a humanidade é apenas uma parte de um ecossistema global interligado [1]. Hirako transpõe esta visão na sua arte convidando-nos a considerar a natureza não como um recurso a explorar ou uma decoração para admirar, mas como um parceiro igual numa relação de coexistência. Ele dilui intencionalmente as fronteiras entre o natural e o artificial para nos fazer tomar consciência do caráter arbitrário desta distinção.

A obra “Pressed Flower 03” (2021) ilustra perfeitamente essa capacidade de Hirako de criar um espaço meditativo onde a figura humana-árvore se senta em posição de lótus num tronco de árvore caído, rodeada por uma flora com tonalidades luminosas de pêssego e azul. Esta tela monumental (249 x 333 cm) não deixa de evocar as representações tradicionais do Buda, mas reinterpretadas através do prisma do animismo xintoísta e das preocupações ecológicas contemporâneas. O artista oferece-nos uma visão alternativa da espiritualidade, ancorada não na superação da natureza, mas na imersão total nela.

O que distingue Hirako de tantos outros artistas ecológicos é a sua recusa ao miserabilismo e ao catastrofismo. Ele não procura culpabilizar-nos ou assustar-nos com imagens de apocalipse ambiental. Pelo contrário, convida-nos a redescobrir uma relação mais equilibrada com o nosso ambiente através de uma estética sedutora e por vezes até lúdica. As suas obras são habitadas por uma alegria subtil que contrasta com a seriedade da sua mensagem. Essa tensão entre a leveza formal e a gravidade do conteúdo cria uma experiência estética singular que nos toca para além do intelecto.

A influência do folclore japonês, em particular a lenda dos kodama (espíritos que habitam as árvores centenárias), impregna profundamente o trabalho de Hirako. Como o próprio artista destaca: “Acredito que é importante refletir sobre o que deveríamos visar quando nos colocamos no lugar das plantas e da natureza. Ambas as perspetivas, a nossa e a do outro lado, estão corretas” [2]. Esta declaração revela uma sensibilidade que ultrapassa o simples antropomorfismo para abraçar uma forma de perspectivismo onde a visão do mundo das plantas é considerada tão válida quanto a dos humanos.

A diversidade dos suportes usados por Hirako, pintura, escultura, instalação, performance sonora, testemunha a sua vontade de criar uma experiência imersiva que envolve todos os nossos sentidos. As suas esculturas monumentais em madeira, como a série “Yggdrasill”, referem-se à árvore cósmica da mitologia nórdica, criando uma ponte inesperada entre tradições orientais e ocidentais. Ao nomear as suas obras segundo essa árvore mítica que, na cosmologia nórdica, liga todos os mundos, Hirako sublinha a universalidade da sua mensagem e a sua ambição de transcender os particularismos culturais.

Ao contrário de tantos artistas contemporâneos que sucumbem à tentação do espetacular, Hirako desenvolve uma obra que se aprecia ao longo do tempo, que se revela progressivamente ao espectador atento. As suas composições ricas em detalhes convidam a uma contemplação ativa, a uma exploração visual que revela camada após camada a complexidade do seu pensamento. Em “Gift 15” (2021), o homem-árvore é enquadrado em grande plano contra uma parede carregada de imagens, a sua cabeça folhosa florescendo com diversas flores. Esta obra pode ser lida como uma metáfora da criatividade artística em si, surgindo de um diálogo frutífero entre cultura e natureza.

A dimensão autobiográfica do seu trabalho é particularmente evidente nas cenas de interior, como na série “Lost in Thought”, onde o homem-árvore é representado em espaços domésticos preenchidos com objetos significativos, livros, instrumentos musicais, plantas em vaso. Estas obras podem ser interpretadas como alegorias da condição do artista contemporâneo, que procura manter um vínculo autêntico com a natureza enquanto está imerso num mundo saturado de cultura e tecnologia. Hirako não propõe uma fuga romântica para uma natureza idealizada, mas uma negociação constante entre esses dois polos da nossa existência.

A arte contemporânea japonesa tem frequentemente sido reduzida, na perceção ocidental, a alguns clichés fáceis: a cultura kawaii, as referências ao manga e ao anime, ou ainda a estética minimalista do wabi-sabi. Hirako foge a estas categorias simplistas ao desenvolver uma linguagem visual que, embora enraizada na cultura japonesa, dialoga livremente com a história da arte ocidental. As suas composições pictóricas por vezes recordam as naturezas-mortas flamengas do século XVII, mas transformadas por uma sensibilidade contemporânea e uma paleta cromática vibrante que evoca mais os fauves do que a tradição japonesa.

A dimensão temporal ocupa um lugar central na obra de Hirako. Numa cultura obcecada pelo instantâneo e descartável, ele lembra-nos a temporalidade longa das árvores, a sua paciência milenar, o seu enraizamento num solo que carrega as marcas das gerações passadas. Como escreve o historiador de arte Simon Schama na sua obra “A Paisagem e a Memória”, “antes de ser um repouso para os sentidos, a paisagem é uma construção do espírito. O seu cenário constrói-se tanto a partir das camadas da memória como das das rochas” [3]. Hirako parece ter integrado esta reflexão ao criar obras que evocam simultaneamente o tempo geológico das formações naturais e o tempo cultural das referências artísticas.

É tentador ver na obra de Hirako uma forma de crítica ao capitalismo e à sua relação instrumental com a natureza. Os seus homens-árvores, nem totalmente humanos nem totalmente vegetais, podem ser interpretados como figuras de resistência à lógica de exploração que reduz a natureza a uma simples recurso. Mas esta leitura política, embora pertinente, não faz justiça à complexidade do seu processo. Mais do que uma denúncia frontal, o seu trabalho propõe uma visão alternativa, uma utopia concreta onde humanos e não-humanos coexistiriam num respeito mútuo.

A dimensão poética da obra de Hirako não deve ser subestimada. Num mundo artístico muitas vezes dominado pelo cinismo e pela ironia pós-moderna, ele ousa afirmar uma sinceridade refrescante. A sua fé no poder transformador da arte não é ingénua, mas está enraizada numa compreensão profunda dos desafios contemporâneos. Como salientou o crítico de arte Nicolas Bourriaud, “a arte é um estado de encontro” [4]. As criações de Hirako incorporam perfeitamente esta definição ao facilitar um encontro inédito entre o humano e o não-humano, entre o espectador e modos de existência alternativos.

O que faz a força da obra de Yuichi Hirako é a sua capacidade de reconciliar oposições aparentes: tradição e inovação, Este e Oeste, natureza e cultura, sério e lúdico. Num mundo cada vez mais polarizado, a sua arte recorda-nos a beleza das zonas intermédias, dos espaços híbridos onde as certezas vacilam para dar lugar ao espanto e ao questionamento. Se a arte ainda tem um papel a desempenhar nas nossas sociedades, é precisamente esse: ajudar-nos a imaginar outros mundos possíveis, outras formas de habitar a Terra.

Da próxima vez que cruzar uma árvore na rua, tome o tempo para se parar e olhar realmente para ela. Estes seres silenciosos podem refletir o nosso próprio olhar, à semelhança das figuras enigmáticas nas pinturas de Hirako. Neste intercâmbio mudo pode estar o início de uma consciência ecológica renovada, longe dos discursos moralizadores e das injunções culpabilizadoras. A arte de Hirako sussurra-nos que a nossa salvação não virá de uma separação ainda mais radical da natureza, mas de uma imersão consciente nela, de um reconhecimento da nossa interdependência fundamental com todos os seres vivos.

Deixo-vos a meditar sobre isto.


  1. Næss, Arne. “The Shallow and the Deep, Long-Range Ecology Movement: A Summary”, Inquiry, vol. 16, 1973.
  2. Hirako, Yuichi. Entrevista na ArtReview Asia, outubro de 2021.
  3. Schama, Simon. A Paisagem e a Memória, traduzido do inglês por Josée Kamoun, Éditions du Seuil, 1999.
  4. Bourriaud, Nicolas. Estética relacional, Les presses du réel, 1998.
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Referência(s)

Yuichi HIRAKO (1982)
Nome próprio: Yuichi
Apelido: HIRAKO
Outro(s) nome(s):

  • 平子雄一 (Japonês)

Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Japão

Idade: 43 anos (2025)

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