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Lucas Arruda: Janelas para o infinito

Publicado em: 25 Janeiro 2025

Por: Hervé Lancelin

Categoria: Crítica de arte

Tempo de leitura: 7 minutos

Nas suas telas miniatura, Lucas Arruda confronta-nos com a imensidão do mundo, transformando cada quadro numa exploração metafísica onde a luz se torna o veículo de uma reflexão profunda sobre a própria natureza da perceção e da nossa relação com o visível.

Ouçam-me bem, bando de snobs, enquanto vos falo de Lucas Arruda, nascido em 1983 em São Paulo, um artista que faz exatamente o que não se deve fazer segundo todos os cânones da arte contemporânea, e é precisamente por isso que merece a nossa atenção. Enquanto o mundo da arte está obcecado pelo espetacular, monumental e exibicionista, aqui está um artista que ousa trabalhar em formatos minúsculos, que tem a audácia de pintar paisagens quando todos lhe dizem que isso está ultrapassado, e que persiste em explorar a luz como se os impressionistas nunca tivessem existido.

Arruda é aquele artista raro que consegue fazer-nos ver o invisível no visível, sentir o infinito no finito. As suas telas, que raramente ultrapassam as dimensões de uma folha de papel, são janelas abertas para a imensidão. Lembram-nos aquilo que Martin Heidegger chamava “o clarão do ser”, esse espaço onde as coisas se nos revelam na sua verdade mais profunda. Quando observa uma marina de Arruda, não vê simplesmente uma paisagem marinha, assiste ao que o filósofo alemão descrevia como a revelação da verdade, a aletheia, aquele momento em que o mundo sai do seu ocultamento para se manifestar na sua plena presença.

A sua série emblemática “Deserto-Modelo”, cujo título é tomado emprestado ao poeta João Cabral de Melo Neto, não é uma simples coleção de paisagens. É uma exploração sistemática e obsessiva do que significa ver, perceber, estar presente no mundo. Cada quadro é um convite a abrandar, a tomar o tempo para realmente observar. Na nossa época de imagens instantâneas e gratificação visual imediata, Arruda propõe-nos uma forma de resistência contemplativa.

Pegue nas suas marinas com horizontes desfocados, esses espaços onde o céu e o oceano se fundem numa névoa luminosa. À primeira vista, podem parecer repetitivas, quase monótonas. Mas é precisamente nessa aparente monotonia que reside a sua força. Tal como as variações musicais de Philip Glass ou Steve Reich, cada iteração traz uma diferença subtil, uma nova nuance, uma variação quase impercetível mas importante. Esta repetição não é falta de imaginação, mas um método rigoroso de investigação do visível.

A luz, no trabalho de Arruda, não é simplesmente um efeito pictórico ou um meio de criar atmosfera. Torna-se numa verdadeira ferramenta filosófica, um meio de explorar aquilo que Maurice Merleau-Ponty chamava “a carne do mundo”. Nas suas pinturas, a luz não se limita a iluminar as coisas, faz com que existam de uma nova maneira. Cria aquilo que o filósofo francês descrevia como o entrelaçamento fundamental entre o observador e o visível, essa zona misteriosa onde a nossa percepção encontra o mundo.

As suas selvas densas e misteriosas não são meras representações da floresta tropical brasileira. São meditações sobre a própria ideia de natureza, sobre a nossa relação complexa com o mundo natural. Nestas obras, Arruda dialoga subtilmente com a tradição do sublime na arte, mas o faz de uma forma completamente contemporânea. Onde os românticos procuravam submergir-nos pela imensidão, Arruda propõe-nos uma forma de sublime miniaturizado, concentrado, intensificado pelas dimensões reduzidas das suas telas.

O que é particularmente interessante na sua abordagem é que cria obras que funcionam simultaneamente em vários níveis. A nível puramente visual, as suas pinturas são obras-primas de subtilidade cromática e mestria técnica. A forma como trabalha a matéria pictórica, às vezes raspando a superfície para fazer emergir a luz das camadas inferiores da tinta, testemunha uma compreensão profunda das possibilidades materiais do seu meio.

Mas as suas pinturas são também máquinas de pensar. Forçam-nos a refletir sobre a própria natureza da percepção, sobre a forma como construímos a nossa compreensão do mundo visível. Neste aspeto, juntam-se às preocupações da fenomenologia, essa ramificação da filosofia que se interessa pelo modo como as coisas nos aparecem na experiência direta. Cada pintura de Arruda é como uma experiência fenomenológica em miniatura, um convite a explorar como percebemos, como atribuímos sentido ao que vemos.

A decisão de Arruda de trabalhar quase exclusivamente em formatos reduzidos não é uma simples preferência estética ou uma restrição prática. É uma escolha filosófica que transforma cada pintura num exercício de concentração, de foco. Estes pequenos formatos obrigam-nos a aproximar-nos, a inclinar-nos, a estabelecer uma relação íntima com a obra. É uma forma de resistência contra a tendência atual da arte contemporânea de privilegiar o espetacular e o monumental.

A sua utilização ocasional de projeções luminosas e diapositivos pintados expande ainda mais esta reflexão sobre a natureza da visão e da representação. Estas instalações criam o que o filósofo Gilles Deleuze teria chamado “imagens-tempo”, momentos onde o próprio tempo se torna visível, palpável. A luz projetada torna-se um meio por si só, uma forma de materializar a passagem do tempo e as mudanças subtis da perceção.

Os monocromos de Arruda, que à primeira vista parecem ser apenas superfícies uniformes, são na realidade exercícios sofisticados sobre a natureza da visão. Ao obrigarem-nos a abrandar o nosso olhar, a levar o tempo para realmente ver, lembram-nos que a visão não é um ato instantâneo, mas um processo que se desenrola no tempo. Estas obras ecoam o que o filósofo Henri Bergson escreveu sobre a duração, essa experiência subjetiva do tempo que não pode ser reduzida a uma mera sucessão de instantes.

A relação de Arruda com a tradição da pintura de paisagem é complexa e nuançada. Ele não é nem um mero continuador dessa tradição, nem um iconoclasta que procura destruí-la. Ele reinventa-a a partir do interior, levando-a aos seus limites, usando-a como uma ferramenta para explorar questões filosóficas fundamentais. As suas paisagens não são representações de locais reais, mas construções mentais, espaços imaginários que nos permitem refletir sobre a própria natureza da representação.

Nas suas marinhas mais abstratas, onde o horizonte se dissolve numa névoa luminosa, Arruda confronta-nos com o que o filósofo Emmanuel Levinas chamava “existe”, essa presença pura e indiferenciada que precede toda distinção entre sujeito e objeto. Estes quadros colocam-nos frente ao enigma do ser em si mesmo, confrontam-nos com a estranheza fundamental do mundo.

O seu tratamento da luz é particularmente revelador. Nos seus quadros, a luz não é simplesmente um fenómeno natural a representar, mas uma metáfora da própria consciência, da nossa capacidade de perceber e compreender. Esta abordagem ecoa o que Gaston Bachelard escrevia sobre o sonho poético, essa forma ativa de imaginação que nos permite transcender os limites da nossa percepção ordinária.

A série “Deserto-Modelo” pode ser vista como uma exploração sistemática do que significa habitar poeticamente o mundo, para retomar a expressão de Hölderlin tão querida a Heidegger. Cada quadro é uma tentativa de criar um espaço onde o visível e o invisível se encontram, onde o material e o espiritual se entrelaçam. É um projeto simultaneamente humilde nas suas dimensões e ambicioso no seu alcance filosófico.

A influência de artistas como Turner, particularmente nas suas obras tardias onde a forma se dissolve na luz, é evidente no trabalho de Arruda. Mas onde Turner procurava capturar o poder dramático dos elementos, Arruda persegue uma forma de transcendência mais subtil, mais interior. Os seus quadros não são representações de tempestades exteriores, mas explorações de tempestades interiores, cartografias da alma.

O que é notável no seu trabalho é que mantém um equilíbrio perfeito entre o formal e o metafísico, entre o material e o espiritual. Os seus quadros funcionam tanto como objetos puramente estéticos como suportes para meditação filosófica. Esta dualidade está no cerne do seu projeto artístico.

A repetição no seu trabalho não é uma simples iteração mecânica, mas uma forma de investigação paciente e metódica. Como um cientista que repete uma experiência para compreender todas as suas variáveis, Arruda explora incansavelmente os mesmos motivos para extrair novas significações, novas possibilidades. Cada novo quadro é simultaneamente uma continuação e um novo começo.

O seu trabalho recorda-nos que a arte ainda pode ser um meio sério de investigação filosófica, uma ferramenta para compreender o nosso lugar no mundo. Numa época dominada pelo cinismo e pela ironia, Arruda ousa ser sincero, metafísico, profundo. Ele mostra-nos que ainda é possível criar uma arte que fale diretamente à alma, ao mesmo tempo que envolve o intelecto.

Da próxima vez que cruzar uma das suas pequenas telas numa galeria ou museu, não se contente em olhá-la de passagem. Tire tempo para se deter, inclinar-se, realmente ver. Porque nesses espaços miniatura esconde-se uma imensidão que espera ser descoberta. Arruda recorda-nos que o tamanho físico de uma obra não tem nada a ver com a sua capacidade de nos transportar, transformar e fazer pensar.

Talvez esteja aí a sua maior conquista: mostrar-nos que, num mundo obcecado pelo grande, pelo espetacular, pelo monumental, a verdadeira grandeza pode esconder-se nos formatos mais pequenos. Os seus quadros são como portas secretas para o infinito, convites para explorar os mistérios da perceção e do ser. E é precisamente por isso que merecem o meu destaque.

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Referência(s)

Lucas ARRUDA (1983)
Nome próprio: Lucas
Apelido: ARRUDA
Género: Masculino
Nacionalidade(s):

  • Brasil

Idade: 42 anos (2025)

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